quinta-feira, 29 de agosto de 2013

COTADINHO DO SPHYNX

Sempre foi alucinada por gatos, mas nunca teve um, a rinite alérgica e a mãe - não necessariamente nessa ordem - eram os empecilhos que a menina teve desde então. Ensaiou por anos com vizinhos, amigos da escola, primos qualquer ser de seu convívio, gato era sinônimo de espirros e comichões.
 
Julgou-se desafortunada, ninguém poderia nascer com um dom de amar algo a distância. Ninguém tinha o direito de sufocar um sentimento que lhe transbordava a alma. Vivia sanando a alergia com analgésicos ou antibióticos.
 
Sempre foi da opinião que valeria a pena remediar, não deixava de curtir horas de espirros sem antes abraçar e beijar um bichano. Pensou que ia morrer, quando abriu a porta, certa vez,  e se deparou com um lindo gato preto, mirrado que só, a miar para cima.
 
Tentou escondê-lo por alguns dias da mãe. Teve uma sensacional camuflagem por exatas 36 horas, o leite em abundância e a pele rubra, além, claro, dos atchins entregaram a garota, que chorou como nunca quando o pai levou o bicho embora.
 
Soube que teria de viver numa bolha contra os felinos se quisesse amá-los. Passou a adolescência amando a distância, desejando em sonhos. Chegava até a acordar espirrando quando se deparava com um em seus sonos.
 
Virou uma adulta com uma parte frustrada. Havia uma coleção de pelúcias, fotos, camisetas e até uma tatuagem com os bichanos. Foi quando, por uma amiga, soube dos Sphynxs, uma raça de gatos sem pelos. Sim. Um milagre, como isso podia ser.
 
Viu um numa revista e se apaixonou, nem mesmo os 3 mil reais poderia ser um terceiro empecilho. Sabia que teria de ter um. Apertou de todos os lados e, em seis meses, conseguiu o dinheiro. Foi a mesma amiga que a levou ao criadouro, ela não conseguiria dirigir e teria de voltar com o filhote no colo.
 
Chegaram ao local, mas a menina não teve coragem de sair do carro. A amiga teve de descer, negociar tudo, pagar e sair com uma fêmea de olhos esbugalhados, sem pelo algum: perfeita! Enquanto se encaminhava ao carro, viu a amiga chorando lá de dentro, não se contendo do sonho, finalmente ela estava acordada.
 
A porta foi aberta, a Sphynx colocada nos braços da mãe e um espirro. Outro agora, mais dois antes de a amiga fechar a porta, mais três até o carro seguir e, durante todos os 50 km, os espirros foram incontáveis, insuportáveis e infindáveis. Estava consumado, a moça não teria um gato em sua vida.
 
Chorou como nunca naquela noite, a última chance de estar plena foi apagada de seus dias.
 
Existem pessoas que não andam. Há aquelas que não escutam ou outras que não enxergam. Existem pessoas que não têm amigos. Há aquelas que não têm gatos. E há os Sphynxs que não têm Whyskas todos os dias.
 
Mesmo assim, a vida continua...
 
 

sábado, 24 de agosto de 2013

12 MESES DEPOIS

Há um ano, 24 de agosto de 2012, começava este blog. Minha intenção não era apenas treinar essa delícia que é escrever, senão uma projeção para algo mais ambicioso. Sabia e sei que nada é fácil. Foram 328 textos.

Tentei ser presente diariamente, 5 ou 6 textos novos por semana. Matutei nas caminhadas, forcei a criatividade, espremi cada parte dessa vida em busca de uma boa história. Às vezes fui lido por vários, às vezes por quase ninguém, porém, o mais importante, é que o saldo é positivo.

Tenho minhas histórias preferidas e o público as dele. Caso você, leitor, que não tenha lido alguns de meus textos, seguem  - na ordem - os 12 (uma alegoria aos 12 meses) textos mais acessados. Em busca - ainda - de algo maior...


























12 - http://paciello-cazzo.blogspot.com.br/2012/08/primeira-estacao_24.html

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

PREMONIÇÕES

Talvez tenha sido apenas uma fase, que - como toda fase - passaria. O moleque vinha sonhando com tesouros e mais tesouros. E, de repente, aquela ideia maluca de que poderia encontrar algo realmente valioso bem nos fundos da sua casa. Por que não? Ora, não eram os sonhos que serviam de avisos, não eram eles que serviam de trailer ao real?

tentou sondar a avó sobre alguma herança do avô dela, conseguiu nada. Tentou a mãe, mente fresca, informação melhor. Nada também. E os sonhos não paravam. O mesmo sonho, reincidente, sempre a mesma cena, ele e o fiel vira-lata cavavam muito e descobriam um baú, com pérolas, ouro, diamantes.

Era tanta riqueza que sabia muito bem o que faria: levaria o baú ao banco e mandaria trancafiá-lo para um futuro bem próximo. Naquela noite, depois do jantar, sondou o pai, quem sabe os homens da família fossem mais bem-informados. Tirou apenas um suspiro nada encorajador. E mais um sonho naquela madrugada.

No dia seguinte, estava decidido, depois do almoço, pegaria o Sansão e cavariam como no sonho, perto da laranjeira. Sabe-se lá como levantaria aquela pá antiga do avô, mas o faria de qualquer jeito.

Não titubeou, engoliu o bife e sumiu da cozinha. Pegou o cachorro e se enfiaram no quintal. Certificou-se de que a avó partiria para o crochê e calculou o tempo que os pais levariam para voltar. Com muita sorte, conseguiria achar o baú, escondê-lo e tapar o buraco. Como no sonho, chegou perto da árvore. Fechou os olhos e deixou a natureza agir.

Sansão não parava de latir e cavar, como no sonho, exatamente como no sonho. Foi o estopim para, do inexplicável, começar a cavar firme e tirar as camadas de terra. Tirava mais do que camadas dela, tirava força do sobrenatural.

Os dois não paravam. Sansão latia como um aviso. Suor, força, dores, mãos calejando, mãos latejando, braços doloridos, mãos sangrando até que a pá bateu em algo seco. Sim! Sim! Só podia ser. Exatamente como no sonho.

Era isso, era isso, sabia que podia confiar na sua intuição. Sansão não parava de latir, e o garoto começou a cavar em volta e revelou a tampa de madeira. Isso. Decididamente era um baú. O mesmo baú de sonhos passados. E, como em todos eles, lá estava o tesouro. Sim! O mesmo tesouro.

Mesmo sem forças, conseguiu puxar pela alça aquele presente. Arrastou-o para fora. Sabia o que tinha de fazer. Com o fim de suas forças, tacou a pá no cadeado que selava o baú. Três ou quatros pancadas e o cadeado cedeu. O baú estava aberto.

E, como no sonho, o tesouro se revelou. Sim! Era o mesmo tesouro! Ela sabia! Ele sabia! Queria gritar, queria pular, mas o tempo urgia. os pais logo voltariam, e o buraco precisava ser fechado. Não sabia se conseguiria. Mas, se no sonho, tudo era possível e agora se revelava, ele era capaz.

Começou a tampar o buraco, quando o sansão pulou em cima dele e começou a lambê-lo, aquela não era hora para cumprimentos. realmente, não era, mas o ônibus do colégio partiria sem ele se não se levantasse imediatamente...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

UMA TARDE COM O PASSADO...

Depois de vinte anos na metrópole, parte da família o convidou para rever algumas fotos, modernamente colocadas em Flash, numa espécie de saudosismo forçado. Afinal, era o único dos Barbosa que não casou ou perpetuou a espécie. 42 anos, um apartamento muito bem decorado, um saldo no banco confortável e duas viagens ao exterior por ano.
 
Chegou no bairro  a 9km do centro e foi recebido pelas tias e cercado pelos primos, que bebiam cerveja no copo americano e cheiravam a tremoço. Abraçou um por um, tinha um imenso carinho por eles. beijou os sobrinhos, que mal via, sentiu-se normal, nem em casa nem um estranho, normal.
 
Depois da feijoada gorda e suculenta da tia, regada a muito pagode, sentaram todos para a sessão lembrança, cerca de 200 fotos dos anos 70, 80. Uma espécie de retrospectiva. Fotos de todos os primos pequenos, em situações hilárias. Os pais, os tios, tias, avós etc.
 
Tudo ia muito bem e coberto de risadas, quando chegou a vez dele. Uma sequência espetacular de momentos únicos, emocionantes, que não voltam mais. Como quando estourou o Kichute na guia e quebrou o dedo. Ou quando viajaram para a Praia Grande e ele, enjoado, vomitou no carro, a foto dentro da Brasília ficou mais tempo exposta.
 
Ou ainda quando o churrasco na praia foi quebrado pela chuva e ele se abrigou debaixo de uma geladeira de isopor. Houve a época da adolescência, quando foram postos pra fora do cinema, onde entraram sem pagar. A foto foi da tia, que foi buscá-los no shopping.
 
E como não rir, quando o carro do tio quebrou a caminho do sítio e todos desceram pra empurrar e a lama tomou conta de todos, pior a ele, que caiu no esforço e ficou enlameado dos pés à cabeça. Essa também ficou por minutos na tela. Mas a campeã foi no casamento do primo mais velho, a recepção na casa da tia, nas mesas de ferro vermelho, com cajuzinhos e fios de ovos. O terno branco dele com a gravata crochê dos fins dos anos 80.
 
Uma tarde deliciosa, única. Despediu-se com a promessa de voltar mais vezes e dedicar mais tempo à família, que tanto fez parte de sua vida 30 anos atrás. Chegou em casa, tomou um banho, pôs AC/DC pra rolar . Acendeu a luz do abajur, debruçou na janela, de onde via a Paulista iluminada e quente.
 
Pegou o celular e um a um, primo por primo, tia por tia, foi apagando tais contatos, apagando seu passado, esquecendo que um dia fez parte daquilo tudo. E cantou em alto e bom som "For those about to rock, we salute you", enquanto mordia um suculento sanduíche de mortadela.
 
 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

MÚSICAS PARA BRIGITTE

Aulas, aulas e aulas deixam os textos esperando, mas, nas brincadeiras com a Brigitte, em volta às músicas e danças com a pug, as canções aparecem de modo natural. A que está mais em voga é essa, ainda que não se encaixe à vida de um cão! - rs - Chico Buarque é irritante!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A NOBRE ARTE DE OUVIR, A NOBRE ARTE DE CRER E A NOBRE ARTE DE CONTAR

Numa tarde, numa delegacia...

- Quero fazer uma queixa sobre alienígenas que manipulam meu pênis!

- Como?

- Sim, eles manipulam meu pênis, telepaticamente. Meu pênis só "atira" quando eles querem!

- Quando você diz isso, você quer dizer...

- Isso mesmo, não importa o lugar, já passei por cada situação... Filas de banco, missas. Não importa, seja onde estiver, eles comandam as estilingadas.

- E o senhor gostaria que nós...

- Prendessem os alienígenas que manipulam meu pênis. Estou cansado disso, quero ter o domínio sobre ele. E eles têm isso.

- Ao menos o senhor sabe qual o planeta?

- Claro que não, os policiais sabem tudo, vocês devem resolver isso!

O boletim foi feito. Dias depois, num outro dia, numa mesma delegacia...

- Gostaria de fazer uma queixa. Todas as noites eu sou estuprado... Resolvi dar um basta!

- O senhor consegue se lembrar do rosto e...

- Não! Eu não sei quem é, sei que acordo exausto e com dor lá!

- Lá, o senhor quer dizer no...

- Isso mesmo! Sei que tenho 30 pregas, e ontem foi o suficiente, eram apenas 12!

- O senhor está dizendo que sabe quantas pregas tinha e quantas ficou? O senhor está dizendo que sabe contar pregas?

- Sim, o senhor não?!

- Acho que não... Nem saberia como.

Os dois casos ainda não foram resolvidos, mas tudo leva a crer que quem estuprava o rapaz eram os alienígenas donos do pênis alheio. Não há retratos falados. O difícil não foi contar esse casos reais, creio que o talento de contar pregas é ainda mais enigmático.

domingo, 11 de agosto de 2013

FELIZ DIA DOS PAIS

Fora o pai quem o ensinara a dar o primeiro nó no sapato. E todas as coisas da vida.  Em troca, o menino presenteou-o com uma gravata trazida da escola, feia que só, amarela, mas que o coroa a usava sempre aos domingos, durante a missa. E agora era o filho quem tomava conta do restaurante, sucesso do bairro, pensavam em até ampliar para mais um espaço.
 
Era pequeno quando via o cara sair ainda noite e escolher as melhores frutas e verduras. Passava no açougue, sabia o ponto certo das carnes e conhecia meio mundo da zona cerealista da cidade.
 
Queria tanto emendar os passos do velho que começou como o próprio: garçom. Tinha de aprender a respeitar o cliente e entender o que ele queria. Sabia os gostos de todos, chamavam-nos pelo nome e com sorriso: o diferencial da casa.
 
Não teve mais tempo desde que o pai adoeceu e o moleque assumiu o local há seis meses. Já havia 8 anos de casa, sabia tudo, conhecia tudo, não poderia estar em melhores mãos. Seguiu fielmente cada sombra deixada pelo pai nos últimos tempos e deu o toque da modernidade.
 
O quadro piorara, o velho já não mais respirava sozinho, os aparelhos levavam mais do que vida a ele, ainda davam ao homem forças para saber dos dias e principalmente dos negócios. As poucas palavras que conseguia juntar traziam carnes, clientes e satisfação.
 
O quarto do sobrado já não mais servia para o básico, e agora estava num quarto de hospital. Em duas semanas, o estado se agravara, e a UTI passou a limitar palavras, olhos e ações. Ele já não tinha tantas forças assim.
 
Naquele dia, durante as visitas, o médico pediu para que os parentes mais próximos estivessem por ali, porque talvez nada mais poderia ser feito. A mãe ligou para o empresário, que não atendeu ao chamado, pois recebia as encomendas nos fundos do restaurante.
 
Ela tentou mais duas vezes, na segunda, enquanto ele atendia, viu que um mendigo revirava as sobras do lixo. Pediu um instante à mãe e mandou que servissem um prato ao homem. O que aconteceu em seguida foi quase uma hecatombe. Viram o homem largar o telefone e correr para o carro.
 
O pai morrera e ele o tinha visto somente há dois dias.
 
Chorou de remorso e saudade por todos caminho. Chorou por tudo, mas principalmente por não ter estado naquele momento, porque fazia o que melhor aprendeu com o pai.
 
Sete dias depois, ajudou a mãe a doar todas as roupas do pai para uma instituição beneficente. talvez tenha sido uma forma de repassar a serventia que o velho sabia como ninguém. Respirou fundo, beijou a mãe e seguiu para o trabalho.
 
Dias depois, recebia os fornecedores nos fundos, bem como os pêsames. Quando uma funcionária o chamou. Era um senhor que gostaria de lhe falar. Ele pediu para que esperasse, e o homem assim o fez. Por quase vinte minutos, não quis água, sentar, apenas esperou.
 
Quando o rapaz entrou, o ansioso senhor sorriu um sorriso largo, abriu os braços e foi ao encontro do dono, que, estático, apenas aceitou a ação. O sorridente apertou bem forte e disse-lhe ao ouvido:
 
- Obrigado pela comida, estava ótima!
 
Óbvio que ele não se lembrou do mendigo, porém ele nem tentou saber o que aquela gravata amarela horrível fazia no pescoço daquele senhor. Talvez tenha sido coincidência. Ou talvez o pai tinha vindo dar o adeus que o filho tanto desejou.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

MÚSICA PRA DORMIR

Se sonhos duram poucos segundos, todos os poucos segundos dessa noite trouxeram essa trilha sonora das irmãs Wilson, do HEART. Seja lá o que isso possa significar, seja lá de onde eu tenha vindo, seja lá onde um dia eu vivi!


terça-feira, 6 de agosto de 2013

QUE FAREI COM 5 REAIS?

Quando pegou o casaco e meteu a mão no bolso achando uma nota de cinco reais, poderia lá ter ficado feliz, preferiria que tivesse sido uma nota de cem, mas diria a sua avó que reclamar das oferendas da vida seria sinal de ingratidão, ainda que a nota fosse dele, decidiu então ficar indiferente.

Saiu para rua como de costume. Tomou seu café com pão na chapa como de costume. Não se lembrou dos cinco e lamentou, o lanche poderia ter saído de graça. Seguiu para o trabalho, pensou em pagar a condução com a nota, porém lembrou-se de que a viagem já tinha sido paga quando carregou o bilhete único.

Não lamentou tanto, até o fim do dia, faria bom uso daquela nota.

Não escondeu que poderia forçar um lanchinho rápido antes do almoço, uma barrinha de cereal ou até um chocolate, alguma gula que pudesse apenas para fazer valer aqueles cinco reais. Quando percebeu, já tinha aceitado as bolachas de água e sal que a colega de seção trouxera com o café a duas horas para 13h.

Pensou em usá-la no almoço, mas serviria de complemento aos quase 22 reais diários que deixava nos restaurantes da região. Assim não seria válido, mesmo que completasse a refeição, tinha de ser algo supérfluo.

Pensou num sorvete mais bem-elaborado de sobremesa, mas o restaurante já incluía fartas fatias de pudim de leite, preferiu o óbvio.

O dia passando, e aquela nota de 5 o incomodava. Talvez o lanchinho da tarde. Sim, um chocolate quente e um pedaço de bolo com a tia Maria da esquina, sobraria ainda um real. Porém o aniversariante do dia levou pedaços de bolo gelado, que, com guaraná, deixaria qualquer nota pra depois.

Esticou o caminho de volta com os amigos, que lhe pagaram a cerveja e a porção de calabresa. Foi só quando desceu do ônibus é que se lembrou dos cinco reais. Lamentou, mas passou em frente ao bar da esquina de casa e viu aquelas coxinhas lindas, gordurosas, imensas e irresistíveis.

Sorriu quando viu o preço e entendeu que era o destino final. Sem fome mesmo. Ora, aquilo não era pra refeição, aquilo era pra gula mesmo. Feliz em usar a nota, devorou o salgado em segundos.

Eram 3h da manhã, quando começou a vomitar e teve a certeza de que aquele bolo gelado da tarde não valeria nem 5 reais no boteco da esquina.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

UM TOQUE NA LEMBRANÇA!

Sempre considerei minha memória minha melhor qualidade. Já me gabei e já me gabaram por ser uma enciclopédia de fatos, porém – e isso prefiro não atribuir à idade – alguns acontecimentos me fogem da lembrança, mas não de maneira definitiva.

Dias desses, estava numa conversa falando das pessoas que nascem cegas e daquelas que perdem a visão ao longo dos anos. Não consigo imaginar o terror disso, entretanto tal paúra me fez lembrar de uma história que ocorreu comigo há uns 7 anos.

Durante uma aula de gramática, em plena tarde de um sábado quente, havia uma aluna dedicada, sentada na primeira fileira. Ela era deficiente visual e anotava em braile cada regra e dica para concursos.

Mais uma vez a memória falha, não consigo me lembrar do nome dela, entretanto não me esqueço do sorriso e de todas as perguntas e respostas que essa mulher me fazia durante as aulas. Ela era a melhor da turma.

Sempre na aula seguinte, quando perguntava aos alunos em que parte havia parado, ela respondia imediatamente, como um ponto eletrônico.

Estudava para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na categoria especial – mas sempre dizia a ela que, se disputasse entre os sãos, seria uma concorrente imbatível.

O que posso dizer é que ela terminou o curso comigo e nunca mais tive notícias dela.

Cerca de uns 10 meses depois, disso me lembro, e já explico o porquê, entro num vagão do metrô de São Paulo e me ponho a ler, encostado à porta do trem. Talvez estivesse nem na metade da página que abrira e:

- Oi, professor Adriano. – entre um sorriso e uma voz doce.

Instintivamente, olhei para frente, mas nada vi, olhei à esquerda e nada, no entanto, ao olhar à direita, estava aquela aluna brilhante, sorrindo e, antes que eu perguntasse, ela devolveu, sorrindo:

- Seu perfume continua o mesmo!

Mais uma vez ela me fazia sorrir e me fez sorrir de novo ao relatar que tinha passado no concurso e que gostaria de me agradecer por tudo que eu havia ensinado a ela.

Cazzo, eu havia ensinado algo a essa mulher? Eu? Ela nunca me deixou tão pequeno na minha visão míope e tão feliz. Até deixei a surpresa por ter me descoberto entre os vários dali.

Conversamos por umas três ou quatro estações e tive de sair. Despedi-me dela e antes de a porta abrir, ela me disse:

- Daqui dez meses, a gente se encontra de novo...

Saí calado, porque o silêncio era a melhor forma de reverenciá-la. Nunca mais me esquecerei daquele sorriso, mas ainda tento me lembrar do nome dela