terça-feira, 31 de maio de 2016

MINHA VIDA NA REDE SOCIAL É MINHA VIDA REAL?

Redes sociais existem para um determinado fim: mostrar o que você realmente faz para mostrar o que realmente você gostaria que os outros pensassem que você faz. Complexo? Não, porque está incutido na mente de todos que as usam. Não endossarei o fato de as pessoas torcerem para ter uma festa, uma viagem, para colocar, dividir com os demais o quão feliz, viajadas e ocupadas com eventos elas possam ser.

E aquele casal era assim. Fotos juntos no perfil – abro aqui um à parte, nem eu, que nasci com meu irmão, no mesmo dia e local e dividi a mesma barriga ao mesmo tempo, dividiria um perfil, porque, graças a Deus, somos dois. Tudo junto, viagem, festas, pedido de noivado,  o noivado, pedido de casamento, casamento, altar, fotos da lua de mel.

O perfil de CARAS passava por lá. “Inveja”, diriam eles, “a felicidade deve ser exposta”, cada momento. Um presente ganho, pausa pra foto. Um sorriso dado, pausa pra foto. Um vinho, um jantar romântico, pausa pra foto. Cada momento feliz deve ser registrado. E o que seria deles sem as lentes sociais? Talvez nada, porque o troféu do amor está lá.

E veio a gravidez, foto da barriga e do ultrassom da menina. Sapatinho dado pelo avô paterno. Foto. Sapatinho dado pela avó materna, foto. Fotos dos avós, fotos dos padrinhos. Foto da barriguinha aparecendo. E depois de tantas fotos, aos 7 meses, ela ganha uma sessão de fotos num estúdio, as 45 de barriga de fora com o marido.

10 de ele beijando a barriga, 12 dela ao lado do berço, 15 dos dois se beijando e 8 só dela com a mão na barriga em várias poses. Dia do parto, ela manda postar o momento em que o bebê chega. 4 fotos dela beijando o filho e mais 5 dos avós com a criança, do pai com a filha, do pai beijando a filha etc.

Fotos dela voltando pra casa. Fotos de aniversário de 1 ano. Foto da primeira viagem dos 3. Declaração de amor dela aos “tesouros da minha vida, meu porto seguro”. Foto do primeiro dia das mães - #chorando. Fotos do primeiro dia dos pais - #amoresdaminhavida - #famíliaétudo.

E assim a vida foi sendo registrada e mostrada; cada sorriso, porque a felicidade deve ser exposta e “toda a sua inveja que se transforme em gordura”.

A filha, aos 5 anos, abre seu primeiro perfil numa rede social. Convida a mãe, que aceita prontamente. E, numa tarde linda de inverno, ela começa a ver todas as fotos, todas do perfil da mãe. Ficou horas vendo toda a história da vida dela, do pai e da família.

Quando terminou, foi até a mãe, colocou as mãos na cintura e perguntou:

- Por que você e meu pai só fazem as coisas juntos no computador?

- Não se mexa! – disse a mãe, que tirou uma foto naquele instante, porque achou a pose linda demais e postou no facebook: “pose de geniazinha, puxou ao pai”.

E até agora foram 105 curtidas.  

terça-feira, 24 de maio de 2016

A LOUCA

Pode-se dizer que a loucura a algumas pessoas deixa de estar e passa a ser. As atitudes deixam de ser justificativas e passam a ser coerentes. E aquela relação não era lá um exemplo de algo saudável ou promissor. Ela com uma filha de 7 anos, ele 7 anos mais novo e sem filhos. O namoro foi um complemento de nichos, a um havia vagas ao amor à outra, quem viesse.

O amor muita vezes acaba sendo uma conveniência, a diferença é quando a conveniência supre as carências que uma vida toda causa ou ratifica. Talvez ela tivesse o olhar adequado e um sorriso certo. Ele nada tinha, ele estava lá, vago e pontual. Foi uma hecatombe a união. Em poucos horas, os dias viravam meses, e os meses, anos. Séculos que se juntavam, uma mescla de Idade Média e Renascentismo. 

Resolveram erradamente morar juntos, o sonho de uma família não parecia algo correto, não aos olhos de quem os via, mas aos olhos de quem se via. Retomando a ideia de que ninguém é feliz sozinho, ambos seguiram a árdua e desafiadora tarefa de que a família deveria ser a base de tudo. 

O grande problema era a criança, sim, a menina, digamos, não era lá algo confortável à mãe. Pois é, a natureza deixava de seguir o curso normal e, o que era para ser fluente, tornava-se um empecilho. A baixo autoestima caminhava lado a lado com a moça, desde sempre. Não se podia dizer quem viera antes.

Não eram raras as brigas constantes com a garota por nada. Não eram raros os olhares furiosos a ela por nada. Não eram raras as situações constrangedoras por que sofria e era comum a disputa da mãe com ela mesma.

Eram comuns as brigas se o marido elogiasse a menina, mesmo que fosse na lição de casa. Eram comuns as brigas se o marido beijasse a testa da garota, ainda que fosse nas festas de agosto. Eram comuns as brigas se o marido colocasse o gorro e ajeitasse os cabelos da enteada, ainda que fosse julho. E mais comuns ainda quando ela o beijava na bochecha, ainda que um "eu te amo, pai" prenunciasse a ação.

Anos depois de brigas e disputas, a pré-adolescência chegou. Com ela vieram as trevas da loucura. Puberdade fervilhando e descobertas revelando um final desastroso. 

Numa noite, no corredor do banheiro e dos quartos, saía do quarto do casal e de cueca o marido, que, por dois segundos, nem viu a menina vindo do banheiro, de calcinha e com o primeiro sutiã. No exato momento em que teriam se soltado, no milésimo de segundo preciso em que teriam trocado um beijo ou, quem sabe, no flagrante preciso de uma troca de carícias, o olhar furioso dela transbordou.

Cega, urrou. O marido se virou, já na porta do banheiro e a menina reabriu a quase fechada porta do quarto. Havia ninguém mais ali, porém era a certeza de mais um surto, o último. Ficaram estáticos e viram uma jamanta desgovernada subindo com uma faca. E, antes que a filha tentasse formular algo, teve a barriga perfurada. O marido, entre o correr para ajudar e tentar impedi-la, nem havia percebido que sua garganta estava aberta. Mortos, todos mortos. 

Ainda ofegante e ainda vidrada, conseguiu arrastar o corpo dele para cama e, depois de colocar o da filha em cima do dele, saiu satisfeita por acabar com aquilo tudo. Melhor assim, ela se resignara com a realidade, libertara-se do pesadelo e havia um pedófilo a menos nesse mundo injusto e sujo...  

terça-feira, 17 de maio de 2016

QUEM NÃO TEM TOC?

Quem tem TOC sabe bem o transtorno e a delícia disso. E pode se resumir assim, pois o transtorno vem quando a delícia da rotina é quebrada. Um quadro torto, uma franja na testa, uma etiqueta pra fora, uma pia com louças sujas podem e vão tirar a concentração do resto dia.

Ter esse desvio não é uma bênção nem um fardo, apenas é. Como ser loiro, ter rinite ou alergia a algo, conclui-se que o TOC acaba sendo a alergia à falta de detalhe. Os detalhistas sofrem e o excesso disso desencadeia a doença moderna.

O rapaz tinha esse distúrbio e passava por algo ainda pior, o esquecimento. Não, ele não se esquecia de arrumar algo ou das manias, mas de fazer algo que não era de sua rotina. Datas de aniversários, compras no shopping, contas esporádicas.
Quando não se esqueceu de ir ao médico, saiu de lá com um comprimido para reavivar a memória - não que isso exista, apenas algo inofensivo, à base de vitaminas, mais um exercício para se treinar o cérebro - que deveria ser tomado todas as manhãs. Sempre pela manhã, num horário fixo e antes do café. Ótimo, mais uma mania que entraria na lista.
Mas o tratamento, parece-nos, não está dando lá certo. Todas as noites, ele leva um copo de água, que é consumido sempre no mesmo horário, pontualmente às 2h, quando se levanta para ir ao banheiro.
E pela manhã, o copo está vazio, e mesmo que ele queira tomar o remédio, não há como não ir ao banheiro, escovar os dentes e fazer o desjejum, porque se tiver de ir até a cozinha antes de fazer todo esse ritual, com certeza algo dará errado, desencadeando uma guerra mundial.
Parece paradoxal, mas ter a rotina de ter desenvolver outra rotina não está na rotina de alguém com um transtorno desses.
O comprimido? O cachorro comeu naquela manhã.

terça-feira, 10 de maio de 2016

AS PREVISÕES DE MADAME MINIE

Madame Minie sempre viveu das bruxarias e adivinhações. Descobriu-se além aos 11, quando disse que a gatinha do vizinho morreria, porque havia visto. Batata, um carro pegou a bichana, uma gata preta linda, e, contrariando a opinião pública e crendices populares, a gata preta trouxe a sorte para ela. Logo a mãe começou a, digamos, divulgar os dotes da menina em troca de um investimento.

Sim, começaram a enriquecer. Depois que a mãe morreu, e ela passou a noite anterior toda ao lado dela, decidiu seguir só. Casamentos, namoros, trabalhos, traições todas as situações passavam pelos seus olhos e passavam de modo certeiro, nunca errou, nunca errava. Poderia passar horas falando de todas os acertos. 

As viagens e bens eram a materialização do sucesso. E, para isso,cobrava caro. 500 reais a sessão, 5 vezes por semana, 8 atendimentos por dia. Sim, quase cem mil por mês. Não casou, preferiu seguir só, fazer tudo só. Não confiava em ninguém. Cuidava do site, da agenda, do dinheiro. Julgava-se uma super-heroína, invencível.

Entediada, e nunca se poderá imaginar por quê, decidiu fazer um jogo durante aquele mês: se errasse um segredo do cliente, a sessão sairia de graça. Para tal, ela pedia que o cliente, na antessala, e sem que ela visse, óbvio, escrevesse algo do passado ou um desejo. O cliente entraria, deixaria o papel dobrado em cima da mesa e, no fim da sessão, madame abriria o segredo e se revelaria se o dinheiro apareceria ou não.

Decidiu ampliar o mês para sábado também, porque queria um extra para ir a Europa por um mês. Nem se carece dizer que a mulher passou o mês faturando muito. O boca a boca se multiplicava, e a super-heroína ia ganhando fama, dinheiro e admirações. 

Depois de 3 semanas, naquela quinta-feira fria, às 18h, no último horário, um rapaz apareceu. Terno Armani, perfume francês. Depois de 25 minutos de blá-blá-blá, ela parou estarrecida, pôs a mão na dele e disse para dissuadir daquela ideia. Por mais cruel que fosse a pessoa, o cara não deveria matar ninguém. Que a vida era mais que isso, que a maldade não poderia vir de ninguém, que o rancor deveria ser sufocado, que ganância alguma poderia calar o bem ou o bom senso, que... BANG!

Caía morta a madame. O rapaz se levantou e vasculhou tudo o que pôde. Joias, dólares, euros. Não se pode saber quanto ele levou, mas pode-se ter a certeza de que se ratificou a velha máxima: ninguém salva os super-heróis nem eles a si mesmos!