terça-feira, 30 de abril de 2013

FOR ME FORMIDABLE...

Sábado à noite, a reunião dos amigos acontecia como sempre, de modo frequente e despojado. Talvez tenha sido durante o segundo pedaço pizza, os 5 amigos que lá estavam, num momento de uns segundos em silêncio, entre um cortar e mastigar de pedaços, ouviram Charles Aznavour ao fundo.

For me formidable embalava o sábado, uma espécie de requinte e nostalgia, daqueles que qualquer pessoa de bom gosto sorri. E, de repente, um deles parou e disse:

- Ouçam isso! – todos pararam – Estão ouvindo? Eu quero ser cremado com essa música...

Silêncio, pensaram ser brincadeira, mas os olhos dele estavam num êxtase doce demais para ser algo lúdico. E não era.

- Ouviram? Quero ser cremado com essa música ao fundo? Anotaram isso?

- Mas você não acha que isso é meio cedo para tal?

- E quando será o melhor momento quando estiver numa cama, sem poder falar direito ou escrever meu desejo? Anotem, quero ser cremado com essa música.

- Ao menos você sabe o que diz a letra? Você não sabe francês...

- Sei pouco, quero fazer falta a todos, amigos e a todas as mulheres do mundo. Mas, independente de saber a letra ou não, sintam essa música, grandiosa. Quero ser cremado com ela. Peguem um pedaço de papel, vou escrever e quero que todos assinem!

Acharam um absurdo interromperem o jantar e o bate-papo despretensiosos para um assunto tão fúnebre e descabido. Mas o pedido dele foi tão enfático, que ninguém ousou abrir a boca. Nunca tinha visto a voz dele assim nem o tom dela.

E foi o que fizeram. Ele pegou a caneta, enquanto engolia aquele pedaço de pizza de calabresa, escreveu, leu em voz alta, perguntou se todos tinham escutado. Depois disso, passou o papel a todos, que assinaram. Logo depois, ele dobrou-o e deu ao amigo da direita, que assentiu com a cabeça e voltaram a papear com sorrisos e amenidades.

No fim da noite, cada um voltou para casa pensativo na atitude do amigo. Pensaram como seria a morte de cada um. Pensaram até se seriam cremados ou não. E, se sim, qual música embalaria a cremação.

Concordaram que ele tinha escolhido bem, FOR ME FORMIDABLE era maravilhosa, e foi a música que tocou duas semanas depois do jantar.

 

segunda-feira, 29 de abril de 2013

QUAL É O SEU TALENTO?

Estava a menina parada, no meio da rua, olhando para baixo, com a lancheira transpassada pelo corpo, imóvel. O pai achou estranho e chamou por ela, de não respondeu, continuou cabisbaixa, sem mover uma só parte de seu corpo.

Estavam atrasados para a escola.

Ele tentou novamente, mas a filha não respondeu. Preocupado, foi até, abaixou-se e perguntou qual era o problema. Nada. Ele olhou para baixo e viu um dos cadarços desamarrado. Sorriu.

- Quer aprender a dar um laço? Eu ensino você.

Ela sorriu como nunca e prestou atenção em cada gesto que ela fazia. Não precisou contar histórias, foi prático e rápido. O pai perguntou se podia desamarrar para que ela tentasse. Ela assentiu, e assim o fez.

Calma e compenetradamente, via-se a língua escapando-lhe da boca, ela repetiu passo a passo o que aprendera há minutos. Não saiu perfeito, mas o laço estava lá.

O dia dela estava mudado para sempre.

Entrou triunfante pela escola a saltitar como nunca. Queria berrar aos ventos que, aos 4 anos, sabia ela mesma dar um laço como ninguém, afinal a avó teria dito isso.

Durante a aula, a professora resolveu fazer uma interação e perguntar qual era o talento de todos lá, o que sabiam fazer de melhor.

Uma a uma, as crianças foram levantando e falando. De jogadores de futebol a dançarinas. De lutadores de judô a professoras de bonecas. De bombeiros e super-heróis a secretárias executivas, ouviu-se de tudo por lá.

Quando chegou a vez da menina, todos escutaram quietos o talento único dela. Não houve aplausos, não houve sorrisos. Houve apenas um silêncio meio constrangedor e misterioso.

Na hora do intervalo, um amiguinho chegou perto dela e pediu que o ensinasse a amarrar o tênis. Pronto. Outro viu e se entusiasmou. Pronto. Logo, uma fila de alunos se fez frente à menina que exibia, sorridente, o talento que herdara do pai há pouco.

Ela não era dançarina, secretária, bombeiro, jogador de futebol, super-herói ou professora, mas sabe de uma coisa? Nenhum desses profissionais conseguiria sair do lugar com o sapato desamarrado.

domingo, 28 de abril de 2013

SEGREDOS SINCEROS

Quando se chega aos 80 anos muitas coisas deixam de fazer parte da rotina. Apaixonar-se, por exemplo, deve ser o segundo tópico, porque o primeiro é fazer planos.

Ela com 70 e ele com 79, prestes a tentar emplacar mais uma década. Ambos com a vida feita, netos e uma história de viuvez há anos. Ele, empresário aposentado no ramo de roupas. Ela viúva de um bem-sucedido comerciante.

Tiveram a mesma ideia naquela tarde, caminhar pelo parque. Cada qual sozinho, com seus não-planos  e com a tarde linda de outono a trazer lembranças maravilhosas, e havia tantas que as voltas por ali seriam intermináveis.

Esbarraram-se. Não podia ser. Pensaram que se conheciam, mas não. Era amor mesmo. Ela sorriu, ele sorriu. A enfermeira dela, disfarçada de companheira até se afastou, porque aquele sorriso, independente da idade não deixava dúvidas.

Ele ofereceu um café, ela aceitou.

Sentaram por ali e não viram o vaivém frenético da cidade, muito menos a noite que chegava. Naquela mesma noite, o motorista dele parava em frente ao prédio do tradicional bairro paulistano. Ela desceu com a melhor echarpe e com o melhor olhar.

Ele saiu com um pouco de dificuldades, mas ainda muito hábil para a idade. Seguiram de mãos dadas o caminho inteiro até o restaurante. Ela quis água, ele uísque. Ela decidiu que ele escolhesse. Ele perguntou se havia alguma restrição, ela respondeu que a ausência dele. Ele corou e beijou as mãos dela.

Mal tocaram na salada com o peixe, ela tentou tomar uma taça do vinho, ele tomou um copo e meio. O piano ainda tocava, quando ele pediu a conta. Ela aceitou o convite de conhecer a casa dele a 5 km de lá.

Foi no primeiro farol que se beijaram. E o fogo da adolescência apareceu entre os dois. Eles sorriam felizes porque o amor dá vida, porque somente algo assim pode fazer doce um imprevisto, pode fazer doce uma ousadia, pode fazer doce a vida.

Ela se encantou com os livros e adorou o Matisse original na parede. Ele confessou que nada sabia de arte, mas que o quadro do quarto era o mais lindo. Ela o convidou para ir até lá e foram. De mãos dadas, ela não esperou para ver a obra, abraçou-o e o beijou como se beija aos 15 anos.

Ele retribuiu sorrindo e soube que o tempo não era mais um inimigo, era um convidado. Viram que perderam tanto tempo em tantos anos e perceberam que os planos realmente não deviam ser feitos, deveriam ser vividos.

Quando perceberam, estavam na cama, como há anos não se viam, um ao lado de outro e vice-versa. Não foi um furacão, houve certo incômodo, mas o amor transforma.
 
Há uma etapa em que os segredos devem ser necessários e ela disse "presente".

Eles estavam abraçados. Poderiam confessar várias coisas, mas preferiram o silêncio, ele realmente gostaria de falar que não tomou estímulo algum, que a natureza o deixou aceso. Mas deixou que ela levantasse e fosse ao banheiro.

Ela também queria falar o que devia, porém concordou com o não-plano, pegou a nécessaire, tirou o remédio, olhou-o bem e deveria falar, mas estragar para que aquele momento? Melhor realmente o silêncio, talvez o AZT não fosse algo muito comum em conversas de hoje em dia.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

SUNSCREEN

Costumo dizer que a coincidência é o destino que perdeu a agenda. Há anos, passava um vídeo - SUNSCREEN - às salas que terminavam um curso às vésperas de uma prova.

Ontem sonhei com esse vídeo e, ao abrir o Facebook, uma amiga o havia postado e foi a primeira coisa que vi pela manhã, ainda com as lembranças do sonho, recém-acordado.

Sabe-se lá por que isso acontece.

Como sempre, havia um texto programado para hoje, mas posterguei e permiti que essas interferências curiosas tomassem conta e regessem algo desconhecido. Se vai servir a alguém, eu não sei, porém é melhor passar o recado.

Acho que fica mais poético...


quinta-feira, 25 de abril de 2013

TEMPOS DE "MERDA"...

Na entressafra de emprego, qualquer coisa é válida para tentar uma guinada na sua vida. Lembro que em 1993 estava louco atrás de um. Devo confessar que este ano foi determinante a muitas coisas. Foi a primeira vez que vi o Palmeiras campeão, foi o ano que conheci OS ANOS INCRÍVEIS e foi o ano que o teatro invadiu minha vida e me fez amar ainda mais a arte.

Perto de um colapso, lembro que fazia inglês na época e dividia meu verbo to be com classificados dos jornais e a programação de TV na madrugada. Talvez tenha sido aquele programa na Record, havia um culto evangélico e o pastor berrou olhando para a câmera: “Você que está desempregado, pegue sua carteira agora e berre aos céus, Senhor, salve minha vida!”.

O desespero faz isso, corri para minha carteira, levantei-a, mas não poderia berrar, porque em minha casa na época eu era o único sem horário para levantar diariamente. O berro não saiu, mas a fé falou bem alto.

Dias depois, um vizinho músico me convidou para um teste numa peça infantil, seria parceiro dele tocando violão. Cazzo, genial, além de artista, o show bizz receberia o melhor contador de piadas da família. Lembro que numa noite, depois da aula de inglês, o Marcelo me levou até o teste.

Fui aceito e comecei a ensaiar as músicas. Ensaios e mais ensaios. E aquele cheiro da coxia foi impregnando em minhas veias. Estava dentro do cenário do teatro brasileiro. Ok, não tão dentro assim, ficávamos ao lado, acompanhando os atores com cantorias lindinhas da peça infantil e contracenando em todos os atos.

Dois meses depois, a peça O COLORIDO CAMINHO DO CORAÇÃO estrearia no teatro Flávio Império, zona leste de São Paulo, para convidados, parentes e afins. Tensão. Meus pais estavam lá, meus irmãos estavam lá, amigos estavam lá. Casa cheia.

A entrada dos músicos se dava do fundo do teatro, tocando os violões e cantando com os atores. Parávamos os dois em cada escada de acesso ao palco, apoiando os instrumentos nas pernas e embalando a multidão, que nos acompanhava com palmas.

Tentei evitar o figurino, mas nada demais. Ficávamos inteiro de preto, com um babado laranja no pescoço e um adorno vermelho em forma de triângulos de quatro pontas. E a maquiagem? Pó no rosto, lápis nos olhos e batom vermelho, fato que fez meu pai indagar, ao término da peça, entre os parabéns de todos: “Essa maquiagem é necessária?”.

O musical infantil era fantástico, cativante. Minha mãe e minha prima de 6 anos perderam as contas de quantas vezes assistiram ao espetáculo. Foram centenas de apresentações, em 3 teatros diferentes, durante dois anos. Dezenas de escolas públicas fechavam passeios para nos ver, por 60 minutos, eu me sentia um Molière.

Todas as apresentações foram mágicas. Pois as crianças nos faziam sentir superastros - até autógrafo cheguei a dar -  em cada aplauso, riso e xingamentos ao vilão. Vivi bons momentos no palco e trouxe todos eles comigo nas minhas aulas no cursinho.

Pois é, os tempos de “merda” foram marcantes. Confesso que muitas vezes, à noite, eu fecho os olhos e me lembro das palmas das crianças, numa cadência deliciosa, num coro ingênuo e sincero:

- Começa! Começa! Começa!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

MAMÃE, MAMÃE, MAMÃE...

Só existe uma coisa pior às mulheres do que liquidação perdida, roupas iguais, meia-calça furada e unha quebrada: CONCORRÊNCIA. Ele, filho caçula o último do clã, xodó da mãe. O maior companheiro, confidente, digamos que ele seria a filha que ela não teve. Entretanto, havia algo em seu caminho, a primeira namorada. Aos 23 anos, o caçula se amarrava sério. Isso significava menos tempo com ela, a vida se dividia entre o estágio, a faculdade e a namorada.

Os dois irmãos já haviam se casado, e o curso natural de tudo seguia. Mas não devia ser daquele jeito. Desde o dia em que se conheceram, gregos e troianos, franceses e ingleses, judeus e libaneses tinham de dividir a mesma vida. Não que a moça fosse um primor, mas qualquer uma que aparecesse naquele dia, com aquele avatar, seria reprovada de cara. Era como levar um vegetariano a um churrasco, ainda que a picanha fosse de primeira, a recusa era certa.

O coitado tinha de ficar como a Suíça entre Irã e Iraque, sentia-se as próprias Malvinas. Páscoa, Natal, aniversários, qualquer que fosse o evento, uma farpinha daqui, outra farpinha dali. Um olhar mal-interpretado, uma palavra ambígua e inúmeras situações péssimas. Não cabe aqui saber quem tinha razão, cabe nos deliciarmos com determinadas situações.

Em se falando de aniversários, quando, nos anos seguintes, eles caíam em dias de semana, a disputa era para ver quem o cumprimentaria na frente. E também, nem vamos levar em conta o dia da formatura, em que a nora armou o jantar surpresa na pizzaria, mas o pai teve de pagar tudo, sem a intervenção da mãe. Ou quando no aniversário da garota, esta ganhara uma saia três vezes o número dela, afinal, “ambas vestiam quase a mesma numeração” –essa foi ótima. E o coitado tinha de ouvir de ambos os lados.

Convenhamos, a menina nada fizera, apenas aparecera na vida do menino, provocação suficiente aos ataques daquela mama italiana. Sempre a senhora fora mais ofensiva do que a nora, que também tinha mãe, e que, a conselho desta, nada fazia contra a sogra. E como o destino e o ardil quiseram, todos os golpes foram contra-atacados com um gesto só: o casamento.

Sim, depois de quase 4 anos de namoro, eles se casariam. E digamos que não foi exagero da mama chorar por quase uma semana todas as noites, esperando o filho voltar das aulas que dava até 23h num cursinho. A rainha estava encurralada. Não havia mais nada a ser feito, a princesa tomara a dianteira e brilhantemente colocara um hiato profundo entre os dois. Nada mais deveria ser feito. Ela acatara. Resolveu levantar a bandeira branca da paz. As injúrias foram se apagando, a vida foi seguindo e até as duas estavam mais chegadas. Chás à tarde. Compras aos sábados. Ajuda na escolha de roupas e convites. A geladeira e o fogão como presentes. O rapaz estava radiante, a menina não cria que fosse verdade e a mama era só doces, mimos e sorrisos. Paz.

E o assunto surgiu num domingo à tarde, na semana do evento. Uma inovação, se a noiva entraria com o pai, porque o noivo não entrava sozinho com a mãe? Ora, um pedido ingênuo, e o sim não titubeou a aparecer. Ele seria conduzido pela mama até o altar, nada mais alegórico, nada mais original. As cunhadas adoraram, todos adoraram, os sorrisos eram fortes e sinceros. As rivais enfim se juntavam e ao som de We are the champions, orquestrada e com um coral fabuloso, a mãe e o caçula seriam o abre-alas da personagem principal da noite. 

Enquanto entravam, a mama disse que iria ao banheiro e que não demoraria. O caçula já tenso com tantas atribulações apenas pediu para que ela fosse rápido.

Mal os padrinhos acabavam de se ajeitar no altar, a mama aparecera. DE PRETO! Sim, trocara o vestido, vinha com um longo, negro, lindo, e completamente fora do tom. Era uma cereja numa feijoada. Esperou os primeiros acordes, nem deu chance ao filho de balbuciar algo e entraram. Sim, era o hino da melhor e mais astuta vencedora de todos os tempos.

Conseguiu por semanas conquistar a inimiga para, num golpe genial, marcante e eterno, deixar aquele vestido de pano de cozinha no chinelo. E havia um véu (risos), sim, um véu negro que cobria a tristeza daquela Corleone genial. Como num cortejo fúnebre, foi a primeira vez que uma missa réquiem e um matrimônio entravam de mãos dadas.

E o clichê antagônico dizia “presente”, vida e morte, começo e fim, gregos e troianos, ingleses e franceses, judeus e libaneses, sogra e nora dividam literalmente a vida do rapaz. Houve quem a odiasse, houve quem a aplaudisse, mas uma coisa é certa, todos ficaram embasbacados, boquiabertos, pasmos, catatônicos, e o resto da história virou lenda, e os desejos do sacerdote tornou-se real:

- ... Até que a morte os separe!

E ela esteve lá, de vestido e véus pretos e atendia por “mamãe”.        

 

terça-feira, 23 de abril de 2013

GABO E O CAFÉ...

10h30. Foi claro na mensagem, 10h45. Seriam os quinze minutos mais longos da história de sua vida. Trazia um livro do Gabriel García Marquez e um guarda-chuva preto. Se fosse coincidência a chuva, tudo bem, mas o destino é crucial, determinante. Chovia.

Pediu um espresso, mas não havia tocado ainda na xícara, estava atento cada vez que a porta do café se abria. Não conseguiria beber. 10h32. Tentou se lembrar de como ela era da última vez, tentou relembrar cada frase genial que leu na troca de mensagens, tentou se lembrar de como era o mundo sem ela.

10h33.

Deveria ser fácil, afinal 40 anos sem isso tudo já lhe serviria de experiência, porém teve a certeza de que não tinha vivido, tinha apenas passado por situações, desejos e sonhos. Ficou até hoje lambendo a vitrine, tinha agora o doce em suas mãos, praticamente, abocanhá-lo seria questão de minutos.

10h35.

Atreveu-se a colocar duas colheres de açúcar e tentou mexer a colher do modo mais demorado possível, como se a cada volta, os ponteiros do relógio se banhassem no tempo. Tentou beber. A porta se abriu. Uma mulher, ele não bebeu, não era ela.

10h38.

Arriscou ler o início de AMOR NOS TEMPOS DO... A porta se abre, ele levanta os olhos, parece que reconhece aqueles olhos. Deve ser, a foto era muito igual, mas a mão que a envolve pela cintura o deixa sem ação.

10h40.

Tensão aumenta, em apenas cinco minutos tudo pode mudar. Não quis que ela fosse pontual, ao menos pouco pontual. Um atraso de dois minutos apenas para tentar respirar mais fundo e olhar bem nos olhos dela e decidir se seriam os últimos olhos de sua vida.

10h41.

Não, não quis que ela atrasasse, estava pronto, sempre estivera, porque ninguém fica pronto para respirar, respirar é como amar, é inerente do ser humano, não havia mais tempo a se perder, desejou que fosse pontual, porque faltava pouco.

10h42.

Decidiu beber o café olhando a porta. Arrependeu-se quando não pediu que ela trouxesse algo, uma flor, algo assim, uma rosa colombiana vermelha, imensa como a esperança da paz que só o amor pode trazer.

10h43.

O café se foi, o biscoito também, não soube distinguir se era de baunilha ou laranja, o gosto do café e da ansiedade camuflam qualquer sensação de bem-estar. Só engolia esperança e angústia, era hora de o doce começar a predominar em sua vida.

10h44.

Não havia mais gosto algum, apenas a certeza de que seu coração congelara, porque sabia que a qualquer momento a porta poderia se abrir e todas as esperanças poderiam sumir por ela, entreaberta, ou voltarem desaparecerem por mera inutilidade.

10h45.

Parece que a porta se abriu. Parece que alguém passou por ela. Era ela? Sim. Era ela, que parou na metade do caminho, procurou pelo livro. Quando o achou, sorriu o único e primeiro sorriso que ele sonhou na vida, o único e primeiro sorriso que ele teve para si na vida, porque os temperos da vida sempre aparecem a todos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

QUEM DIRIA...

Cíntia Bertaccini estudou comigo e com meu gêmeo de 1979 a 1987. Num bate-papo despretensioso, entre histórias novas e velhas, eis que, dia desses, ela me relata uma, ainda na incerteza de saber se eu protagonizei ou meu irmão.

Antes de começar o relato, deixo claro aqui, sem orgulho ou demagogia, que nunca consegui colar numa prova. Preferiria o zero iminente ao risco da vergonha com o professor e da surra da minha mãe.

Não faltaram oportunidades para tal, nem no ensino fundamental, no médio e na faculdade. Fato é que jamais tentei algo ousado, porque minha cara e minhas ações seriam meus melhores delatores da infração.

E se eu, cuja dedicação com o estudo nunca foram lá louváveis, não teria coragem de colar, a fama do meu gêmeo então... Era mais fácil o papa soltar um impropério durante a Missa do Galo do que o Luciano se envolver em algo escuso como esse.

Ouso dizer que a coisa mais condenável que ele tenha praticado fora a vez que ele caiu, empurrado por mim, e não me desculpou pelo sangue que lhe escorria da cabeça.

O ano é 1986. No meio de uma prova de Geografia, Cíntia, a amiga real e virtual, completava as lacunas do saber. O improvável acontece durante os minutos tensos. Ela não sabe se eu – provavelmente, mas minha memória não me deixaria esquecer – ou o Luciano, vira-se para ela e pergunta a resposta da primeira lacuna.

Tensa, ela responde que o rio que nasce no monte Viso e deságua no mar Adriático é o Pó. Não se sabe se a pronúncia lhe era ótima ou com sotaque gripado. O pidão insistiu: “Como?” – e ela: “Pó”, balbuciando de modo tenso e trêmulo. Não se sabe quantas vezes ela teve de repetir “Pó”. Cabem umas dez vezes até que a resposta viesse.

Satisfeito com o acerto, não houve mais questionamentos.

Na semana seguinte, durante a entrega das notas, o professor chama por mim ou pelo Luciano e em alto e bom som, declara:

- Da próxima vez, use um cotonete quando sua amiga te ajudar, porque rio Bó não existe!

A sala veio abaixo. Como professor hoje, somente hoje, deveríamos, ou eu ou o meu gêmeo, saber que os educadores têm ouvidos afiadíssimos. E a lição ficou dada.

Como eu disse, minha memória é excelente, se coisas amenas não me fogem da lembrança, tenho certeza de que isso me levaria à vergonha dos infernos e ficaria marcado para sempre.  E como nada é impossível nesse mundo, quem diria ver um papa soltando um “CAZZO!” no meio da Missa do Galo...

Francamente...

domingo, 21 de abril de 2013

VOCÊ É MOZART OU SALIERI?

Existem diferenças brutais entre os esforçados e os talentosos. Saber que o talento também se treina não deixa de ser um esforço dos agraciados e determinados.

Esse trecho de AMADEUS mostra bem um exemplo disso.

O excelente F. Murray Abraham, Oscar de melhor ator, em 1984, faz Salieri, um mediano compositor, que escreve uma música em homanegm a Mozart, Tom Hulce.

O brilhante compositor austríaco, escutando uma vez só a melodia, mostra seu dom divino. Porém, o que ninguém esperava, é a mudança que faz na música original, tornando-a algo sublime.

Ser Salieri ou Mozart talvez não seja importante, mas reconhecer seu talento na vida talvez seja o principal esforço que nem todos têm desenvolvido.


sexta-feira, 19 de abril de 2013

PROFUNDO...

Talvez realmente aquele seria o melhor momento. Todos dormiam e a piscina estava vazia. Manhã quente, sol ainda tímido, silêncio permanente. Sentou-se na beira da piscina e colocou os pés para dentro. Tentou ver a si próprio, não como Narciso, mas apenas acender e a luz e espantar os fantasmas do passado.

Olhou fixamente para o azul inebriante e doce e se viu criança, naquele domingo, quando, com 4 anos, caiu nesse mesmo azul, engoliu muito mais água que de costume e saiu aos prantos, zonzo e trêmulo, puxado pelo tio.

Não sabia se pensou que morreria, talvez a morte ainda não se faz presente nessa idade, ao menos na mente de um garoto, apenas sabia que a sensação era angustiante, mesmo que não conhecesse a palavra, mesmo que não sabia se havia nome para aquilo tudo. Se para tudo existe um nome, nem tudo deveria se experimentar na prática.

E foi assim o primeiro grande contato dele com a sensação de fraqueza, que lhe marcou a vida, fugindo, a partir de então, de tudo que pudesse lhe cobrir a cabeça, tudo que lhe pudesse tirar o chão.

Ainda que fosse sonhador, que amasse voar, os pés deveriam estar firmes quando houvesse água por perto.

A mãe, da maneira dela, tentou curar o trauma matriculando-o na aula de natação. Outro trauma, chorou por horas, fingindo uma dor na perna, trazendo todo sofrimento para fora. A dor era tão aguda, que a mãe desistiu de tentar desmenti-lo.

Por anos ele não entrou no mar, numa piscina. Se o fizesse, a cintura era seu limite. Nunca decidiu quebrar o trauma, nunca quis assumir o medo, abraçá-lo e mandá-lo embora, por água abaixo.

Não havia explicação, apenas acordou e sentou sozinho na beira da piscina. Estava decidido a ao menos boiar. Sentiu-se acompanhado, olhou ao lado e se viu com 4 anos, em pé, olhando a si mesmo e sorrindo.

Então o menino deu um tchau e pulou de cabeça. Por segundos ele pensou em impedir, mas a criança já estava livre, sorrindo, boiando por ali e chamando para dentro. Porém isso não era o suficiente. Muito menos um “confie em mim” serviu de convite. Ele ficou o vaivém suave e calmo do menino, que em segundos sumia de sua visão.

A água parecia calma. Intacta. Doce. Sabia que se a agitasse, monstros e medo o abraçariam. Os pés imóveis mal se mexiam por lá. Tentou entrar de sopetão, mas a mão do tio não estaria por lá. Fechou os olhos e, aos poucos, deixou que a água subisse até sua cintura. Respirou fundo.

Andou de um lado a outro, até onde os ombros ainda ficassem secos. Parou e voltou. Deu um impulso para cima e deixou-se submergir, como um batismo. Foi até a beirada, esticou os braços nela, empurrou o corpo para trás, soltou-se e sentiu os pés saírem do chão. Por um instante, imaginou-se voar, plainando na água, quase boiando. Respirou fundo e soltou as mãos, o sol ainda não havia saído, mas ele sim. Desesperou-se, engoliu um pouco de água e voltou a sentar-se na beirada da piscina.

Preferiu deixar o menino nadando e sorriu acenando a si mesmo quando completou mais uma chegada. Nadar não seria seu sonho, muito menos um desafio, apenas soube que respeitar os próprios limites seria o melhor a se fazer.   

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

Marinho era determinado. Há anos tinha a mesma prática, todas as quintas-feiras estava numa casa lotérica, apostando em seus números da sorte, fazendo figa e levando fé de que um dia tudo mudaria. Um jogo apenas, uma única fé, sabia que cada semana seria uma a menos fazendo contas.

Frederico nunca pisou uma lotérica, não tinha poupança, mas não era gastão. Levava na ponta do lápis contas e o dinheiro do mês. Não conseguia guardar, mas nunca lamentou sua falta. Não passava vontade, porém encurtava exageros.

Marinho sabia de cor o que faria com os milhões. Quitaria a casa própria, compraria um carro, levaria a mãe para conhecer Miami, construiria um prédio de salas comerciais e alugaria todas. Pensava sempre isso cada vez que preenchia o jogo, o único jogo que fazia há anos e repetiria na próxima quinta-feira, porque o sorteio acumulou.

Frederico sempre quis conhecer as cidades históricas de Minas. Aproveitou o feriado prolongado e desembolsou um pacote com um amigo para lá. Dividiu em 10 vezes sem juros, percebeu que naquele mês teria de deixar de ver os filmes dos sábados, ficou em casa por um mês, alugando DVD’s e comendo pizza, mais uma semana sem pensar em jogar.

Marinho agora decidiu arriscar mais, não seria apenas Miami, decidiu que conheceria Nova Iorque, pelo menos o Central Park. Trocou o modelo do carro, porque o sorteio, acumulara pela quarta vez, podendo bater um recorde de premiação. Pensou melhor, daria para ficar mais um dia no estrangeiro. E lá se foram os mesmos seis números de sempre.

Frederico quase enlouqueceu sem sair por quase um mês, mas sorriu ao saber que tudo voltava ao normal. Contas em dia, até a viagem que fez recebia um valor melhor que deu a ela nos últimos dias. Achou que agora, com esforço, poderia arriscar umas férias no Nordeste, poupando por uns dois meses sem sacrificar suas incursões pelas salas de cinema da cidade. Soube que o sorteio poderia se tornar maior dos últimos 5 anos, porém nem pensou em jogar.

Marinho sentia que aquele valor estupendo tinha de ser dele, merecia. Quase 10 anos jogando os mesmos seis números e aqueles três meses de acúmulo não poderia ser em vão. Uma viagem à Europa, ver de perto a Esfinge no Egito, lamentar no muro, em Jerusalém e por que não nadar numa praia grega? Sim, preencheu com a maior fé do mundo os quadradinhos.

Frederico tinha ido comprar antecipadamente o ingresso para ver o lançamento húngaro da semana. Ao passar e ver o valor acumulado e a fila com apenas um, decidiu arriscar pela primeira vez. Sentiu que poderia ter um cinema só dele, melhor, sentiu que poderia filmar a própria história. Rezou, escolheu seis números e sentiu algo diferente.

E foi então que acabou. Os quase 600 milhões de reais seriam divididos entre dois apostadores. Um de São Pulo e o outro do Rio. Os sortudos não podiam acreditar, era bizarro demais para ser verdade, vibravam como crianças, enquanto Marinho voltava a ter Miami como único destino, e Frederico perdia a sessão das 21h daquele sábado.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

NÃO FOI SACANAGEM...

O lado ruim de se morar em uma casa geminada é que a privacidade acaba sendo um momento raro e, muitas vezes, só acontece quando ninguém diz coisa alguma. O lado bom é... É...

Que seja. Quem mora numa sabe que segredos, brigas, comentários, os vizinhos da esquerda e da direita em poucos dias já faziam parte do seu dia a dia. E, como o ser humano acaba se acostumando a tudo, conviver com a intimidade alheia deixa de ser anormal e passa a ser corriqueiro, gerando até uma carência quando tudo está quieto.

Cresceram numa casa geminada, não se sabe quanto da vida deles foram expostas, mas, quando se é criança, não se pensa a respeito. Ou, se pensa, com certeza é porque a exposição acaba sendo inevitável.

Havia um banheiro nos fundos, atravessando o quintal, colado ao quartinho de bagunças. Quis aquela tarde que o banheiro de cima estivesse ocupado. O menino teve de correr ao dos fundos.

Concluída a obra (ambíguo isso, né), ele e seus 12 anos se encontraram desamparados. Sim, não havia papel higiênico por lá. Tensão. Aquela sensação de pavor. Abriu a porta, esticou a cabeça, ninguém.

Levantar-se e procurar ajuda era inviável, porque, se fosse para levantar e andar... Melhor deixar a imaginação correr solta.

Rezou para alguém aparecer. Escutava o cachorro da vizinha latir, uma conversa entre casais e, principalmente, os convidados da casa à esquerda, bem como o cheiro do churrasco naquela domingo. Ninguém.

Pensou em chamar por alguém, mas ficaria evidente demais. Lembrou-se do irmão. Pegou o celular e mandou um SMS: “Cadê você?”. “Aqui no quarto, por quê?”. “Pode vir até o quintal?”. “Pra quê?”. “Desce, vai!”.

Em segundos o menino aparece. Abre a porta de tela e vê o rosto do irmão, que escancara a porta, mostra o rolo de papel higiênico, balbuciando: “Acabou o papel”.

E o mais velho não teve dúvidas, de lá mesmo, em alto e bom som:

- Mãe, acabou o papel higiênico do banheiro daqui debaixo e o Juninho precisa se limpar, onde tem?!

As risadas dos convidados vieram antes da ajuda do irmão, que jurou que não fez de propósito. Pior para o caçula que, por causa do papel higiênico, teve de assumir o papel de ingrato e o de cagão da tarde.

 

 

 

terça-feira, 16 de abril de 2013

DEUS NÃO UNIU E SÓ O HOMEM SEPARA

O masculino no casamento fica apenas no nome, o restante sempre está voltado à mulher. Tudo, absolutamente, tudo está voltado à noiva. Dia da noiva, vestido da noiva, buquê da noiva, entrada da noiva. O noivo é um detalhe quase coadjuvante.

É o rapaz que limpa o salão em CASABLANCA, a quem só a família dele dá importância. A roupa dele é ela quem escolhe, e o poder é tanto que os padrinhos também são obrigados a se multiplicarem, por que as mulheres fazem os homens ficarem iguais se elas odeiam isso? Imagine 10 casais todos iguais, a noiva também, metade do estresse seria evitado.

Melhor, todos os convidados deveriam usar as mesmas roupas, assim, como num grupo escolar, num passeio ao zoológico feito por várias escolas. Quando houvesse aquele à la carte de cerimônias numa mesma igreja, todos saberiam se estavam no horário. Ninguém se enganaria.  Sem contar que o casamento valora o atraso. Se a etiqueta manda não se atrasar, por que a noiva deve se atrasar para contradizer as normas da boa educação? Espera.

E por que se chora tanto? Fico pensando se o choro é pela cena ou pela música. Se na hora dos abraços ouvíssemos Ilariê, duvido que a choradeira apareceria. Definitivamente, casamento é um teatro. Ora e é um teatro mesmo, há drama, choro, risada, palmas. E como toda boa peça, sempre acaba em comilança após o evento.

Estava lá o rapaz, depois de meses de preparação, gastando mais do que podia e estourando o orçamento nos mimos a ela, parado no altar. À espera da entrada dela. Claro, depois de duas horas de espera. O dia dela começou às 7h, a 20 km da igreja. O casamento era às 11h. Tempo suficiente. Mas não. Horas se preparando, e o anfitrião tendo depois de se justificar a todos.

E chovia. E como chovia. E a mãe dele falando sobre a sorte de se casar com chuva. Eram as lágrimas de Deus avisando da catástrofe que seria. Mas não. E o irmão falando: “É um sinal, essa demora, é um sinal, Deus está te avisando para não casar!  Pegue a viagem de lua de mel e vá sozinho...”.

Espera. Enfim, 2 horas depois, ela chega. O que era ansiedade virou alívio. O que era para ser uma celebração virou um calvário. O que era para ser chantili virou manteiga. E o vestido? Essa pergunta na cabeça dele soara como um silvo demoníaco. Já tivera uma surpresa horrenda, faltava apenas a principal. Todas esperando pelo vestido. Inclusive o noivo, que teve de deixar os óculos em casa, porque a noiva disse não ficar bem.

O coitado teve de espremer as vistas até três metros de distância. E ela vinha. E ele não via. E ela vinha. E ele não via. E ela chegava. E ele não enxergava. Ainda bem que ninguém olha ao noivo no altar na entrada da noiva, porque veriam um pinguim míope. Enfim tudo transcorreu de modo tranquilo. O melhor foram as músicas, o casamento pop, músicas de Elton John, Beatles e Queen.

Claro que houve choro, houve aplausos, abraços, o teatro foi ótimo – isso que nada sobre a mãe do noivo foi dito aqui, ficará para depois. 

A festa também, um brunch, fazia um friozinho e os chás, bolos e chocolates quentes foram mais do que bem-vindos. E casamento é como as festas de fim de ano, quando tudo acaba, fica aquele clima de nada. Aqueles dias que parecem segundas-feiras cinzentas.

O pior é que depois do fim, todos os dias que duraram entre o fim do evento e o fim do casamento mesmo, 1 ano depois, foram com cara de 2 de janeiro. O melhor da lua de mel eram os passeios fora do hotel. Porque o quarto tinha cara de 2 de janeiro. A chegada em casa era 2 de janeiro, todos os dias foram 2 de janeiro. E depois de 365 2 de janeiros, emendou-se a Páscoa com o dia 21 de abril numa terça.

Fim de tudo. O álbum ficou lindo e com ela, bem como as alianças e todos os móveis do apartamento. Com o noivo, apenas o violão, o computador e os cd’s, além da liberdade. O que ele aprendeu com tudo isso? Que muitas vezes o evento é maior que o sentimento; como se as compras de natal e os melindres e protocolos familiares estivessem para o casamento e Cristo estivesse para o amor.

E o vestido era horrível, com um barrado que mais se parecia com um de uma toalha de cozinha, aliás já que o natal foi citado, o vestido serviria bem para ser capacho de panetone. Se o evento é típico feminino, nada mais comum ele ser complexo.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O SANTO DO PAU OCO

Todos temos uma via crucis e uma cruz a carregar. O pior é quando nos dispomos a carregar a cruz alheia e percebemos que interromper a dor dos terceiros é triplicar a própria. Tudo o que é novo representa uma possibilidade. Diria minha avó que as meninas de ouro estão na igreja, nas missas.

Semana Santa em Ouro Preto. Sabe-se lá o que um cara nada devoto vai fazer num feriado santo em uma cidade cujas características pedem qualquer celebração mais efusiva. Aliás, Ouro Preto é uma das cidades mais bipolares do Brasil. Se pegarmos o carnaval e a Semana Santa, não podemos dizer que são a mesma cidade. Uma espécie de pecado e arrependimento. Enfim, ele foi com um amigo, cuja família de ascendência portuguesa mantinha uma casa na região.

Talvez a conveniência do barato o levasse até lá. Chegaram na quinta, e foram à missa do Lava-pés. E debruçados estavam no jogral católico, quando ele percebeu um perfume de rosas. Estava ao lado da avó, mas quem pensaria que sempre numa flor existem espinhos. Troca de olhares, e depois da missa, a aproximação.

O pão era tão bom quanto os beijos da neta. Santa semana e santo convite. Bem que queriam, mas a carne proibida. Valeria a pena esperar até domingo. Procissão na sexta, outra missa no sábado e antes do almoço de páscoa, a carne estaria consumida.

E lá estavam na ladeira. A bigoduda sorrindo, o andor na frente, a neta com um véu no rosto e ele com o terço nas mãos, pedindo para sábado chegar. Caminhada longa, uma longa e doce jornada, tudo por uma carne desejada. Cânticos, tapetes com serragens, torça de olhares, línguas obscenas a procura da outra e uma torção.

Sim, a portuguesa torceu o pé numa das pedras mal-formadas das ruas centenárias da cidade. E cabe a pergunta: quantas torções acontecem no carnaval? Nenhuma. E quem torce o pé numa procissão? E quem pediria para carregar a velha? Sim, a neta, desejosa do prazer, e ele, inebriado pela dor da senhora, se predispôs ao ato.

Magrinha, mas não há 50 quilos que não pesem durante a subida. Dizem que a cruz de Cristo pesava mais de 70, entretanto com certeza, ela não reclamava do calor, não fedia a naftalina, não pedia água. Poxa, nem Cristo pediu água, por que ela, que estava sendo carregada, pediria?

O rapaz, num calor dos infernos em pleno abril, não blasfemou, mas amava a cada estação em que Cristo caía, porque a procissão parava e ele despejava a senhora no chão. Sabe-se lá quais forças tiravam o Nazareno do chão, mas as forças que faziam o rapaz levantar aquele saco de buço ficava a metros de lá.

E os cânticos, como lamúrios sôfregos, num tom que nem os cães suportariam, ali, no ouvido dele, sem falar nos perdigotos diretos ao ouvido do rapaz. Quantas estações mais? Todos conhecem o efeito da cerveja num homem, aqui ocorria o oposto, a cada parada e todos os impropérios e escárnios a que estava exposto, a língua da menina foi se putrefazendo, os olhos não eram mais os mesmos e a carne já parecia como a de um leproso.

Mais uma e outra agora. A visão turva, o cheiro inebriante, o anjo virando o capeta, e capeta virou quando entre uma entoação e outra a velha arrotou aquele bafo de feijão no pescoço do rapaz. E antes que chegasse a próxima estação, ele a largou ali mesmo.

Sob os olhares incrédulos de todos, assim como os da neta. Ele se colocou à vontade de Jesus, largou sua cruz pelo caminho e deixou sua sina para trás, à própria sorte, soltando mais do que imprecações, soltou aquela bigoduda nas pedras. E se haviam de crucificar Cristo naquele dia, que colocassem mais uma cruz e que não houvesse ressurreição à velha no terceiro dia. A carne no domingo? Naquela sexta mesmo, virou um belo sanduíche de calabresa.

domingo, 14 de abril de 2013

QUANDO QUIS ESTAR SOB HOLOFOTES

Meu primeiro super-herói foi Berger, na pele de Treat Willians. Tinha 12 anos e me lembro de passar um ano inteiro assistindo a este filme todos os dias. HAIR foi decisivo em minha vida, por vários motivos, mas esta cena, em especial, deixo-me bem claro que sempre me daria bem sob os holofotes... Ou pelo menos nunca estaria incomodado...


sábado, 13 de abril de 2013

CEREJEIRAS EM FLOR

Você sabe o que é Hanami? No Japão, eles nomeiam o ato de contemplar as flores. Ou seja, quando as flores aparecem nas cerejeiras. Japoneses e turistas dividem o chão, entre cobertores, sentam e ficam olhando a beleza das cores desse espetáculo fabuloso.

Por si só, o momento seria único, mas ainda bem que existem talento, sensibilidade, criatividade e o cinema. Numa produção franco-alemã, de 2008, sob o olhar feminino de Doris Dorrie – sempre defendo que a ótica feminina sempre é algo fenomenal, e aqui a direção e o roteiro são dela – CEREJEIRAS EM FLOR é algo obrigatório para quem ama cinema, flores e a vida.

A maior parte do filme se passa no Japão, e o mais interessante são os idiomas que se mesclam. Há alemão, inglês e japonês, porém a linguagem do sensível, do delicado e da alma não precisa de tradução.

Comecei a assistir ao filme e percebi a frieza alemã de uma família nada unida, a não ser pelo casal setentão Rudi e Trudi (desafio a saberem quem é o marido, quem é a esposa). Os filhos sem tempo aos dois, que têm uma vida pacata e sistemática longe de Berlim.

Sabendo que o marido tem pouco tempo de vida, a esposa decide – por um conselho dos médicos – que façam algo juntos, uma viagem ou algo desse nível. Decidem visitar os filhos, mas percebem que os rebentos não são mais compatíveis, e os pais acabam se tornando um peso a eles.

Os dois decidem então seguir para uma cidade do litoral. A mulher, sofrendo calada pela iminente perda do marido e amante do Butô, dança japonesa que incentiva a arrancarmos as nossas máscaras e descobrirmos nossa realidade – passa a intensificar isso na vida dos dois, procurando extrair o máximo do marido, incentivando-o a dançar, a viajar, até a assistir a um espetáculo dessa arte.

Quem sabe uma viagem ao Japão, para ver de perto e - somente com ele - tudo o que sempre sonhou nos tempos em que ela se dedicou à arte. Mas o pacato e sistemático esposo prefere a lógica, mantém-se leal a ela, porém sem mais aventuras.

O que acontece? Prefiro não falar, assistam. A diretora consegue num roteiro tão primoroso e numa visão tão plástica detalhar a morbidez da vida dos dois no início do filme, mas a reviravolta que o longa ganha a cada minuto é de uma surpreendente e marcante mensagem para nossas vidas.

Existem filmes que podem mudar sua vida, sua maneira de pensar, quebrar tabus ou sugerir outros, essa produção – sem medo – arrisco dizer que não mudou em nada, foi melhor, ratificou a certeza de que o medo mata a pessoa, de que o não-tentar apenas é a sombra nua e parada num escuro.

A música, as imagens, os sentimentos, a lealdade, coisas que o cinema e a arte podem nos dar, coisas que a vida tem e que - se não prestarmos atenção nisso – perderemos a conta de quantos funerais protagonizaríamos numa vida toda. CEREJEIRAS EM FLOR não merece entrar na vida de todos, deve entrar apenas na vida de quem quer viver.

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

VOCÊ TEM MEDO DO QUÊ?

Tinha de levantar da cama, não havia outra alternativa. Mas os medos o prendiam no canto esquerdo dela. Recluso como um bicho protegendo sua comida, sabia que deveria enfrentar tudo.

Rezou, rezou e rezou, porém não sabia se a fé também se escondera em qualquer parte do seu coração. Fato é que Deus não o ajudava, ninguém o ajudava, porque ele se cobria agora entre três travesseiros e os suores frios de medo, que deixavam sua boca amarga e queimavam seu peito e sua garganta.

Tentou descobrir-se, olhar em volta do quarto, ver as persianas refletidas pelo sol da manhã. Tentou se lembrar de coisas boas, entretanto não cabiam naquela cama, já haviam escorregado para fora e o cachorro deve ter comido todas.

Mudou lentamente de posição, como se a paúra o brecasse a qualquer gesto. Nem mesmo o livro de autoajuda conseguia ser um convite a algo mais corajoso. Medo, angústia, solidão e fantasmas. Os piores inimigos da cabeça, as sombras da imaginação.

Tentou esboçar um movimento, mas as pernas estavam travadas, não respondiam a estímulo algum. A morte seria a melhor coisa. Sumir seria o melhor a ser feito, e à francesa, sem alarde, sem exposição.

Não entendia como o sol brilhava diferente, não entendia como um dia pensara, sentira diferente. Como a mesma música de tempos atrás desafinava agora? Teve a certeza de que se tentasse sorrir, os dentes cairiam. Queria dormir pra sempre para ver se os sonhos fossem diferentes.

Para tentar fugir daquilo tudo, mesmo sabendo que tinha de enfrentar seus medos, ser bravo, corajoso, e defenderia o direito de ter medo de quer sim fugir de tudo, porque não havia vergonha alguma em não querer tudo ali.

Piorou. O tremor aumentou, a queimação no peito e garganta carcomiam-lhe a alma. O suor banhava seu lençol e seu pijama e agora o sol não mais estampava o teto do quarto. Sentiu-se cair, na verdade, deixou-se cair e sentiu que sorria agora, porque sabia que havia acabado.

Uma queda longa no escuro, sem volta, sem redenção. Até que o despertador tocou pela quarta vez e se viu atrasado para o trabalho. Durante o banho, lamentou ter se cortado fazendo a barba e sorriu um sorriso tímido...

quinta-feira, 11 de abril de 2013

BIZARRICES DE UM CONGESTIONAMENTO

Quando se fala de trânsito, quase se coloca, de imediato, São Paulo, aqui no Brasil. E numa metrópole como esta, onde existe até uma rádio dedicada somente a ele, onde a alegria do morador é encontrar um caminho exclusivo, onde há um rodízio aos carros, qualquer ser tem histórias de sobra sobre.

Deveria haver um kit de sobrevivência nas ruas e avenidas da capital paulista. Enfrentar um engarrafamento, por exemplo, pode ser mais prazeroso. Por isso é comum rádios terem os melhores programas nesse horário. É comum vendedores aparecerem aos bandos – porque fome num tráfego parado é de irritar monges.

Devo confessar que usei o trânsito parado de São Paulo para várias coisas úteis. Época de faculdade, deixava para ir de ônibus, sabendo que o itinerário seria longo, assim poderia colocar a leitura dos livros em dia. Ok, confesso que já dirigi com um livro colado ao volante...

Mas, como amo criar histórias, também confesso que vários dos textos deste blog foram criados num congestionamento. Como hoje, indo trabalhar, deparei-me com o caos, que me rendeu mais uma narração.

Qualquer paulistano tem histórias sobre o tráfego caótico daqui. O recorde de congestionamento se torna uma disputa acirrada, o meu foi de 3 horas num percurso de menos de 20km.

Mas o curioso não é a coerência do relato, são as bizarrices que presenciei olhando em volta, porque, além do entretenimento do rádio, nada mais se tem para fazer.

Existe um viaduto na radial leste, principal e infernal via entre meu bairro e o centro, de uns 300 metros. Num percurso normal, você completa o trajeto em menos de 1 minuto. Lembro-me de que um dia, na entrada dele, o trânsito parou. Logo você começa a olhar aos lados.

O casaco amarelo me chamou a atenção. Era uma mulher com um pacote subindo o viaduto, fazendo o mesmo itinerário do que eu. Enfim, algo deve ter me distraído e segui no para-e-anda irritante. Minutos depois, lembrei-me do casaco, olhei aos lados e para frente e para trás, nada. Se ela não se atirou lá de cima, deve ter desistido de subir.

Qual não foi a minha surpresa que, depois de mais de dez minutos, o trânsito deu uma fluida ótima e eu a encontro terminando o trajeto antes de mim. Quem mora aqui, sabe que isso pode e aconteceu.

De gente descendo do carro para comprar amendoins, de gente descendo com crianças, que urinavam na rua vê-se de tudo. Porém o mais bizarro que testemunhei foi no itinerário da zona norte à zona sul.

Em determinado trecho, trânsito parou. Havia vários moradores de rua à minha esquerda e o que me chamou a atenção foi a triste cena de um deles escovando os dentes, usando a água da sarjeta. E o que era para ser desolador se tornou surreal. A parceira, ou sabe-se lá quem era, aparece correndo até o rapaz com um celular em mão.

Sim, moradores de rua envoltos à tecnologia, e até aqui você pode não se espantar, mas em 1998, quando eu ainda vibrava com meu primeiro aparelho, era algo não crível. Claro, o carrinho do carroceiro, repleto de lixo e com dois cachorros, estava estacionado, e o trânsito naquela via também.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O CARROSSEL DE DONA MARIANA

Aos 80 anos, dona Mariana queria andar num carrossel, era esse o pedido de aniversário. Não queria festa, não queria bolo, queria apenas andar num carrossel. Apaixonou-se por um aos 20 e deixou-se envelhecer, quando se torna criança de novo, para exigir tal capricho.

As netas não se conformavam, quem sabe uma viagem às origens, na Itália, ou os filhos, uma festa surpresa, com amigos da infância, já sendo revirados em redes sociais etc. Nada deixava mais brilhantes os olhos da senhora que um carrossel.

Não havia um parque de diversão por ali há anos, o único que encontraram foi na Cidade da criança. Em São Bernardo do Campo, SP. Os quase 35 km de distância poderiam enfadá-la, mas uma viagem à Europa não? Uma festa surpresa, fulminante ao coração, não?

As bisnetas ficaram loucas, endossaram o pedido da bisa e começaram uma campanha nas redes sociais: #levemminhabisaaocarrossel. Mais de 400 curtidas em duas semanas.

Filhos não conseguiram se render. E naquele domingo, uma comitiva dos Manfredinni foi a São Bernardo. Sol escaldante, mas o ar-condicionado deixou a velhinha acesa. Não sabia aonde iria, no entanto julgou algo sério, porque se ninguém morreu ou casou e todos estavam presentes, desejou ser o que sempre quis.

E sorriu como criança ao ler aquilo. Sorriu como nunca sorrira na vida, porque teve a certeza de que os sonhos podem acontecer, mesmo que levem 60 anos.

As bisnetas a pegaram pelas mãos, e pode-se dizer que o clã preencheu o decadente lugar. Não havia mais do que 30 pessoas no parque. A comitiva quase dobrou o lugar. Entraram e rumaram direto ao carrossel. O filho mais velho preencheu com 50 reais a mão da operadora, pedindo que Mariana fosse sozinha no brinquedo, umas voltas só dela, um sonho que se sonhou sozinha.

E assim aconteceu. Demorou quase 5 minutos para ajeitá-la no brinquedo. O parque parou. Visitantes, empregados, todos logo souberam de tudo e largaram por minutos a vida, porque quando sonhos acontecem, embalamos nos dos outros.

E o círculo se fez, tudo pronto. A roda começou a girar, não se sabia para onde olhar, se para o sorriso maravilhado de Mariana, se para as lágrimas de todos por ali ou para as palmas que embalavam cada aceno que ela dava em cada volta, sentada num cavalinho rosa.

Talvez as voltas tenham durado uns 5 minutos ou menos. Mas foram os 5 minutos mais felizes de uma mulher que venceu a Segunda Guerra, perdeu o marido com 5 filhos. Trabalhou como costureira e abriu o próprio ateliê. Expandiu para o Brasil e dois países da América do Sul e para Itália a sua marca.

Seis idiomas. Um patrimônio que poderia comprar a Disneylândia, mas o que ela realmente queria eram as voltas no carrossel.

Quando parou, todos aplaudiram e ela acenava feliz, feliz. O filho mais velho chegou e perguntou se queria mais voltas. Disse que não, "realizar um sonho era divino, mas abusar dele seria indigno".


terça-feira, 9 de abril de 2013

JOHNNY BE GOOD!

E coube à família serem 4, pai, mãe e filhas. E coube à família nascerem todos numa mesma semana, o que significava quase duas semanas de festas e de preparação. Todo mês de julho era assim, 4 festas ininterruptas. Semanas antes, a mãe se entregava a tudo. O cheiro de bolo e das empadas de queijo embalava o sobrado.

E não era incomum alguns parentes mais próximos acamparem por lá por dias, festas de fim de ano no meio do ano, os eventos eram mais disputados que um espaço na Time Square em dezembro.

E numa dessas festas, uma das meninas, já com 30, ganhou um coelho. Sim.

Um coelho, não era um cão ou um gato, mas um coelho. Tudo bem que nas noites de tempestades, os pais as incentivassem a ficar do lado de fora e se imaginarem enfrentando Poseidon.

Ou quando convidaram o professor de matemática da caçula para um chá, por ser o primeiro a dar uma nota baixa às estudiosas.

Um coelho até seria coerente a tudo isso. Indagado, o pai apenas arriscou: “um dia você vai me agradecer por ter recebido o Johnny”.

Dois anos depois, o pai, vítima de câncer deixou uma data aberta no calendário das festas. Ainda no hospital, ele fez as mulheres jurarem que as celebrações continuariam, e que fariam um bolo a ele, mesmo que não estivesse lá para soprar as velas.

E no ano seguinte, o pai esteve em foto, na frente do bolo e, mesmo que as velas não tenham sido sopradas, ele sorria durante o “Parabéns”.

As tempestades e Poseidon não davam mais as caras por lá, porque não seriam páreo à dura realidade que soprava por ali. Dessa vez foi a mãe que deixaria o bolo embatumar e as empadas queimarem.

5 anos e 20 festas depois, ela estava no hospital, lutando para que as celebrações ainda ficassem intactas. Lutou com tudo que tinha, entretanto não conseguiu mais apagar as velas e se foi.

No ano seguinte, naquela semana de julho, a irmã mais velha teve uma viagem a trabalho. A caçula não se lembrou de quem era a festa naquele dia. O que realmente não esqueceu foi que não havia mais o cheiro do bolo ou das empadas de queijo. O vaivém estava quieto e o silêncio daquela manhã a ensurdecia.

E chorou, chorou como nunca, porque, mais do que sozinha, estava sem ninguém. Sentiu a caluda casa a romper-lhe os tímpanos e desejou por um milagre. Sim. Um milagre que apareceu e lhe lambeu os pés, não como um cão nem como um gato, mas como coelho.

Sim. O próprio. Ela, que já tinha enfrentado deuses e notas baixas, fez o que tinha de fazer. Sorriu ao Johnny, abraçou-o firmemente e soube que o amor que sempre esteve com ela ele sentia também, ele recebia também.

E sem bolo nem empada, fez a única coisa que tinha de fazer, beijou seu orelhudo e disse no ouvido dele: “obrigado, pai”.