quinta-feira, 1 de novembro de 2012

COITADO DO SINFRÔNIO

Era um ritual já. Todo aniversário de morte do amigo, os cinco se reuniam para celebrar o que viveram juntos. Levavam o violão, o baralho e ficavam conversando o dia todo em frente ao túmulo. Além da cerveja e dos lanchinhos, havia álbuns e histórias.

Começavam com uma reza, soltavam alguns lamentos e emendavam na cantoria e na cerveja, saudando o bom Sinfrônio. Sempre tiveram problemas com o nome, desde a época da escola, quando os risos eram iminentes, passando pela zona eleitoral, pela espera do exame e até quem moldou a placa do cemitério.

Convenhamos que não era algo comum, mas impossível não associá-lo a um velho. Imaginem uma criança com esse nome? Quantos passes no futebol foram desperdiçados quando alguém berrava: “O Sinfrônio tá livre!”.

Mas eles não, amigos fiéis, estavam sempre juntos. Cantavam a canção de que tanto gostava. Bebiam a cerveja preferida dele, o sanduíche de provolone com mortadela, as cocadas, jogavam buraco, liam os trechos das poesias preferidas. Enfim, um preito e tanto ao defunto.

Lá pelas tantas, quando o sol já sumia do local e as cervejas também, os ânimos acabavam se alterando. E um lembrou quando, no acampamento, a turma toda caiu de rir quando o falecido, aos 9 anos, levou apenas o travesseiro e o colega de barraca soltou: “Sinfrônio sem fronha”. Desnecessário dizer que isso pegou de cara.

Silêncio. Mas não por muito tempo. Uma gargalhada explodiu e todas as demais vieram. E se lembraram de quando ele ficou sem dinheiro: “Sinfrônio sem frão”. E emendaram quando economizou: “Sinfrônio cifrão”.

Gargalhadas. Houve também quem evocasse quando ele se separou: “Sinfrônio sem foda”. Ou quando descobriram que ele nunca tinha provado a hóstia: “Sinfrônio sem frade”. E quando bateu o carro: “Sinfrônio sem freio”.

Gargalhadas. E foram recolhendo tudo. E quando ficou com fome: “Sinfrônio sem fruta”. E quando saía sem blusa: “Sinfrônio sem frio”.

Gargalhadas. Talvez não percebessem, mas todas as visitas acabavam assim. Realmente amavam aquele cara e, de tanto amor, decidiram respeitar essas dores. O que talvez nunca perceberiam é que se perderam o amigo, não poderiam jamais perder as piadas.

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