segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

O VESTIDO VERMELHO - uma história de sonhos


Quando a moça viu aquele vestido, percebeu que era a coisa mais linda já vista no seu mundo. Ficou paralisada, preferiu perder os dois ônibus, porque aquilo compensava qualquer outro assunto. Não se interessou em saber quanto tempo ficou ali parada, deixou perder-se em todos os lugares que pudesse desfilar com ele.

Talvez nem soubesse se existiam tantos lugares assim, porém sabia que não era lá. Tentou encaixar ambiente e música, conseguiu nada que pudesse ser coerente àquelas cores, àquela forma, àquele brilho.

E toda vez, depois de um dia de faxina, a caminho de casa, ela parava em frente à loja e ficava 20, 30 minutos olhando aquele vestido vermelho. Inebriada. Tomada de um regozijo diário. Mais que o descanso, mais que o sono, aquele era seu porto seguro, aquilo era seu lar.

E o mundo à sua volta começou a perceber o vislumbre da diarista.

As pessoas do ponto de ônibus, o carteiro, o dono da banca de jornal e, claro, as vendedoras e o dono da loja. Tanto que mudavam semanalmente a vitrine, no entanto sempre deixando à vista aquele vestido vermelho.

Numa quinta-feira chuvosa, como de costume, ela parou em frente à loja, o dono apareceu de surpresa e convidou-a a entrar. Talvez tenha sido a única forma de tirá-la dali. E já que decidiram colocá-la no mundo real, por que não fazê-la entrar no sonho?

Mal sabia o que responder quando foi convidada a entrar no vermelho, sim, vestir-se de todos os sons, lugares e cores por que passava há semanas. Não creu que teria isso com ela, não creu que sua pele, à base de creme Nívea, pudesse tocar superfícies jamais imaginadas.

Ao sentir aquilo deslizar pelo seu corpo não soube descrever. Literalmente, se não conhecesse tantos lugares ou músicas que pudessem se encaixar naquele vestido, teve a certeza de que também todas as palavras que sabia não poderiam expressar a emoção que sentia.

Quando se virou ao espelho, os olhos não poderiam mostrar algo mais lindo, algo mais perfeito. O rosto de criança em frente ao carrossel era nada perto daquilo. Choravam as vendedoras, chorava o dono da banca, como também o carteiro e todos do ponto de ônibus, todos estavam ao redor dela.

Ela começou a desfilar pela loja, abriram um corredor para que passasse e levasse consigo todos os sonhos que já sonhou nessa vida, ainda que poucos, entretanto realizados. Sabia que tinha de ficar nele, sabia. E foi o que decidiu fazer.

Não importava quanto tinha na carteira, não mediu qual seria o resultado daquilo que decidiu tomar pra si, não quis divisar quais seriam as consequências. Tomou fôlego, pegou a bolsa e saiu em disparada pela loja rua afora. Como um raio. Um raio vermelho. Deixou as roupas antigas por lá...

Chovia muito, e todos viram um sonho virar a esquina, vermelho, e com um sorriso contagiante. E o dono não quis aceitar o rateio que o carteiro sugeriu, a dona do vestido já  otinha financiado há semanas, diariamente, um jeito de ser feliz.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

FELIZ NATAL, PAI

Meu pai sempre foi um homem de poucas palavras. Era o tipo que só falava o necessário. Em determinada época, cheguei a questionar a ideia de contar quantas ele proferiria num dia. Ora, se dizem que temos dois ouvidos e uma boca para ouvir mais do que falar, o cara era o exemplo típico. 

Mesmo assim, com o número exato delas, eram notórias suas predileções. A família, o Palmeiras, os boleros e o Natal. Sim, o Natal. Ele se tornava criança de novo, adorava o clima, mesmo não sendo um devoto fervoroso de histórias bíblicas, ele preferia encarar as luzes e os enfeites como algo mágico.

Em dezembro, como namorados, ele tomava a mão da minha mãe e a levava - na verdade levava a si mesmo - pelas ruas e shoppings de SP para ficar quieto ainda mais. Sim, ele curtia calado cada luz a piscar em seus olhos castanho-esverdeados. Nem isso o cara dividia com ninguém.

As noites de 24 de dezembro traziam suas origens. Era comum irmos a Rio Claro, onde ele, irmão de 5 meninas, e por que não pai delas - e o foi por muito tempo -, se soltava e empatava os lábios com os ouvidos, muitas vezes até ganhava. O riso era mais solto e as palavras também.

Lembro que, nas manhãs das viagens, ele - como sempre - e isso era uma das muitas coisas que eu admirava nele - nos acordava feliz e saltitante como uma criança que vai ao piquenique. E ele ia. O Natal sempre foi algo diferente.

Quando não viajávamos, passávamos em casa. E, sempre quando isso acontecia, era seu desejo falar algumas palavras em agradecimento pela presença de todos. O ritual era o mesmo. Ele pedia a palavra e pedia para que elas fossem embaladas por NOITE FELIZ. 

A primeira vez que isso aconteceu, ele não conseguiu proferir uma palavra que fosse. Os acordes menores e tristes da melodia natalina calavam-no mais ainda, e as lágrimas vinham sem vergonha alguma, calando o que desejava dizer.  E assim se repetia, nos natais seguintes. O ritual era o mesmo. Ele pedia, eu e meus irmãos sabíamos que ele não falaria, que choraria depois das primeiras sílabas e que minha mãe embalaria o lamento.

Isso até virou piada entre nós. Mesmo dizendo a ele "Pai, pôr NOITE FELIZ para quê? O senhor vai chorar em segundos!", o cara não se emendava. Não sei se cada vez era um desafio a ser vencido ou se somente aquilo o fazia lembrar dos anos difíceis no interior e como venceu, construindo uma casa e uma família, que adorava bajulá-lo ao extremo.

Sim, os 3 filhos viviam em torno dele. Minha mãe fazia os eventos para e por ele. E assim ele era feliz. Meu pai se foi em 2007 e o Natal nunca mais será o mesmo, porque, se Papai Noel combina com criança, a nossa não está mais conosco. E, de tão amado que é, conseguiu nos deixar um legado eterno: o de ficarmos quietos e sem palavras nas noites de dezembro. 

Feliz Natal, sr. Ary.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

OS EVENTOS NA AGENDA

Mateus adorava dezembro. Adorava as decorações de natal, o clima de festa, o corre-corre desenfreado dos atrasados, o forfé intempestivo e intermitente das ruas, das lojas. Seu humor mudava. Naquele ano, ele resolveu fazer diferente, decidiu deixar a solidão de anos de lado e fazer as comemorações natalinas em sua casa.

Remexeu em suas redes sociais, e-mails e contatos do whatsapp. Respondeu a mensagens não respondidas e fez o convite. Comentou fotos em que fora marcado e fez o convite. Finalmente aceitou amizades há meses à sua espera e fez o convite. Pelas contas, umas 30 pessoas , entre familiares e amigos, foram convidadas.

Elaborou com perfeição a distribuição de tudo e pediu que confirmassem a presença até uma semana antes do evento. Estava feliz, sentiu-se diferente, tinha sido um ano bom, fora promovido, comprara um novo apartamento, trocara de carro, tinha coisas a dividir e estava disposto a escutar.

E Mateus, de tão ausente, sentiu-se culpado, nada melhor que o Natal para reatar amores antigos. Duas semanas depois, alguns confirmaram que não iriam, tinham outros planos, no entanto mais da metade ainda não havia se pronunciado.

Tinha uns 10 dez dias ainda para obter êxito em sua intenção. Porém algumas mensagens não foram respondidas, mesmo nas fotos em que fora marcado e não se conformava com o silêncio de todos. Logo naquele ano, em que tinha tanto a falar e a dividir. Ficou decepcionado, revoltado, fez-se de vítima e passou o dia 24 de dezembro assistindo a um filme antigo qualquer.

Mateus ainda não sabe que o protocolo fora cumprido e também que, ainda que Cristo opere milagres, seria injusto demais jogar a Ele responsabilidades como aquela. Talvez na Páscoa, quem sabe, uma nova tentativa, um novo convite, mas isto o homem deixaria para quando abril se aproximasse.