quinta-feira, 29 de novembro de 2012

TUDO BEM

Ambos vinham de um relacionamento conturbado. Traumatizados por brigas, desconfianças e desgastes. Ela ainda estava num litigioso complexo, o apartamento que pagou sozinha entrava na disputa.

Ele já teve mais sorte, mas ainda acordava durante a noite, carcomido pelas vezes que entrava de madrugada tropeçando nos copos que vinham em cada ombro, uma sombra etílica quase que interminável.

Juraram e se prometeram não terem compromissos. Na primeira noite, riram muito e viram que além de filmes franceses e de arte também sabiam tirar um sorriso do outro. Bom indicador aquele.

Não viram como se beijaram, mas sabiam que depois daquele beijo levavam o medo de tentar de novo. Seria ele um aproveitador? Seria ela uma alcoólatra? Torceram para ninguém mandar um bom-dia pela manhã, mas não souberam que o fez primeiro.

No segundo encontro, foram a um cinema e quando perceberam, só estavam os dois no bar da esquina sem perceberem que a torcida não era por mais uma bebida, mas pela conta.

Nesse meio tempo, o apartamento ficou com ela e ele só bebia café puro.

Sabiam que se acharam porque comungavam da mesma opinião. Sem compromissos, sem protocolos, sem família, nem primos, nem festas de família, nem almoços de Natal ou de Páscoa. Teriam o momento deles e, somente num comum acordo, estariam juntos, mesmo que a sociedade pedisse.

E assim funcionou até aquela noite, quando ela ficou sem bateria no meio da viagem de volta e ele esperou pelo torpedo dela a noite toda. Ela se desesperou e não pôde parar para avisar, e ele tenso porque a caixa postal o atendia.

E depois disso, naquele fim de semana, os seis estavam almoçando juntos, os pais e as mães nas futilidades e aliviados por todos existirem, enquanto ele deixava torrar um pouco o salmão e ela se espetava nos espinhos das rosas no belo arranjo da sala.


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AU REVOIR, BRASIL!

Já podia ter imaginado pelo clima daquela manhã, pelo olhar do diretor e pelos sorrisos forçados dos colegas. Assim que entrou na sala ampla, de mármore carrara na mesa, e viu os charutos sobre ela, sabia que a celebração era iminente.

Antes de ouvir, olhou para os olhos vívidos, aqueles que transpiram a ansiedade de uma boa notícia, daquelas que todos se matariam para falar. Anos naquela multinacional, anos lidando com pessoas e números, aprendeu a estar atento a qualquer movimento diferente.

Sentiu que valeu a pena abdicar de família, amigos. Que a dedicação ao MBA e às horas de negociações, ao inglês, ao francês e ao espanhol teria enfim um resultado justo. Viu passarem para dentro todos os diretores, o vice-presidente, e todos tinham o mesmo brilho nos olhares.

Nos poucos segundos que esperava pela notícia, lembrou-se de tudo. A dedicação em forma de sopro, de vento doce e da promessa de que tudo acabaria bem.

Que os emails de parabéns, de orgulho e de símbolo de empenho à empresa realmente eram verdadeiros e que o trabalho impecável poderia ser um símbolo de exemplo e de que a justiça prevalece.

Sentaram-se ao redor da mesa. Ele na ponta e todos os sorrisos como plateia. Não se sabe por quanto tempo durou, mas cada frase, cada parte, cada sílaba soava-lhe como música, um rufar de louros e um soprar de aplausos.

Despesas com o aluguel em Paris pagas por um ano, a filial francesa nas suas mãos, 150% de aumento no salário, 10 passagens anuais para o Brasil, um carro, um cartão-combustível ilimitado, participação nos lucros e uma governanta bilíngue para cuidar da casa.

Tentou segurar o choro, mas não conseguiu, e viu que emocionou a todos lá, até o poderoso. Abriram um champanhe e saíram para almoçar. Ganhou o dia livre para começar a organizar a mudança, que seria em 15 dias.

Chegou em casa. Olhou o vazio e só assim viu a realidade. Não tinha para quem ligar e dividir a notícia. Saiu rapidamente de lá porque soube que levaria todo aquele nada para França. C’est la vie...  



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

E O QUE ERA?

Estava perto demais. Nunca esteve tão próximo do cheiro da verdade. Já perdera a noção do tempo. Chegou a pensar que nascera dentro disso tudo, esquecera-se de quando começou, quando realmente esteve livre disso. Uma linha única de vida, sem divisões, nem matizes, nada que lhe diferenciasse. Nada.

Sabia que estava perto e que agora, mais do que nunca, não quereria estar em outro lugar, em outra situação, respirando outro ar. Um ar que não distinguia sucesso de fracasso, vitória de derrota. Uma mescla de excitação, desânimo, alegria e decepção iminentes.

Um novo sentimento acabara de existir para si, pois sentimentos aparecem e se criam. Nunca esteve tão perto. Não conseguiu precisar quantos metros havia naquele corredor. Passo a passo, seguia. Comedidos, medidos, quase parados. Quantos passos mais?

Sentiu um arrepio na espinha. Uma gota fria de suor a lhe escorrer pelas costas. Uma única gota, apesar do forte calor daquela noite chuvosa. Não precisava de todas as gotas que o céu mandava, uma só lhe bastava. Talvez não soubesse o que faria depois daquela noite.

Talvez toda razão de viver estivesse para terminar. Não se importava. Queria realmente acabar com aquilo. E parece que media quando, saboreando a transição do desconhecido para o realizado.

O preciso momento em que a primeira gota de água desce pela seca garganta. A primeira sensação quando a dor desaparece. E andava. Estava firme. Não acreditava. Acreditava. Não hesitou. Agora sim. Andou de novo. Olhava aos lados, mas sabia que o negrume apenas iluminado pelos raios nada lhe traria. Tudo o acompanhava. Agarrava-se-lhe à nuca e não o soltaria até saber o que o futuro o reservava.

Apesar do barulho da tempestade, o som inexistia, as batidas do coração não condiziam aos passos. A respiração ofegante. Os aplausos. O silêncio da derrota. Quem lhe faria companhia. Jorge ficou parado lá trás. Até quando. Quer terminar. Não o quer. Quer sim. Hesitação. Excitação. Controle.

Perdeu-o. Achou-o. Andou. Parou. Continuou. Até quando. Não poderia suportar. Poderia. Pensou que sim. Pensou que não. Uma luz! Era. Era sim. Um convite. A luz guia. A luz cega. Entorpece. Esclarece. Não seguia, mas o fazia. Um convite. Não o recusaria. Um gemido, sim, ouviu um gemido. Até quando. Quando acabar. Se acabar. E acabou...

sábado, 24 de novembro de 2012

A TODOS QUE ME LEEM!

Há exatos 3 meses, no dia 24 de agosto de 2012, depois de vários incentivos, comecei a escrever um blog. Um desafio postar coisas novas diariamente. E não tem sido uma tarefa fácil.

Como num período de experiência em uma empresa, depois de 91 textos e mais de 13 mil acessos – ameaças de torcedores adversários, declarações esquisitas - creio que a fase de contratação chegou.

Gostaria de agradecer a todos – e cada um sabe a quem me refiro - que se expõem aqui com comentários, aos que me falam pessoalmente ou via email ou pelas redes sociais, divulgando.

E não poderia deixar de fazer os agradecimentos especiais.

Ao mestre Lucas Amura, que desde que retomamos trabalhos vivia me aporrinhando para expor meus textos.

À Andréa Kogan, que disse: “Hora de renovar, Sméagol, e lembre-se, não queira mudar o mundo, publique o que você tem a dizer”.

À Fal, blogueira, que ministrou um curso essencial, do qual tirei coisas excelentes e que têm funcionado diariamente por aqui.

Ao comparsa Luiz Rezende, por todos os toques de diagramação e visualização dos textos.

À Luciana Penna, que me fez crer que eu tinha algo a agregar no mundo virtual.

E finalmente gostaria de agradecer a mim mesmo, porque vai ser árduo deixar isso atualizado assim lá no inferno, entre as aulas, as dicas em redes sociais e, ainda por cima, ter de viver.

Para terminar, o nome, talvez se o blog se chamasse CAZZO, seria mais coerente aos que convivem comigo. Mas prefiro falar que o OPS! me persegue e que ainda não tenho a mínima ideia do que escreverei amanhã!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

terça-feira, 20 de novembro de 2012

QUEM COME CATARINA SABE O CU QUE TEM

Quem é homem sabe, quando se há caso novo, tão bom quanto o caso é contar com quem se tem se atracado. Dependendo de quem é a menina, às vezes, contar acaba sendo melhor ou – se só a fama deverá ser mantida – melhor o silêncio.

Mas naquele não, a menina era uma coisa de outro mundo. Quando fosse algo de uma noite só, era comum até ser documentado em celular etc. Quando a moça requeria algo mais cuidadoso, o simples relato já servia de confissão. Mas quando o trânsito parava por ela, os detalhes serviam de mesa redonda e melhores momentos, com direito a replay.

E foi esse jogão que aparecia na vida daquele homem. Não é sempre que se encontra algo daquele naipe. Linda, estonteante, digna de ser falada na íntegra, lance a lance, com entrevistas.

- Catarina de quatro é um arregaço!

Foi a frase do ano. A foto no Facebook entregava os louros ao cara, busto entre os demais. E tinha de ser exclusiva. Acabavam os amistosos e os treinos abertos. Agora era só decisão e treino a portas fechadas, que só eram abertas ao sortudo, que as abria depois aos amigos.

Cada sábado era uma nova posição, um novo movimento. E como no futebol, o bordão pegava e feio. Durante dois meses, bastava ver o sorridente, para a frase ser introduzida.

E naquele domingo, no futebol, ele não apareceu. Suspeitaram que a comemoração estava aumentando, sinal de que mais novidades entrariam em campo. E assim se repetiu no domingo próximo e nos dois outros também.

Tentaram celular, nada. Redes sociais, nada.

Até que num improvável encontro - na festa de um do grupo - apareceram  de mãos dadas. Ele feliz, ela deliciosamente linda. Apresentou orgulhoso, fez questão de fazer a acolhida dos amigos como algo único e tomou as bênçãos dos pais do aniversariante.

Roubaram a cena. Porém, por mais que soubesse ser invejado por todos, por mais que soubesse ter o Oscar daquele ano, tinha a certeza mais concreta que a própria felicidade, aprendeu que nunca se deve falar do rabo alheio, porque se olhasse agora ao dele, veria um verso alexandrino agarrado a suas costas:

- Catarina de quatro é um arregaço!
 
E nunca mais foram vistos.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

E QUE VENHA A SEGUNDA!

Há vários dias, o Palmeiras vem caindo. Caiu contra o Coritiba, caiu contra o Internacional, contra o Botafogo, contra o Fluminense, contra o Flamengo e finalmente sumiu no jogo do Grêmio contra Lusa.

Endossando as palavras do meu irmão Marcelo, se fôssemos um banco, os palmeirenses estariam no vermelho, há anos.

Não quero justificar azar, faltas invertidas ou enganos externos, quando o time é ruim e a sorte aparece, algo ainda fica aceso. O que acontece é que na lama nem a sorte quer aparecer.

Não quero dizer que caímos para a série B, já estávamos lá desde o título da Copa do Brasil. Uma espécie de melhora do paciente na UTI para a morte. Invictos num campeonato e submersos em outro, no mesmo ano. Isso não acontece só no futebol, isso só acontece com o Palmeiras.

Não quero também fazer juras de amor eterno pelo meu time. Ninguém está palmeirense ou qualquer outra coisa, a pessoa é. Fazer juras de amor e ratificar apoio eterno é como prometer a si mesmo que vai respirar no dia seguinte.

Não quero fazer apologias a um coração partido, que sangra a derrota ou diz lutar contra as adversidades.

Não quero ter de escutar as merdas que escutarei, ler os fatos que nos empurraram para o fundo.

Não quero usar de um mesmo clichê de todos que amam o Palmeiras, dizendo que a diretoria não presta, que os conselheiros torcem contra ou que o problema do clube é ele mesmo.

Não quero falar para sairmos às ruas com a camisa do clube, mostrando que na vitória ou na derrota, o alviverde e suas tradições continuarão imponentes.

Não quero dizer que de nossa defesa ninguém passa nem que temos linha e atacantes de raça.

Não quero dizer que a torcida canta e vibra por nosso alviverde inteiro.

Não quero abrir o jornal, não quero ver o TV, não quero ouvir o rádio.

Eu, hoje, só quero dizer que a primeira temporada de (FDP), pela HBO acabou e que meus domingos nunca mais serão os mesmos até a próxima temporada começar a ser exibida.

domingo, 18 de novembro de 2012

O DIABO LOURO E O SECADOR ARNO

Quando uma história envolve duas pessoas, dizem que existem três versões para ela, uma de cada indivíduo e a real. Porém, em certas ocasiões, nada comprova nem uma segunda versão, há apenas a verdadeira.
 
Mas antes disso, tenho dois irmãos, meu gêmeo, Luciano, aquele irmão odiado, porque nunca levava bronca, sempre predisposto a ajudar os pais – o que me demandava tarefas infinitas – e o mais velho. O Marcelo, sempre ele, esteve envolvido em quase todas as traquinagens de minha infância.

Em 1982, eu e meus 9 anos estávamos no banho, com certeza tentando cantar algo parecido a THE NUMBER OF THE BEAST. Todo ensaboado e com shampoo Johnson's até onde se pode imaginar. Não pude crer que as invocações ao demônio pudessem ser tão precisas e inconsequentes.

Descrever o banheiro é algo um pouco mais complicado. Azulejos de bolinha azul, vaso sanitário e lavatório vinho. Pois é, o demônio já habitava o local, a invocação ficou mais fácil. O box era uma espécie de porta que corria, feita daquele plástico mais resistente e turvo, o que impedia a visão interna. E aqui reside o mal.

Sabe-se lá por qual motivo, meu irmão mais velho quis me dar um susto. Bastava abrir a porta e pronto. Mas não, nunca saberemos o que se passou na cabeça de uma criança de 13 anos, que optou pelo improvável.

Enquanto eu estava na segunda estrofe em aramaico do Iron, pude perceber duas mãos aparecendo no topo do box. Lentamente, a cabeleira loura do Marcelo foi surgindo. Ou seja, o susto virou curiosidade mútua. E eu pensando que cazzo ele queria com aquilo tudo.

Lembro de o sorriso dele ficar lá por cima por uns 5 segundos. E, de repente, ele sumiu, junto a um estrondo gigantesco. O pimpão apoiou o pé no lavatório, que cedeu bruscamente trazendo tudo para baixo, e um deles foi o Marcelo.

O perigo de ser retalhado foi iminente. Graças ao bom Deus não aconteceu, mas a retaliação da minha mãe seria inevitável. Com a queda, o cano ficou aberto, e uma enxurrada avassaladora, um jato potente de água saía do banheiro, batia na parede do corredor e descia pelas escadas.

Luciano, o irmão santo, ao ver aquilo começou a berrar: "Cataratas! Cataratas!". 

Não consegui ouvir quais imprecações minha mãe soltou. Só sei que, diante do fato, fiquei sem água, todo ensaboado, e com o lamento do diabo loiro.

Meu pai, que tentava abocanhar uma laranja, só teve tempo de fechar o registro. A água que desceu pela escada, e não foi pouca, parecia um açude furioso, molhou todos os móveis da recém-comprada mesa e suas cadeiras de tapeçaria estampadas.

Lembro que meu irmão passou horas secando os móveis como punição, com o secador Arno, rosa. Lembro que a laranja que meu pai tentou comer ficou para meu gêmeo e a mim, coube encerrar o show no meio da primeira música.

Sobre as 3 versões? A minha: nascia ali a primeira manifestação da idolatria do meu irmão a mim. A do meu irmão Marcelo: quis soltar uma cusparada na cabeça do caçula. E a real: foi a melhor maneira de nos livrarmos daquele vinho horrível, o banheiro foi reformado meses depois.  

 

 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

MAFALDA SAFALDA

Uma pug preta, Mafalda de nome. Não se pode dizer que temos aqui um exemplo de obediência. Essa pequena diabinha brincalhona não traz o seu chinelo, some com ele.

Era comum bagunçar uma fileira imensa de cães caminhando juntos, como era comum devorar os doces de uma macumba na esquina. Cachorro grande, injeção, trovões ou os malditos fogos no fim de ano, Mafalda nada temia porque era curiosa, tudo poderia ser uma grande descoberta a ela.

E um dia ela se deparou com uma escada, com o embalo da caminhada, subiu os 20 degraus. E ao olhar pra baixo, não conseguiu acompanhar os passos do pai. Ficou lá em cima, desesperada, e percebeu que não mais só pelo colo e pela comida, chorava também por não saber descer escadas.

Até que um outro dia, ela e o pai foram a uma igreja - seria benta no dia de São Francisco de Assis - daquelas cuja escadaria nunca acaba. Como sempre, no embalo, ela subiu. E percebeu, viu-se num mundo acima das nuvens. E na hora olhou para cima e teve certeza de que estaria junto dele para descer. Foi quando ouviu um choro e não era o dela.

Uma criança estava lá embaixo, sentada, às lágrimas, sabe-se lá por qual motivo. Sentada no topo, os ouvidos fizeram Mafalda olhar para baixo. Olhou para o pai, olhou para a criança. Não titubeou, esqueceu-se de onde estava e partiu em disparada escadaria abaixo.

O pai mal teve tempo de se desesperar, quando parou a correria atrás dela na metade dos degraus. Havia algo mais encorajador a ela, a tristeza nunca poderia vencer. Mafalda correu até a criança, apoiou-se na perna da menininha e secou a lambidas todas as lágrimas que escorriam pela bochecha rosada.

O pai sorriu e a criança também, começou a gargalhar de cócegas. Nunca se soube qual foi o motivo que fez a criança chorar, mas todos naquela tarde viram qual foi o motivo que a fez sorrir.

Mafalda aprendeu a descer as escadas e talvez nem tenha percebido que conseguiu tal proeza, e deixou duas lições a todos: a primeira, que sempre haverá alguém para secar suas lágrimas; e a segunda, que ninguém consegue esconder um chinelo como ela.


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

SABEDORIA JAPONESA E O ATESTADO PARAGUAIO

Trabalhei por 6 anos em uma empresa multinacional japonesa. Nossos chefes eram todos de lá. Falavam mal e porcamente o português e traziam consigo uma cultura um tanto inusitada aos padrões brasileiros.

Não sei se é comum no Japão, mas aqui, eles vinham com uma mesma camisa a semana toda (e você acha que eles trocavam a cueca?), tinham um pedaço de bambu, com o qual limpavam a orelha à vista de todos, sem falar no chinelinho, que colocavam durante o expediente.

Enfim, pequenas noções de higiene e comportamento um tanto incompatíveis aos diretores.

E a fama de inteligentes talvez tenha ficado na alfândega. Nos anos que permaneci por lá, colecionei cenas e comentários memoráveis. Separo aqui dois deles.

Um grupo de professoras argentinas estava no Brasil conhecendo a matriz. Quando isso acontecia, eles tinham até o cuidado de substituírem a camisa. E naquela tarde, quando elas chegaram no terceiro andar, onde a diretoria e todo o departamento pedagógico ficava, o meu chefe, rapidamente, com aquele sotaque me pergunta:

- Aduriano, Aduriano, Buenos Aires? É assim que fala?

O que se pode entender com isso, um grupo de Argentinas e Buenos Aires é tão lógico quanto um grupo de Australianos e Camberra. Confirmei a ele. E só depois pude presenciar a gafe. Depois de me cumprimentarem, chegaram ao Hiyasa-san, ele prontamente estendeu a mão e disse:

- Bem-vindas, Buenos Aires!

A capital da Argentina se transformou na saudação das 15h. Elas sorriram educadas e corri para rir no banheiro.

Mas o pior viria numa reunião anos depois. Não sei se é fato, mas pela fama deles, possivelmente. Havia 15 gerentes de todas as filiais brasileiras, mais os 10 diretores de São Paulo, numa tarde de janeiro absurdamente quente.

Havia um termômetro no andar. E quando este atingisse os 30 graus, os diretores permitiam que o ar fosse ligado. Cansamos de correr com o termômetro ao sol para refrescar o local o quanto antes. Enfim, dizem, dizem que nessa reunião, a sala estava derretendo, entretanto, por um problema sabe-se lá do quê, o ar-condicionado não funcionava.

Um dos diretores chamou o zelador do prédio e pediu que trouxesse quatro barras de gelo imensas (risos) e que as colocasse em cada canto da sala. E, caso não houvesse, ele mesmo autorizaria a compra de ventiladores, para trazerem a friagem para os poderosos. Silêncio...

Cremos somente naquilo que queremos, e a isso dou fé de coração aberto.

domingo, 11 de novembro de 2012

50 TONS DE ROXO E UM ABAJUR COR DE CARNE

Embalada pela leitura de E.L. James e seus CINQUENTA TONS DE CINZA, a dona de casa de meia idade decidiu apimentar sua relação. Despachou os meninos para a casa da avó e tirou a tarde para se preparar para horas de prazer, romantismo e, por que não, certo sadismo.

Mandou um sms ao marido, avisando que aquela terceira sexta do mês teria mais do que o oral anual. Saiu do Jacks’s Zefona com a escova em dia, pintou as unhas de vermelho-fogo, passou na saldão e comprou uma calcinha G vermelha e de renda.

Na volta, arriscou o sex shop, ficou convencida de que o espartilho de couro, com jeito, entraria, mesmo sendo dois números abaixo. Comprou um filé mignon, parcelou em duas vezes. Não sabia qual vinho serviria com carne, arriscou num tinto, ainda que os dois litros não precisassem ser consumidos.

O marido, mesmo apertado do lotação, sorria um sorriso malicioso, dava pra ver a língua de fora, no canto esquerdo. Subiu a rua num corre-não-corre, chegou ofegante, precisou de uns cinco minutos para recuperar o fôlego, quase estragou as begônias vermelhas, meio caídas, mas honestas à esposa.

O sobradinho, à meia luz, era um convite. Ela colocou o LP do Ritchie, e MENINA VENENO, música que embalou o início de namoro dos dois. Ele entrou, conseguia sentir aquele perfume de alfazema tomado, mesclado com o cheiro da carne e das batatas.

Sentiu uma fisgada no baixo ventre. “É hoje que eu vou traçar as portas dos fundos”, pensou. Chamou por ela, que respondeu um “aqui em cima” mais do que convidativo. Ele subiu cantando desafinado “Menina veneno, você tem um jeito sereno de ser”. Ela riu. Ele entrou no quarto, lá estava, toda rubra, pele brilhante, lustrada, de espartilho de couro, um muffin de vaca branca. Fogosa e saliente.

Ela estava de bruços na cama. Com as perninhas roliças trançadas para cima. Balançava-as lentamente para frente e para trás. Com um pouco de dificuldade, ela se levantou e disse que esperasse na porta. E assim, babando, ele o fez. Ela chegou perto. Ele quase a agarrou, mas foi contido. “Ainda não, tigrão. Vai ter que merecer essa sustança toda”.

Ele sorria um olhar endiabrado, tomado de desejo e prazer. Ela andou até o corredor. Abriu o espartilho, porque estava quase sem ar e deixou-o sair. O estilo bigodinho de Hitler era uma novidade, e ele pirou.

“Vem, meu tigrão, vem pegar sua sereia!” – ordenou, e como um touro, partiu pra cima dela e a tomou nos braços, erguendo pelas pernas, num replay à entrada triunfante no quarto de núpcias. Mas a sereia estava mais para um belo e escorregadiço peixe.

A brilhante e fixa ideia de entrar naquele espartilho fez que ela usasse mais da metade do KY em todo o seu corpo roliço. E com o mesmo ímpeto que ele a pegou, ela escapuliu dos braços dele e rolou os 15 degraus de madeira.

Não fosse pela demora de achar a carteirinha do convênio, eles tinham chegado ao pronto-socorro em menos de meia hora. E se alguém comeu da carne aquele dia, foram os meninos, que disseram nunca terem visto filé tão molhado na vida.

sábado, 10 de novembro de 2012

A POODLE QUE ODIAVA INGLÊS E A MADAME QUE AMAVA TOMBOS

Professor em início de carreira é como prostituta: “Pagou, tá valendo”. Bem no início de carreira e dando inglês ainda, consegui uma aluna chique no Morumbi. Uma madame que me surpreendeu, a aula seria a ela e à poodle branca, a Pérola.

Por alguns minutos, pensei ser uma pegadinha. Mas a mulher queria porque queria entender as músicas do ABBA e que a cachorrinha também se tornasse bilíngüe.

O cronograma à moça seria o trivial, mas eram duas coisas que me intrigavam, qual schedule seguir para a cadelinha (sem ambiguidade aqui, sim?) e aquelas estantes gigantescas, repletas de livros. Em uma casa, nunca tinha visto aquilo, parecia uma livraria, uma ou duas seções, no mínimo.

Bom, no primeiro dia, antes mesmo do odioso TO BE, a aluna, com a Pérola me olhando pediu para que eu ensinasse a poodle a se fingir de morta, lógico, em inglês.

Confesso que olhei bem aos lados, pensamentos diversos me vieram à mente: anos de estudo para aquilo? Mas ela pagaria bem e dobrado para cada acerto da nossa amiguinha. Não consigo contar quantas vezes eu disse “play dead” para a Pérola, que teimava em abanar o rabo e lamber a minha mão.

A dona repetia comigo e deitava perto dela. “Play, dead, amor”. “Play dead, coração”. E eu, “cazzo, cadela do inferno, deita logo!”

Em uma das pausas, a moça foi buscar um café. Sentei-me no sofá e a Pérola subiu no meu colo. Enquanto eu a acariciava na barriga e implorava para obedecer, olhava os livros, boquiaberto. Quando voltou, perguntei se ela havia lido tudo aquilo, ela disse que sim e:

- Por favor, peço a gentileza de não tocar neles.

Tentei nos minutos seguintes fazer a encaracolada deitar, mas o que me intrigava foi a proibição da moça. A iminente frustração apareceu. Confesso que saí mais encafifado com o lance dos livros.

Na semana seguinte, toda simpática, fedendo a Samsara, que me rendeu espirros ininterruptos, tentávamos fazer a Pérola obedecer. Nada. A pausa para o café foi a deixa. A casa era imensa, e aproveitei para me aproximar daquela biblioteca. Títulos mil, coisas fantásticas, três paredes de cima abaixo. Um pé-direito de letras.

E lembro que foi em CRIME E CASTIGO que me atrevi a puxar a obra. Mas não havia obra, em vez disso, junto ao tombo do livro, uma placa de madeira móvel desceu com meu puxão. Não havia livro algum, apenas blocos de madeira, preso a um mecanismo, com tombos de livros colados a eles.

Não sei quem foi mais ingênuo: a madame, por crer que a poodle obedeceria a um comando em inglês ou eu, por ter a certeza de que haveria livros lá.

E mais uma vez a sabedoria canina deu de dez na nossa racionalidade, a Pérola foi a única que cumpriu o que pede o bom senso.  

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PÉROLAS AOS PORCOS

A fama de maior fornecedor de joias não era à toa. A autenticidade delas sempre foi considerada. Mais de 40 anos de tradição, era tombada a credibilidade e a máxima: "Se vem da família Sévora, o brilho é de pérola".

De origem ucraniana, o avô Yashin Sévora começou a produzir o que existia de melhor e de mais puro entre as muitas pedras e brilhos no mercado. Estudos, leituras eram abandonados para que a riqueza prosperasse e assim o fez.

Hoje, a família era invejada, admirada e um exemplo. Não se pode precisar a fortuna deles. O mundo sempre quis saber o segredo de tanta competência, mas o segredo era mantido a um molho de incalculáveis chaves. 

Quase uma máfia, o QG ficava numa fazenda, no interior do Rio Grande do Sul. Talento? Dom? Divindade? Qual seria a informação que todos amariam saber.

Por uma quantia inimaginável - dizem que compatível à fortuna deles - a rede da BBC londrina conseguiu esse furo. Em seis dias, penetraram no local e, sob as lições do próprio octogenário senhor Sévora a fórmula do sucesso.

Um mês depois, o que a rede conseguiu de patrocinadores durante a exibição foi algo fenomenal, não cobriu o investimento, mas a ideologia ainda estava acima de tudo. 

O mundo soube pela tela e não conseguiam crer. Viam o mirrado ucraniano jogando as pérolas aos porcos, as que os bichos comiam não prestavam, as que sobravam era autênticas. BIZARRO! Os porcos eram os responsáveis. As papilas gustativas suínas era desenvolvidas pela família.

Perguntavam-se como isso era possível. Daí já era pedir demais. E não podiam crer que os empregados entrassem no chiqueiro, pegando aquelas joias e levando ao mundo. Arrecadavam milhões com as pedras que os porcos não comiam.

Entretanto as câmeras não puderam ficar o dia todo. Os mesmos empregados que tiravam as que sobravam, iam à caça das que se misturavam com as fezes. Porque as pedras, todas elas, que lá chegavam era autênticas. Ter um fornecedor ótimo era o segredo. Saber fazer marketing também.

O que se tem valor não precisa de justificativa, é porque é.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

BRINQUEDOS ESTRELA

Tinha crescido nos anos 80 e era apaixonado pelos brinquedos da época. Tão aficcionado que os mantinha intactos no seu quarto. Guardou as relíquias como se colocados numa redoma.

O que se podia imaginar de brinquedos a meninos da Estrela ele possuía. Ferrorama, Genius, Pula-Pirata etc. Ali era um museu. Filho único e quase sem amigos, fazia de si mesmo a melhor companhia nas brincadeiras.

Voltava do fabuloso emprego que tinha e ficava horas dentro do quarto, brincando, limpando, cuidando de suas manias e amigos. Alguns desconfiavam como um cara de aparência normal, inteligentíssimo, trilíngue, educado poderia ser solteiro.

Herdara dos pais o sobrado, reformara-o. Diziam alguns que ele tinha um segredo, um quarto só de segredos. Mas entre o certo e a imaginação, preferiam pensar ser sadomasoquista, pedófilo coisas desse nível. E era apenas alguém que se dedicava a esse passatempo.

Quem poderia desviá-lo desse ritual? Claro, uma mulher! E ela apareceu. Talentosa, gerente do setor financeiro, 32 anos, solteira, linda, inteligente. E tudo começou com um pequeno almoço de apresentação, que virou um drink de happy hour, um jantar depois do teatro, um lanche depois do cinema, um beijo depois do capuccino.

Queriam tentar se aproximar dela para ver se conseguiam descobrir se realmente o quarto existia, mas era arriscar demais e duplamente. As visitas ao quarto secreto tornaram-se menos frequentes, porém aconteciam. E nessa interação, ele conheceu a família, o irmão, os primos, sobrinhos.

Interagiu rápido com o cunhado, mesma idade e mesmos gostos. Naquela noite, ela quis conhecer a casa dele, e, óbvio, uma ponta de curiosidade se realmente havia um quarto dos segredos. Entraram. Enquanto ela foi ao banheiro, ele se preparou. Ao sair, foi convidada pelo namorado a desvendar os segredos tão escabrosos que poderiam habitar por lá.

E sorriu, sorriu como criança e teve a certeza de que tudo caminharia bem. Tudo nunca acabaria.

Não se pode precisar se ela contou a alguém. A dúvida sobre os três, agora, perturbava a empresa. Mas, sabe quando você tem a certeza de que aquilo era eterno?

Pois é, e era. Parece que o irmão dela tinha o helicóptero amarelo do Falcon. Raridades assim não aparecem junto a qualquer pessoa.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

ENFIM, FRUTÍFERO...

Anos depois, eles se viram livres. Convidou-a para um jantar a dois, embora a comida fosse comprada. Acendeu as velas e colocou as músicas que ambos gostavam. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Ela chegou no horário exato, nem mais nem menos. Entrou, largou a bolsa no sofá, elogiou a decoração e o clima meio noir. Olhou cada cômodo daquele apartamento que conhecia apenas de boca e se viu em cada parte de lá, finalmente. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Ele abriu o vinho, ela sorriu. Serviu dois copos, mais a ela. Brindaram uma promessa. Noite quente, foram até a sacada, ele a abraçou por trás, ela colocou a mão em seu rosto. Não precisavam mais de nada naquele momento. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Entraram, ela se sentou, ele a serviu. Ela esperou que se servisse e não se incomodou que o jantar esfriasse. Mesmo sabendo que não fora ele quem preparou, ela elogiou o menu, ele agradeceu. Não devia, mas repetiu, prometendo que caminharia no dia seguinte, ele sorriu. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Para a sobremesa, como adorava frutas, ele fez uma salada caprichada. Cortou todos os pedaços com carinho e otimismo, espremeu uma dúzia de laranjas e teve o cuidado de banhar todas as frutas. Ele acrescentou o chantili, mas ela preferiu sem. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Foram para o sofá. Ela encostou nele como se nunca mais quisesse sair, ele acreditou nisso e a envolveu com os dois braços. Ela tirou o sapato depois de apenas um pedido, ele já estava descalço. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Ele fez um comentário, ela sorriu. Ela devolveu o gracejo e ele corou. Acariciou os cabelos recém-cortados dela, sabia que isto a agradava. Ela jogou a cabeça para trás, ele a beijou na testa. Ela fechou os olhos, ele os beijou, ela sorriu de novo. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

A música parou, ele fez menção de se levantar. Ela se inclinou para frente para que ele saísse, mas antes de sair ela o travou de lado. Colocou os lindos olhos nos dele. Sorriram, e tanto depois o primeiro beijo. Desejaram tanto, porque sabiam que o encaixe era perfeito. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

Deveriam se livrar de tudo agora, do passado, dos outros parceiros e principalmente das roupas, entretanto preferiram o beijo de um e de outro, porque até aqui era até aqui que haviam chegado. Decidiram escrever juntos todo novo passo que dariam. Por tudo isso, soube que poderia dar certo.

E deu.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

AMASSARAM A ESPADA DE GRAYSKULL

Que o amor e a paixão e o desejo nos guiam para estradas sinistras e inconsequentes é fato, mas o itinerário que aquele casal tomou foi rumo ao inferno.

Ele, 22, ela, 40. Sabe aquela paixão, aquela vontade de se vestir da outra pessoa e aquele frio na barriga com a chama no baixo ventre tudo ao mesmo tempo? Pois é, foram acometidos disso.

Ela divorciada, ele o estagiário da empresa. Bastou uma semana para os olhares se cruzarem. Um encontro e um furor, um furacão. Numa noite, depois da aula, chegando em casa propositadamente mais cedo, ele pede o carro emprestado ao pai e roda mais de 15 km para ver a moça, que aparece de roupão e creme.

A razão não cabia naquela Belina 82. Ela entra quase que simultaneamente ao menino. Numa cavalgada louca e incessante. Ela morava numa descida, não houve tempo de puxar o freio de mão, apenas o carro engatado e mais nada.

O roupão já na cintura, e o creme besuntando banco e o que desse. Num movimento mais brusco, o pé dela esbarra no câmbio e sabe-se lá por que capricho do demônio, o carro começa a descer. Entregues ao nada e ao tudo, não perceberam só sentiram o impacto.

A Belina ouro foi para embaixo do caminhão de doces do seu Álvaro.

Resumindo, o impacto foi tamanho que luzes imediatamente se acenderam e daria tempo para que o casal se livrasse do constrangimento. Sim. Mas não. Com a força, o parabrisa dilatou-se para frente e travou os dois entre o volante e o banco.

Sim.

Estavam presos, unidos como sempre desejaram. Ele entre os seios da advogada de respeito, e ela dando de mamar ao estagiário fogoso. Em pouco tempo, os vizinhos apareceram, a mulher ficou abraçada ao rapaz, escondendo o rosto, rubra.

O menino estava pálido, quase sufocado pelas mamas imensas da mulher. Fotos, celulares. Houve até quem sugerisse chamar os bombeiros para acabar com a festa.

Deu-se um jeito, a vergonha alheia nos impede de prosseguir. O menino teve de se virar para pagar o conserto do carro, mas temos a certeza de que tal contorcionismo foi menos complicado, porque ele estava sem as calças no carro e todos viram quando ele colocou a cueca do He-Man, em que se lia na frente: “Eu tenho a força”.

Mais de mil pessoas curtiram a foto no Facebook.

domingo, 4 de novembro de 2012

O DIA QUE O MUNDO OUVIU A MINHA MÃE

Como se pontua o exato momento do trauma? Impossível às vezes, mas no meu caso foram cirúrgicos, os dois.

Até hoje odeio comprar roupas, e mais que odiar, odeio experimentá-las na loja. Talvez uma coisa leve à outra, fato é que os pais, sem querer, acabam errando e dão o trabalho direto ao terapeuta para tentar consertar isso.

Creio então que os pais se tornam causa direta de o analista existir.

Tinha uns 6 anos, quando fomos eu, meus irmãos e minha mãe na árdua tarefa de comprar roupas. Asseguro que até então, mesmo que não fosse uma diversão, estava longe de ser um trem-fantasma.

Meu gêmeo e o mais velho resolviam rápido. E, como naquele dia – só pra variar – estava louco para ir embora, resolvi que todas as primeiras peças que me servissem seriam levadas. E as calças apareceram, provei-as e disse sim.

- Mostre-me! – ordenou minha mãe.

E respondi que estavam boas e pedi para ir embora. Em segundos minha mãe invadiu o provador, meteu a mão no cavalo da calça, que sobrou como um saco – sem trocadilho algum – nas mãos dela. Não titubeou, prendeu a mão nos meus fundilhos e me trouxe para fora, falando ao vendedor enquanto me sacolejava como um peão em Barretos:

- Isso aqui ficou bom?! Você acha?!

Meus irmãos caíram na gargalhada, e eu, morto de vergonha, queria uma bomba ninja para sair de lá.

Anos depois, de novo a mesma peregrinação. Ela e os três. Procrastinei ao máximo a minha vez. Mas não demorou para chegar. E dessa vez, minha mãe foi mais rápida, entrou comigo no provador. Na época, eram comuns shorts com sunga, e eu, desgraçadamente estava com um deles.

Assim que chegaram as roupas e tirei a bermuda, dona Ignes, com 1,50 de tamanho e 2,10 de voz, bradou ao mundo de lá de dentro:

- Você veio sem cueca?!!!

E lá dentro eu queria ficar, entre todas as gargalhadas que escutei, a dos meus irmãos foram as únicas reconhecidas. Como eu sairia de lá depois. Bem, acabei saindo e dificilmente volto a entrar.

Posso contar nos dedos as vezes que experimento roupas em loja, porque se a loira do banheiro não existe, a mãe do provador, sim, é viva e me aterroriza até hoje.

  

sábado, 3 de novembro de 2012

ZÉ BELO, DONZELO

Pior que a perseguição na adolescência é a perseguição na fase pré-adulta, se é que isso acontece. O rapaz tinha 18 anos e de todos os meninos da rua, era o único, digamos, inexperiente nos campos da sedução.

Educado, inteligente e absurdamente tímido, José, vulgo Zé Belo, era uma lenda  e alvo de todos os de lá, especialmente do Ditão, que apesar da imponência no nome, era um comedor de 1,60. Filho único de uma mãe solteira desejada por todos, linda aos seus 42 anos, o moleque era o terror das meninas e do menino.

Fora ele quem o incomodava aos berros de “Zé Belo donzelo!”, era o causador das muitas horas ausentes do pudico, que sempre esperava todos sumirem para aparecer. Mas sempre o Ditão o surpreendia.

Nas festas, fazia questão de expor a virgindade alheia. E a turma o seguia, porque ninguém queria cair na boca do bairro. “Todos têm uma história ruim pra contar, donzelo, você nem isso!”. Pois é, a pressão nessa idade era imensa.

E não eram todos lobos como o comedor, talvez mais um ou dois, mas toda a carga negativa vinha em cima do José, devorador de livros, amante de poesia e consumidor voraz de Acnase.

Numa noite de verão, houve uma festa na casa da menina mais linda do bairro. E o metelão decidiu colaborar, contratando uma prostituta, que se faria de colegial e comeria o jovem de uma vez por todas.

Música lenta na garagem, meia luz, Keep Cooler e George Michael dominando o ambiente. Tudo armado, todos esperando que o donzelo aparecesse. Uma hora, duas horas, nada. A mãe havia dito que ele estava a caminho. Nada.

E a festa aconteceu sonsa, o contratante aproveitou e consumiu o produto e nada mais aconteceu. O menino não deu o ar da graça, mas deixou de ser donzelo naquela noite.

Dizem – talvez seja boato da vizinhança - que o sumiço do Ditão depois daquele dia tinha um motivo. Porque deixar de ter um donzelo no bairro não era ruim, pois outros mais haveriam de aparecer.
 
Mas fosse que assumisse o trono, ruim mesmo era saber que o próprio Zé Belo, ao menos por uma noite, tornou-se o padrasto do Ditão.  

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A PRIMEIRA TATUAGEM

Tantos meses procurando o desenho ideal, a figura que melhor representasse a sua essência e a primeira tatuagem sairia. Juntou grana e conseguiu escolher o melhor estúdio de São Paulo, pagaria por hora.

Dia marcado, nervos literalmente à flor da pele. Estúdio maravilhoso, gente descolada, diria a mãe, entraria ao mundo dos adultos de modo intenso. Estêncil pronto, cores separadas, motorzinho em ação e o primeiro traço foi feito sem mais problemas.

15 minutos depois, pareceu sentir uma fisgada na barriga, uma espécie de desconforto. Minutos depois, o incômodo começou mais forte. Sim. Talvez todo o nervosismo e o hambúrguer da noite anterior começavam a alfinetar o intestino do rapaz, que travou tudo e começou a rezar.

Eles cobravam por hora, interromper uma sessão assim renderiam mais reais, os que ele não tinha. O contorno já estava pronto e dizem que para colorir era menos demorado... Ou seria dolorido? Que seja. Ele não estava bem. Ficou quieto e suando.

O braço às vezes tremia, porque a cólica e a natureza vinham forte. Talvez se não falasse, o artista terminasse mais rápido. Deixou os elogios para depois, e toda aquela tortura parecia ser infindável.

Ser tatuado é um ritual de dor e delírio, mas tudo aquilo, com uma caganeira iminente, deixava os minutos longos, estava num deserto a pé. Suores, calafrios, braço trêmulo. Por vezes o tatuador pediu que se contivesse, caso contrário o desenho se perderia.

600 reais investidos numa diarreia, e aquela tatuagem do inferno. Nem pensava mais nela nem sentiu o prazer das agulhas nem sorria mais nem a queria mais. O tatuador fechou a cara, enquanto o cliente tentava fechar o cu. Mas existem momentos que nem mesmo a determinação espartana consegue. E os esfíncteres relaxaram.

Não conseguiu segurar. Foi durante o “Pronto, terminamos”, que aquela coisa morna e pastosa se fez na cadeira e começou a escorrer-lhe pela perna. Uma lava quente e podre, que corria agora até as meias.

Não soube como conseguiu sair de lá. Andou como se tivesse câimbras até o carro. Não soube como sentou naquele creme fétido e dirigiu até em casa. Fato é que aquela tatuagem representava mais do que ele era, marcou mais que sua pele, porque as manchas nas calças, meias e cueca, pela estampa, nunca mais seriam apagadas.

O que ele levou daquilo tudo? Teve a certeza de que o alívio vale mais do que 600 reais.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

COITADO DO SINFRÔNIO

Era um ritual já. Todo aniversário de morte do amigo, os cinco se reuniam para celebrar o que viveram juntos. Levavam o violão, o baralho e ficavam conversando o dia todo em frente ao túmulo. Além da cerveja e dos lanchinhos, havia álbuns e histórias.

Começavam com uma reza, soltavam alguns lamentos e emendavam na cantoria e na cerveja, saudando o bom Sinfrônio. Sempre tiveram problemas com o nome, desde a época da escola, quando os risos eram iminentes, passando pela zona eleitoral, pela espera do exame e até quem moldou a placa do cemitério.

Convenhamos que não era algo comum, mas impossível não associá-lo a um velho. Imaginem uma criança com esse nome? Quantos passes no futebol foram desperdiçados quando alguém berrava: “O Sinfrônio tá livre!”.

Mas eles não, amigos fiéis, estavam sempre juntos. Cantavam a canção de que tanto gostava. Bebiam a cerveja preferida dele, o sanduíche de provolone com mortadela, as cocadas, jogavam buraco, liam os trechos das poesias preferidas. Enfim, um preito e tanto ao defunto.

Lá pelas tantas, quando o sol já sumia do local e as cervejas também, os ânimos acabavam se alterando. E um lembrou quando, no acampamento, a turma toda caiu de rir quando o falecido, aos 9 anos, levou apenas o travesseiro e o colega de barraca soltou: “Sinfrônio sem fronha”. Desnecessário dizer que isso pegou de cara.

Silêncio. Mas não por muito tempo. Uma gargalhada explodiu e todas as demais vieram. E se lembraram de quando ele ficou sem dinheiro: “Sinfrônio sem frão”. E emendaram quando economizou: “Sinfrônio cifrão”.

Gargalhadas. Houve também quem evocasse quando ele se separou: “Sinfrônio sem foda”. Ou quando descobriram que ele nunca tinha provado a hóstia: “Sinfrônio sem frade”. E quando bateu o carro: “Sinfrônio sem freio”.

Gargalhadas. E foram recolhendo tudo. E quando ficou com fome: “Sinfrônio sem fruta”. E quando saía sem blusa: “Sinfrônio sem frio”.

Gargalhadas. Talvez não percebessem, mas todas as visitas acabavam assim. Realmente amavam aquele cara e, de tanto amor, decidiram respeitar essas dores. O que talvez nunca perceberiam é que se perderam o amigo, não poderiam jamais perder as piadas.