quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O DIA EM QUE UMA CRIANÇA ENFRENTOU A GRAMÁTICA

Como professor, sempre encorajo as pessoas que têm filhos a falarem corretamente com elas. Crianças aprendem rápido e se evitam mais dúvidas em sala de aula, além de propagar a boa e clara comunicação.

No meu segundo casamento, tive três enteados. Além da criação, tinha em mão um desafio: fazê-los falar de modo correto. E constatei que decididamente, eles aprendiam de modo natural.

Era comum irmos a livrarias a sebos. Incentivava a leitura neles e os 3 adoravam isso. Numa dessas idas, um dos gêmeos, o João, escolheu CAÇADAS DE PEDRINHO, de Monteiro Lobato. Durante a volta, ele me pergunta:

- Pedrinho não é homem?

- Sim, por quê?

- Porque aqui está escrito A Pedro, deveria ser O Pedro, não é?

Naquela hora tive a certeza de que havia criado um monstro. Os irmãos, orgulhosos que só, diziam que ele seria professor, tal como eu. Que todos os amigos iriam ver um erro que nem o autor de Taubaté tinha visto, nem ele nem o revisor.

Chegando em casa, pedi para ver o trecho, e o moleque, de 7 anos, apenas 7 anos, já havia marcado com o indicador, e podia-se ler o seguinte: “Narizinho disse a Pedro (...)”. Um exemplo de regência que deveria ser explicado o quanto antes. Tentei a primeira.

- João, você não canta assim: “Parabéns PRA você”? – ele concordou – Pois bem, você também pode cantar assim: “Parabéns a você”, não pode?

- Sim.

- Então, concorda que posso falar assim: “Narizinho disse PARA Pedro”? – ele concordou já sem sorriso – Pois bem, então concorda que também se pode falar assim: “Narizinho disse A Pedro”?

Os irmãos saíram já conformados que ele não podia ter acertado, era apenas uma criança. Mas João veio ao mundo para ter razão:

- Mas Pedro não é homem?

Ele já tinha entendido, porém tinha que vencer. Tentei mais uma vez. Tentei mais outra vez. Tentei a quarta vez. Ele não cedia. Minha paciência de professor a quem quer aprender é infinita, entretanto a quem quer ter razão... E categoricamente, completei:

- João, preste atenção, DIZER é verbo transitivo indireto, portanto pede um OBJETO INDIRETO como complemento, ou seja, uma preposição tem de aparecer, e essa preposição é esse A aqui, ok???!!!

Tenho certeza de que hoje ele deve ter entendido que não se luta contra a gramática, aceitamo-la. E não me perguntem se foi essa a razão principal do fim do relacionamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário