quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

AMIGAS...

Aqui se podem colocar aquelas trilhas sonoras ao estilo sábado à tarde dos anos 80, amiguinhas desde o jardim de infância. Caras e caretas, giz de cera na parede, rostos com guaches, a primeira dança de balé, a ida ao zoológico, dividindo algodões doces e Milk-shakes, as duas de noivinhas caipiras, praia em janeiro, ovos de páscoa em abril, fogueira no acampamento de julho, as Barbies em outubro e uma em cada perna no Papai Noel em dezembro.

E já que o assunto poderia ser filmes, vejamos aqui um Gremlin alimentado depois da meia-noite ou aquele bichinho inofensivo do Jurassic Park 1, que de repente se transforma num monstro, abrindo as ventosas. Sim, toda amizade entre as mulheres tem data de validade: o dia em que uma ou outra pode se tornar rival, ainda que na mente delas, pelo mesmo homem.  

Fato: amizade sincera entre mulheres só existe quando não há um homem em comum no caminho. O que vai se seguir aqui não é algo inédito, mas uma reprise dentre muitos e muitos casos falidos de amor eterno e amizades inabaláveis. Cara, se você não vivenciou o assunto em questão, conhece quem protagonizou ou será protagonista em breve. 

As fotos do parágrafo acima existem, passou pelas mãos do rapaz. Uma aqui em São Paulo, a outra em Belo Horizonte. Amizade sólida de 20 anos, horas no telefone, porque o MSN não existia ainda. Falavam-se todos os dias ou pelo menos 4 vezes por semana. E se viam sempre que possível. Se uma espirrava, a outra assoava. Namorado novo, notícia fresca. E naquela Páscoa o príncipe encantado paulistano conheceria a alma gêmea feminina.

Em certos momentos, havia até uma ponta de ciúmes dele para com a amiga, mas a amizade delas era mais antiga que o namoro e se o relacionamento tinha de dar certo, ele deveria aceitar, pois cada um tinha uma parcela dentro do coração da garota (era isso o que eu escutei) – havia espaço para todos, cada qual com o pedaço que lhe cabia.

Fernão Dias com tráfego, aniversário de 4 meses de namoro, Celine Dion – ainda que a contragosto dele – no rádio. Quarto reservado no apartamento da amiga, lençóis novos. Bacalhoada na casa da tia na sexta. Churrasco no sábado e almoço com toda a família no domingo. O namorado perfeito, sim, foi o único que teria a honra de conhecer a amiga.

Claro, de surpresas também se vive, a mineira não tinha falado do regime, dos 7 quilos a menos nem dos cabelos curtos e loiros. Depois de 6 horas de viagem, chegaram e quase ensurdeceu aos berros das duas e aos elogios da namorada ao lindo visual da menina, amante de leitura, cinema e de rock’n’roll. Os cunhados foram apresentados e a empatia foi imediata. E aquela quinta-feira à noite foi regada a vinho, a um bar de classic rock. E a namorada estava radiante ao ver os dois cantando. Perfeito, tudo (risos).

Na manhã seguinte, a namorada, sempre dorminhoca, ficou na cama, e ele estava lá, todo solícito, ajudando a fazer o café, quase brunch. Ela acordou com as risadas dos dois, ela fazendo de guitarra uma colher de pau e ele emendando Judas Priest com o garfo da batedeira. Parece que ela sorriu e ficou com a pulga atrás da orelha quando escutou:

- Amiga, eu preciso arranjar um desses para mim!

Claro, um elogio e tanto. O café transcorreu num diálogo a dois. Tudo bem que ela mal curtia literatura e o último livro que lera for ao resumo de DOM CASMURRO. Tudo bem que ela só gostava de desenhos e achava chato discutir roteiros de cinema. Tudo bem que ela pensasse que HARLEY DAVIDSON era uma banda. Mas aquelas conversas já a estavam cansando. E o bacalhau na casa da tia foi um sucesso, o rapaz era a atração da tarde

Num cômodo qualquer, a namorada disse que ele não precisava ser tão simpático e que devia ficar mais ao lado dela. Vale lembrar que foi a mesma pessoa que disse ao rapaz não ficar a todo instante pedindo atenção, porque ele tinha de se misturar com a família da amiga, até hoje a segunda família dela. Em vão, ele já estava entregue aos braços de todos. Como a namorada queria. Pelo menos ela pensou que quisesse isso. E além de tudo, apareceu um violão, pronto.

Festa completa. Até se esqueceram do resguardo do dia santo, e a namorada estava ao lado dele. Nada sabia de rock nem inglês, não podia pedir, coisa que primos, primas e a amiga fizeram à exaustão. E o humor mudou por completo quando o namorado dedicou uma música à amiga. Não adiantou falar que HOTEL CALIFORNIA não era um local onde se passa lua de mel.

Era apenas a música que a introduziu na música, coisa que deixou a mulher louca, porque ela sabia tudo da amiga e aquilo era novidade. Mas como poderia saber isso se ela, a namorada, nada entendia de rock? Era como falar a um holandês que Adoniran Barbosa mudou sua vida.

E quando nada pode ser pior, piora. Chegaram ao apartamento da amiga e antes de começarem a ver um filme, ela pegou as fotos antigas das duas. No início as duas estavam se divertindo, até que ele fizera o comentário:

- Nossa, você fez um belo UPGRADE.

Disso ela sabia, não era uma banda de rock.  Do nada, levantou-se dizendo estar com dor de cabeça, e isso, o rapaz e a amiga sabiam ser um blefe. Descontrolada, porém controlada – as mulheres educadas conseguem isso – ela se recolheu e deixou os dois na sala, tinha certeza de que ele viria atrás e terminariam a sexta santa bem, mesmo não se podendo comer carne. Entretanto não foi isso o que aconteceu.
 

Eles se entretiveram na sala, principalmente ao ver as fotos dela no primeiro Rock In Rio, em 85, e se divertiram mais ainda quando a amiga contou que a namorada não fora porque os Menudos não estariam lá. A primeira discussão entre eles. Clima insustentável. Não havia mais razão para ficar. A amiga engoliu a desculpa da morte do tio-avô dele. Em vez da picanha daquele dia, tinham a Fernão Dias pela frente. Ele tentando desfazer o equívoco que não provocou e ela de bico.
 
A amiga mineira nunca mais tivera notícias da amiga paulistana, e a paulistana jamais soubera quais seriam as novidades da Minas Gerais. Nunca mais se falaram. Ela a perdera, ela o perdera e ela o perdera também. E no mural de uma parede de um quarto em Belo Horizonte, uma foto de três amigos estava cortada. Nela, a paulistana não aparecia, o casal era outro, as extremidades foram coladas por baixo de um coração.

2 comentários:

  1. Muito legal! E sobre o fato de algumas mulheres não conseguirem manter amizades, aliás nem conseguem fazer com pessoas do mesmo sexo?

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