quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

CLAP, CLAP, CLAP

O mundo do conforto sempre seduziu os homens e não posso falar que me excluo do grupo. E não falo de tecidos felpudos, ambiente aromatizado e saldo bancário farto. Falo do previsível, da deliciosa rotina de saber tudo o que as horas vão trazer. O comodismo como arma, o anonimato como garantia, a não-novidade como sombra.

Minhas análises e medidas não acontecem no dia 31 de dezembro, acontecem dois meses depois. É no meu aniversário que reavalio meu ano. E hoje, prestes a mais um, percebo que as zonas de conforto sempre foram um atrativo a ser transposto.

Engraçado pensar que negar o certo e fugir de todos os clichês, contrariando meu pai, conformista assumido, pode e todas as vezes foi o melhor a ser feito. E estou me remetendo a todas as vezes que senti que negar o óbvio e a segurança – com a iminência do sucesso – foi o melhor a ser feito.

Em 1985 – tudo bem que aos 12 anos andar de bicicleta pelo bairro ou por ruas que você nunca tenha entrado é um desafio e tanto – quem me conhecia sabia dos meus dons com a música e com o violão. Era o garoto afinadinho. Daí me apareceu o coral da escola e o primeiro desafio de sair do comodismo.

Medo. “E seu eu perceber que sou apenas uma promessa, um rei entre o nada?”. Fui assim mesmo. Soube que havia feito a escolha certa quando o maestro, num ensaio, me chamou à frente e me fez fazer um solo, mostrando um exemplo de dedicação a ser seguido. Fui aplaudido pela primeira sem ser meu aniversário.

Anos mais tarde, quando ingressei na faculdade, vi-me diante de um estágio dos sonhos: criar materiais didáticos com histórias infantis por uma franquia japonesa de educação. Havia largado dois empregos, porque não se encaixavam no que queria em minha vida. Lembro-me de que, no primeiro dia, estava com medo. Confesso que pensei em achar um motivo para desistir. Mas não.

Quando percebi, havia dado a eles e – principalmente – a mim 3 livros didáticos espalhados pelo Brasil todo. Soube que havia feito a escolha certa quando no lançamento destes materiais, por uma plateia de 300 professores fui aplaudido em pé. Foi a segunda vez que era aplaudido sem ser meu aniversário.

Poucos anos depois, já com alguma experiência em lecionar, apareceu a oportunidade de entrar no mundo dos concursos públicos. Daria aulas a pessoas formadas, um público adulto exigente. Lembro que no primeiro dia que entrei numa sala de quase 100 alunos minha vontade era a de sumir. Quando entrei ao ramo, era o terceiro professor, pegava apenas o resto do resto das aulas.

Soube que havia feito a escolha certa quando, anos depois, ao entrar numa sala apenas para saber como havia sido o desempenho deles numa prova, fui aplaudido e ovacionado. Foi a terceira vez que fui aplaudido sem ser meu aniversário.

E hoje, um outro desafio aparece a mim. Mais ousado, mais amplo e tremendamente assustador: aulas online. Sempre sinto um arrepio na espinha a cada nova turma que começo. E esta é a maior que se pode ter: a nação toda. Não sei como será o resultado. Saberei isso melhor daqui a um ano.

Mas antes mesmo de saber se haverá aplausos, antes mesmo de pensar se serei merecedor deles, eu os tomo para mim antecipadamente, porque meus 41 anos chegam amanhã, afinal a zona de conforto agora me cai ideal.

 

 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

SEGURADORA TOC

Carro para perto da padaria. Mãe e a filha,  menina esperta de 8 anos, saem dele. A mãe dá a volta e vai checar se a porta está fechada:

- Eu fechei, mãe.

- Apenas checando.

Semanas depois, o carro para em frente à casa da amiguinha da escola. Mãe e filha saem. A mãe dá a volta pra checar se a porta está fechada.

- Eu fechei, mãe.

- Apenas checando.

Dias depois, o carro para em frente ao açougue. Mãe e filha saem. A mãe dá a volta pra checar se a porta está fechada.

- Eu sempre fecho, mãe.

- Apenas checando.

No mês seguinte, o carro para perto da igreja. Mãe e filha saem. A mãe dá a volta pra checar se a porta está fechada.

- Que saco, mãe, eu sei que tem que fechar a porta.

- Apenas checando.

Semanas depois, o carro para perto da escola. Mãe e filha saem. A mãe dá a volta pra checar se a porta está fechada.

- Você vive me falando para ser responsável. Eu sempre fecho a porta, quer vir checar?

- Sempre bem, né, filha?

Dias depois, o carro para em frente à vídeo-locadora. Mãe e filha saem. A mãe dá a volta pra checar se a porta está fechada. A menina fica quieta, de bico. A mãe confere que a porta está fechada e, sem graça, dá um sorrisinho.

Semanas depois, o carro para em frente à casa dos avós. Mãe e filha saem. A mãe dessa vez não dá a volta pra checar se a porta está fechada. Olha pra filha orgulhosa, que nem devolve o gracejo.

Quando saem, o carro não está mais lá. Há dias a menina parou de fechar a porta do carro, há dias a mãe não conferia mais e há horas foram os bandidos que disseram: “Apenas checando”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

AMIGAS...

Aqui se podem colocar aquelas trilhas sonoras ao estilo sábado à tarde dos anos 80, amiguinhas desde o jardim de infância. Caras e caretas, giz de cera na parede, rostos com guaches, a primeira dança de balé, a ida ao zoológico, dividindo algodões doces e Milk-shakes, as duas de noivinhas caipiras, praia em janeiro, ovos de páscoa em abril, fogueira no acampamento de julho, as Barbies em outubro e uma em cada perna no Papai Noel em dezembro.

E já que o assunto poderia ser filmes, vejamos aqui um Gremlin alimentado depois da meia-noite ou aquele bichinho inofensivo do Jurassic Park 1, que de repente se transforma num monstro, abrindo as ventosas. Sim, toda amizade entre as mulheres tem data de validade: o dia em que uma ou outra pode se tornar rival, ainda que na mente delas, pelo mesmo homem.  

Fato: amizade sincera entre mulheres só existe quando não há um homem em comum no caminho. O que vai se seguir aqui não é algo inédito, mas uma reprise dentre muitos e muitos casos falidos de amor eterno e amizades inabaláveis. Cara, se você não vivenciou o assunto em questão, conhece quem protagonizou ou será protagonista em breve. 

As fotos do parágrafo acima existem, passou pelas mãos do rapaz. Uma aqui em São Paulo, a outra em Belo Horizonte. Amizade sólida de 20 anos, horas no telefone, porque o MSN não existia ainda. Falavam-se todos os dias ou pelo menos 4 vezes por semana. E se viam sempre que possível. Se uma espirrava, a outra assoava. Namorado novo, notícia fresca. E naquela Páscoa o príncipe encantado paulistano conheceria a alma gêmea feminina.

Em certos momentos, havia até uma ponta de ciúmes dele para com a amiga, mas a amizade delas era mais antiga que o namoro e se o relacionamento tinha de dar certo, ele deveria aceitar, pois cada um tinha uma parcela dentro do coração da garota (era isso o que eu escutei) – havia espaço para todos, cada qual com o pedaço que lhe cabia.

Fernão Dias com tráfego, aniversário de 4 meses de namoro, Celine Dion – ainda que a contragosto dele – no rádio. Quarto reservado no apartamento da amiga, lençóis novos. Bacalhoada na casa da tia na sexta. Churrasco no sábado e almoço com toda a família no domingo. O namorado perfeito, sim, foi o único que teria a honra de conhecer a amiga.

Claro, de surpresas também se vive, a mineira não tinha falado do regime, dos 7 quilos a menos nem dos cabelos curtos e loiros. Depois de 6 horas de viagem, chegaram e quase ensurdeceu aos berros das duas e aos elogios da namorada ao lindo visual da menina, amante de leitura, cinema e de rock’n’roll. Os cunhados foram apresentados e a empatia foi imediata. E aquela quinta-feira à noite foi regada a vinho, a um bar de classic rock. E a namorada estava radiante ao ver os dois cantando. Perfeito, tudo (risos).

Na manhã seguinte, a namorada, sempre dorminhoca, ficou na cama, e ele estava lá, todo solícito, ajudando a fazer o café, quase brunch. Ela acordou com as risadas dos dois, ela fazendo de guitarra uma colher de pau e ele emendando Judas Priest com o garfo da batedeira. Parece que ela sorriu e ficou com a pulga atrás da orelha quando escutou:

- Amiga, eu preciso arranjar um desses para mim!

Claro, um elogio e tanto. O café transcorreu num diálogo a dois. Tudo bem que ela mal curtia literatura e o último livro que lera for ao resumo de DOM CASMURRO. Tudo bem que ela só gostava de desenhos e achava chato discutir roteiros de cinema. Tudo bem que ela pensasse que HARLEY DAVIDSON era uma banda. Mas aquelas conversas já a estavam cansando. E o bacalhau na casa da tia foi um sucesso, o rapaz era a atração da tarde

Num cômodo qualquer, a namorada disse que ele não precisava ser tão simpático e que devia ficar mais ao lado dela. Vale lembrar que foi a mesma pessoa que disse ao rapaz não ficar a todo instante pedindo atenção, porque ele tinha de se misturar com a família da amiga, até hoje a segunda família dela. Em vão, ele já estava entregue aos braços de todos. Como a namorada queria. Pelo menos ela pensou que quisesse isso. E além de tudo, apareceu um violão, pronto.

Festa completa. Até se esqueceram do resguardo do dia santo, e a namorada estava ao lado dele. Nada sabia de rock nem inglês, não podia pedir, coisa que primos, primas e a amiga fizeram à exaustão. E o humor mudou por completo quando o namorado dedicou uma música à amiga. Não adiantou falar que HOTEL CALIFORNIA não era um local onde se passa lua de mel.

Era apenas a música que a introduziu na música, coisa que deixou a mulher louca, porque ela sabia tudo da amiga e aquilo era novidade. Mas como poderia saber isso se ela, a namorada, nada entendia de rock? Era como falar a um holandês que Adoniran Barbosa mudou sua vida.

E quando nada pode ser pior, piora. Chegaram ao apartamento da amiga e antes de começarem a ver um filme, ela pegou as fotos antigas das duas. No início as duas estavam se divertindo, até que ele fizera o comentário:

- Nossa, você fez um belo UPGRADE.

Disso ela sabia, não era uma banda de rock.  Do nada, levantou-se dizendo estar com dor de cabeça, e isso, o rapaz e a amiga sabiam ser um blefe. Descontrolada, porém controlada – as mulheres educadas conseguem isso – ela se recolheu e deixou os dois na sala, tinha certeza de que ele viria atrás e terminariam a sexta santa bem, mesmo não se podendo comer carne. Entretanto não foi isso o que aconteceu.
 

Eles se entretiveram na sala, principalmente ao ver as fotos dela no primeiro Rock In Rio, em 85, e se divertiram mais ainda quando a amiga contou que a namorada não fora porque os Menudos não estariam lá. A primeira discussão entre eles. Clima insustentável. Não havia mais razão para ficar. A amiga engoliu a desculpa da morte do tio-avô dele. Em vez da picanha daquele dia, tinham a Fernão Dias pela frente. Ele tentando desfazer o equívoco que não provocou e ela de bico.
 
A amiga mineira nunca mais tivera notícias da amiga paulistana, e a paulistana jamais soubera quais seriam as novidades da Minas Gerais. Nunca mais se falaram. Ela a perdera, ela o perdera e ela o perdera também. E no mural de uma parede de um quarto em Belo Horizonte, uma foto de três amigos estava cortada. Nela, a paulistana não aparecia, o casal era outro, as extremidades foram coladas por baixo de um coração.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O BLEFE

Achou um desaforo o marido chegar tarde da noite em plena quarta-feira. Tudo bem que os encontros com os amigos sempre ocorreram, mas o daquela noite, além de não ser o dia certo, extrapolou qualquer paciência.

Não o deixou dormir no quarto, mesmo que não houvesse álcool, ainda assim preferiu que a raiva dele fosse sanada longe, com um banho frio pela manhã e sem despedidas.

Não conseguiu se concentrar no trabalho. A reunião passava por seus ouvidos como um barco à deriva, sentiu que seu humor estava afogado e que não pudesse sobreviver. Também sabia que a TPM ajudava nessa tempestade, percebida por todos.

A amiga da seção não se aguentou e disse no almoço:

- Foi o Roberto, né? O que ele fez? - ela escutou tudo e sugeriu.

- Dê um susto nele! Faça as malas dele, diga que você descobriu com quem ele passou a noite! Que essa história de amigos era mentira! Diga que você não o quer mais lá!

- Mas isso não é um pouco de exagero?

- Claro que não! Você vai ver como ela vai ficar como uma seda! Sempre que o meu apronta, eu devolvo na mesma moeda e vem sendo assim há tempos! E não precisar colocar roupas, encha de coisas pesadas...

- É mesmo! Um pouco de susto não faz mal a ninguém!

E foi o que ela fez. Até saiu mais cedo do trabalho. Pegou duas malas e colocou uma dentro da outra. Esperou pacientemente que ele chegasse. E assim que a porta se abriu, ela disparou:

- Você acha que me engana com essa história de amigos?! Eu sei bem com quem você estava! Nunca você chega tarde dessa reunião! Aja com dignidade, pegue essa mala e suma da minha vida! Agora!

Sentiu orgulho de si mesma. Ele chegou perto dela, sabia que estava pronto pra começar o pedido de desculpas. Ficou quieto, nada disse, deu meia-volta, pegou a mala e saiu. Já se passaram três horas, ele não atende ao telefone e ela realmente encontrou um motivo para se preocupar.