terça-feira, 20 de janeiro de 2015

AMIZADE VERDADEIRA

Sempre cresceu achando que os melhores amigos eram medidos durante o período de tristezas. Bastava a sombra aumentar que trariam a luz necessária para se seguir por ela. Seriam os primeiros a acender a tocha e estariam sempre por perto.

Não se pode querer um carrossel de melhores amigos, mas pode se escolher quem andará com você neles. E a moça trazia a menina debaixo de sua preferência quando caiu durante o recreio e abriu o joelho. Foi ela quem segurou sua mão enquanto a diretora passava o merthiolate. A partir daí, sempre ficaram juntas.

Naquele dia, anos depois, enquanto se encaminhava ao bar para dar a notícia, lembrou de todos os momentos ruins pelos quais passou. Quando a matemática não entrava em sua mente e a dedicada amiga passou horas mostrando quão possível eram os números.

Lembrou também que nem sempre um 42 seria o fim do mundo, percebeu que se amar como era seria a melhor forma de não desistir de si mesma, ainda que o 38 da amiga fosse um sonho ainda impossível. Assim mesmo achou divertido pedir dois números acima nas compras em conjunto.

E como esquecer o dia que descobriu, na noite de formatura, que o namoradinho preferia loiras. Borrou a maquiagem inteira e ficou rouca de tanto pedir à amiga para não perder o baile por causa de um romance infrutífero como aquele. Sorriu.

E daí vieram romances e mais romances frustrados. Lágrimas atrás de lágrimas. E a amiga sempre perto a enxugá-las. Sabia que não tinha o talento para aqueles 5 anos de namoro feliz que a dona do lenço protagonizava. Sorriu. 

Vieram 9 meses de olhos secos, nove meses de sorrisos, 9 meses apenas de alegrias. E ela deveria ser a primeira a saber. Chegou pontualmente como sempre e a amiga estava lá antes dela, como sempre. sorriram e se abraçaram. Logo após de escolhidas a bebida, o pedido de casamento foi revelado.

Os sorrisos da amiga se calaram imediatamente e os alertas apareceram on the rocks. insanidade casar em tão pouco tempo. Despesas inesperadas talvez. Nem se sabia se era realmente a pessoa ideal. Preocupações de uma amiga zelosa, atenta. 

As bebidas ficaram pela metade. O abraço foi mais contido e o sorriso da amiga não voltou não voltou mais, dera lugar à sisudez. Talvez não tenha percebido e ainda assim sorriu pela preocupação da meia-irmã. 

Estava tão feliz que não percebeu que o merthiolate, os lenços, os números menores e os amparos vinham sempre para se curar uma ferida. Estava tão feliz que não percebeu que era fácil apaziguar quando o oposto sofria. Estava tão feliz que não percebeu que, pela primeira vez, estava feliz e talvez nunca tenha percebido que sorrir um sorriso igual não é lá uma tarefa digna.

Porém, se caso desse algo errado, a amiga seria a primeira a secar-lhe as lágrimas...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O QUE VOCÊ ESTÁ ESPERANDO?

Talvez tinha 4 anos, quando se deparou com o primeiro desejo em sua vida, uma bicicleta. Ansiou por ela, perguntou à mãe o que deveria ser feito para conseguir uma. Ouviu atentamente. Daquele dia em diante, comeu todas as verduras, não deixou mais os brinquedos fora de lugar e até tolerou as provocações do mais velho. 

Na noite de Natal, ganhou uma bola e a frase "as melhores coisas da vida acontecem quando você menos espera". 5 meses depois, no aniversário a bicicleta, já esquecida, apareceu e ele sorriu.

Aos 12, ele precisava de uma bateria. Era o primeiro dos muitos ídolos à sua frente fazendo o convite. Foi direto ao pai e percebeu que as notas altas estavam lá, que as reclamações nunca mais vieram e que os tênis estavam enfileirados. 

A audição daquele ano passou, mas a outra não. E quando viu o pedal do bumbo em sua cama, pedalou até o fim do mundo de alegria e venceu a batalha das bandas naquele mesmo ano. "As melhores coisas da vida acontecem quando você menos espera".

Aos 18 procurou um estágio para financiar sua liberdade. Ganhar o mundo era um desafio mais difícil, nem a bateria muito menos a sumida bicicleta ajudariam. Passou nas três entrevistas e ficou entre os 3 melhores. Seria perfeita a vaga. Na dinâmica final, o curso de inglês não ajudou, porque o espanhol seria mais viável. Passou um semestre inteiro vindo da faculdade pra casa, porque tinha a maldita consciência de não gastar mais o dinheiro dos pais. 

6 meses depois, conseguiu uma bolsa, tinha se esquecido que concorria a ela, e sorriu como criança, pedalando nos pedais da bateria e da bicicleta. "As melhores coisas da vida acontecem quando você menos espera".

Estava com 30 anos, e a promoção para a filial de Londres seria um marco. O mais jovem gerente da empresa poderia romper barreiras. Nome forte. Trabalho impecável. Metas batidas. E naquela reunião, os 3 filhos da colega pesaram mais. 2 anos depois, o ainda solteiro, seguia para Nova Iorque. Mesmo com os 4 graus negativos, vibrou ao pisar no Soho. "As melhores coisas da vida acontecem quando você menos espera".

E por lá já estava há 8 meses, quando conheceu Melinda. A ítalo-americana estaria sem os pais no feriado de Ação de Graças. Ele conseguiu escapar mais cedo do trabalho na véspera do feriado e driblar os novaiorquinos loucos pelas calçadas e torcer para seu ônibus passar o quanto antes. Olhou para o relógio e pediu que ficasse lá por 5 minutos. Porém, assim que levantou o olhar, viu o gigante se dirigindo em sua direção.

Sorriu como nunca tivesse sorrido na vida, subia os degraus e escutou o lamento de muitos, já ali há uns 10 ou 15 minutos. Quando sentou, lembrou-se de tudo. Da bicicleta, da bateria, do estágio, da promoção e da moça, que esquentava o chocolate aos dois, teve uma conclusão definitiva quando viu o ônibus: "as melhores coisas acontecem quando se menos espera, mas quando acontecem quando se espera é muito mais interessante".


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

LISTA DE PROMESSAS

Poderia entrar no clichê das promessas e da lista de início de ano, entretanto preferiu não cair nas armadilhas da vida, já que se trancou nas próprias arapucas e de lá teve de sair quando ninguém mais estava vendo. 

Sabia que a própria consciência sim, e dela não conseguiria fugir. Decidiu então prometer o que tinha certeza de que faria, só para ter certeza se o papel realmente remaria contra os próprios interesses.

Fumaria até tossir sangue. Comeria até verter entranhas. Beberia até vomitar a vida. Apaixonar-se-ia pelas pessoas erradas até o coração evaporar. E, pela primeira vez, seguiu à risca. 

A pessoa tinha o aroma de uma nota desafinada e exalava desilusão. Foi colocada para dentro de sua vida de modo rápido, sem pestanejar. Foram dois dias de loucura até descobrir que ela era casada, com dois filhos e um golden retriever. 

E o coração evaporou-se. 

Mesmo que precisasse do trabalho, não parou para contar as coações, as humilhações pelas quais andava diariamente. O aluguel não poderia atrasar. Não contou as horas que passou em silêncio com um lanche e as planilhas sempre erradas. Seria uma insanidade precisar o vaivém frenético dos prazos não cumpridos e nada compridos. Acabou perdendo o emprego.

Engoliu sapos até verter as entranhas.

A procura por uma recolocação aos 34 não era algo fácil. Foram incontáveis os currículos, as entrevistas e as promessas. Chegou próximo de um sonho, que esbarrou no espanhol largado no segundo módulo. Entrou em casa e percebeu que não teria o dinheiro do aluguel daquele mês. 

Bebeu até vomitar a própria vida.

Lembrou-se da mãe, que disse ser ajuda a tudo que pedisse. Correu até ela, chorando, e abriu o pulmão e a alma de uma vez só. Estava só, sem dinheiro nem sonhos. Teve  de escutar a comparação com os primos e os vizinhos cujas histórias de sucesso se esfumaçavam em sua frente.

E as fumou até tossir sangue. 

Sentiu-se o ser mais solitário do mundo, chegou a sentir ao mesmo tempo dó e orgulho de si. Soube que era capaz de seguir à risca tudo o que desejou fazer e percebeu que tinha um talento imenso à autossabotagem. E fez a única coisa que lhe cabia, abandonar-se. Quando as bagagens são grandes, algumas devem se perder pelo caminho. Largou-se como se larga um saco de arroz numa carga, que foi levada pra longe.

Chovia muito no dia seguinte, mas os pingos só acertaram as suas pegadas, dessa vez venceu e talvez a sorte começasse a mudar...