quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O MENDIGO E O PAVÃO

É fato que, em determinadas fases da vida, você tenha as suas preferências. Comidas, filmes, músicas e, por que não, roupas. Camisetas pretas, por exemplo, aos 12 anos, eu vesti a primeira, e nunca mais as larguei, tenho uma dezena delas na gaveta e as usarei para o resto da vida.

Mas em uma determinada época da minha vida, apaixonei-me por uma camisa horrível, presente da minha madrinha. Mangas e golas pretas e um pavão laranja lindo, mesclado em toda a sua dimensão, frente e costas.

Única.

Aquela camisa que vira ponto de referência em qualquer lugar. No começo dos anos 90, eu virei isso. Nas danceterias, nos bares, numa pizzaria, ninguém se perdia, eu nunca me perdia, porque ela estava lá acesa e presente.

Até teria como mostrar a você a indumentária, mas prefiro a sua imaginação à realidade. De 1992 a 1995, em festas, formaturas, natais, fins de ano, shows, lá estava eu com ela. Lembro que eu a usava no sábado e cercava minha mãe a semana inteira para que estivesse passada para a semana seguinte.

As piadas eram inevitáveis, mas eu não ligava, ficava feliz com ela, me sentia diferente – e era mesmo, dependendo de que lado você veja – eu me sentia com uma identidade, uma espécie de símbolo... Do ridículo.

Ignorava várias vezes minha mãe aconselhando a aposentá-la. O uniforme de eventos sociais já não mais incomodava só quem ao meu lado estava. Começara a ser um insulto ao convívio dos seres. Exagerados...

E aquele dia me veio como uma sofreguidão imensa, uma traição.

Estagiava durante o dia e cursava a faculdade à noite. Não. Eu nunca teria ido com a camisa ao trabalho ou às aulas. Na volta, pegava dois ônibus para chegar em casa.

Lembro que cheguei à praça Silvio Romero, no Tatuapé, com o saudoso elétrico. E me encaminhei ao ponto para a segunda condução.

Havia um mendigo famoso naquele tempo. Perambulava há anos pelo bairro. Até aqui tudo bem, mas naquela noite, não. Ele apareceu bem perto de mim e não pude crer que a minha camisa, a minha indumentária, minha extensão de pele estava com ele.

Não poderia me enganar por dois motivos: 1. Não há como não saber o que é seu; 2. Ninguém usaria aquela camisa, senão eu. Traído pela própria mãe. Bem que ela me avisara que daria um “jeito” nela e deu.

Nunca mais me esquecerei daquela noite. Nem do sorriso sarcástico da dona Ignes. Nem da minha camisa na pele de outro nem da recusa do mendigo em me devolvê-la em troca de um jantar.

10 comentários:

  1. Essa camisa devia ser "linda". kkkkkkk
    Ponto para dona Ignes! rs

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    1. Lu, era a coisa mais bizarra! Eu até conseguiria colocá-la aqui, mas seria um demérito incrível ao meu bom gosto! Porém minha mãe tinha o direito de deixar-me dar um adeus a ela! - rs - Pela lealdade de um com o outro!

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    2. Algo me diz que se sua mãe pudesse, escolheria uma regata no lugar da sua camisa...rsrsrsrs

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    3. Lu, nada supera uma camisa regata... Nada! - rs

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  2. Hahahahahaha, desculpa, mas pense pelo lado bom: a tal camiseta ganhou mais alguns bons anos de "vida" na pele do nosso amigo mendigo!

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    1. NÃO!!! Fê, ela era minha só minha!!! Possessivo eu??? IMAGINA!!! - rs

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  3. Hahahahaha...pior foi a tentativa de "subornar" o mendigo com um jantar para reaver a camisa...só vc mesmo, Dri!

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    1. Dri, pior mesmo foi o cara não aceitar, seria um PF gigantesco! CAZZO!!!

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  4. Entendo perfeitamente a sua dor. Eu tinha uma calça jeans que eu mesma rasguei, desfiei e que era meu "uniforme" para os bons momentos. Virou num trapo, mas quanto mais velha, mais eu gostava dela. OBVIO que sofri traição semelhante a sua. A diferença é que ela foi mutilada e jogada no lixo mesmo :(.

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    1. Pois é Kell, que bom que vc entendeu minha dor! Mas creio que a sua foi ainda mais traumatizante! Força sempre!

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