terça-feira, 26 de julho de 2016

AS CHAVES DO MENDIGO

Era mania dele, não era comum ver um mendigo com uma caixa imensa forrada de chaves. Sim, todos os formatos, todas as cores e tamanhos. Além dos 4 cães, dividia sua pousada com elas. Não tinha lá grandes aspirações, conseguia comida aos amigos, o que sobrava, ele se fartava, e vivia à base de água, bolachas e chaves.

Pelo bairro e transeuntes rotineiros, aquela caixa de madeira forrada de objetos pontiagudos era no mínimo inusitado. Ninguém nunca o fez, mas a vontade de indagá-lo sobre a coleção dominava o clichê das mentes que por lá percebiam a coleção.

Começou a se tornar comum, que, em vez de esmolas, as pessoas passassem a dar-lhe chaves. Sim, inúmeras delas. Em alguns meses, ele já colecionava duas caixas imensas. Todos conheciam o rapaz, que devolvia com um sorriso careca e um “Deus te abençoe” a todos que o entregavam mais uma para a coleção.

Até que um dia, uma boa samaritana, passou e deixou a ele, em vez de uma chave, um bolo inteiro. Ele, como de costume, sorriu e entregou uma chave a ela, que meneou a cabeça e antes que perguntasse, ele respondeu: “Para abrir outra porta, como você abriu agora”.

O dono do açougue, que sempre acompanhou o mendigo presenciou a cena e ficou rubro de vergonha. E começou a espalhar a todos o que havia acontecido. E a notícia, por todos do bairro, se alastrou como uma epidemia.

Foram incontáveis sorrisos, começou a haver estoque de bolachas, água e, dia a dia, a duas caixas de chaves foram desaparecendo, foram sumindo por completo.

E no fim daquele mês, já com as duas caixas vazias, com um estoque para meses e mais meses, maiores que as duas caixas de chaves, ele decidiu sumir de lá. Nunca mais fora visto nas imediações.

Saber enxergar quais são as necessidades que cada pessoa careça é um dom, mas de uma coisa o mendigo sabia muito mais que os outros, que um sorriso pode abrir muito mais portas que todas as chaves desse mundo.

Os 4 cães adoram bolacha de água e sal.

terça-feira, 19 de julho de 2016

COM QUE ROUPA EU VOU?


Eva no divã, porque não tinha um closet nem amigas para exibi-lo. Não entram aqui os acessórios, que acabam se tornando roupas também, como bolsas, sapatos, cintas, colares, anéis etc. Para nós, homens, as roupas se resumem a calças, camisetas, bermudas, chinelos. 

Já para o sexo oposto, melhor nem começar. Já tentaram ler rapidamente tailleur e talharim? Você não consegue diferenciar, porém as mulheres sabem bem a diferença entre roxo, violeta, berinjela e fúcsia, que sei que existe pelo relato que está por vir.


E que moda é essa de se criarem cores? E, se você pergunta o que é uma cor berinjela, a indignação delas será maior que a que veio junto à sua pergunta. Por isso não existem garotas que sejam daltônicas, seria como a cegueira aos homens. E fato: mulheres sem arrumam para outras mulheres. Isso é lógico.


A questão é o seguinte, havia uma festa de amigos de infância dela. O acontecimento do ano, porque todo ano havia um. Aquele era o vigésimo encontro, mas, ao longo do ano houve casamentos, festinhas, foi quando ele se deparou com uma planilha de excell, com nomes de mulheres e roupas que estas já tinha visto a garota vestindo, cores, estilos. Depois dessa matemática toda, tinha uma tarefa naquele sábado à tarde: encontrar um vestido fúcsia.

Confessaria que para ele fúcsia era uma marca nova de roupas. Mas como o silêncio é uma bênção, aprendeu que era um vestido roxo, quer dizer, violeta, ou melhor, berinjela: fúcsia. E a festa seria numa mansão do pai da garota, banda ao vivo de Beatles cover, coisa boa. A vestimenta dele era algo bem elaborado: jeans, camiseta descolada e um sapatênis, porém ela precisava de um vestido fúcsia.

Nem é preciso falar que depois de algumas lojas e horas, encontraram o avatar em uma trigésima tentativa e sem almoço. Já repararam como a fome delas some quando a roupa está em destaque, devem se alimentar de calças, saias, echarpes? Nem adianta o bico, porque o que poderia aparecer se o objetivo não fosse alcançado seria o armagedon.

Enfim, acharam o prêmio, disse a moça que vendera o penúltimo há duas horas. Nessa hora, torceu para que o outro atormentado tivesse passado por algo melhor, homens são solidários em tudo. E aí, o sorriso dela apareceu, junto às 15h daquele sábado quente. E como 400 reais são nada ante um objetivo. Para ela, o vestido era mais saboroso que aquele hambúrguer de picanha de 300 gramas.

Não comeu. Tomou uma água com gás e saíram.  O rapaz a pegou às 22h, ia já preparado para dizer que aquele vestido roxo, ops, fúcsia caíra muito bem. Protocolos feitos, chegaram ao bairro nobre. Serviço de vauchet, mansão toda iluminada. E o desfile começou, os homens sempre na sombra e as meninas medindo as amigas e cada uma tendo a certeza de que estavam melhores do que todas. E a garota de violeta, ops, fúcsia, estava linda, roubou a cena mesmo.

Porém aqueles bolinhos de queijo foram mais chamativos. Mas não tão chamativos quando a dona da festa apareceu, sim, a mesma dona do penúltimo vestido vendido. Foram duas comissões da vendedora, agora se entende o sorriso largo dela, o mesmo sorriso que sumiu assim que as duas se cruzaram e o mesmo sorriso que estampou o rosto de todas as amigas de infância dela.

O namorado foi arrastado para fora da festa, mal conheceu o pessoal, 400 reais foram queimados, um evento que se findava, um vestido amaldiçoado, um caminho de reclamações, e ele terminou em frente ao TV, comendo uma pizza fria, que sobrou de casa. A festa, apenas escutou do carro: “You say goodbye and I say hello”.

terça-feira, 12 de julho de 2016

FRIENDS WILL BE FRIENDS RIGHT TO END

Amigos! É sempre assim, juntos sempre e com promessas de amizade eterna. E com aqueles não era diferente. Conheceram-se na escola, os dois com 9 anos e passaram a conviver quase como ar e pulmão.

Tornaram-se cúmplices. Surras foram livradas, um pelo outro, sempre. Passaram pela adolescência, passaram colas, noites acampando nos quintais, campeonato de Enduro, os vários filmes na Sala Especial, da Record. Perderam histórias e ganharam muitas.  

O primeiro beijo, quando um acordou o outro para contar. Aquela dúvida de Matemática que só o amigo poderia sanar. Não tinham irmãos, mas eram irmãos.

Os pileques, a mesma tara pela Magda Cotrofe, os penteados iguais aos do Paulo Ricardo, e a mesma raiva de não terem conseguido ir ao primeiro Rock in Rio. O primeiro show. Um olhava e o outro completava.

O cursinho pré-vestibular. Um passou e o outro não. Mesmo que os horários dos trabalhos não batessem, a agenda se encarregava de juntá-los. Um se formou enquanto o outro não pôde estar presente, viajando a negócios.

Um se casou, e o outro não pôde ir também porque a reunião em outra cidade atrasou. E mesmo que o convite para ser padrinho do primeiro filho acontecesse, seria a formatura da namorada.

E assim a vida seguiu.

Hoje, dificilmente se falam. E parece que um aceitou o outro numa rede social, quando compartilharam aquelas lindas mensagens de amizade eterna.

terça-feira, 5 de julho de 2016

COISAS DO FUTEBOL

Quem conhece futebol conhece a cena, último jogo do campeonato de pontos corridos. Time da casa enfrentando o penúltimo e já rebaixado adversário. Precisando apenas de um empate para levar o título que há anos não vê. Casa lotada, imprensa internacional por lá.

Com a média de gols extraordinária, mais de 100, a equipe era base da seleção do país. Orgulho da cidade, inveja dos coirmãos. Faixas de campeão vendidas a rodo, fogos a semana inteira anunciando o óbvio, um natal mais feliz a idosos, que relembravam os anos de glória, e a crianças, que finalmente devolveriam tudo que vinham sofrendo.

Domingo já de férias, clima agradável, ingressos nem com cambistas, transmissão até para a cidade onde seria a final. O estádio quase veio abaixo quando os iminentes campeões apareceram no gramado. Fogos, fumaça, papéis higiênicos num clima retro brindavam o título.

5 minutos, 10, quase e nada do adversário aparecer. Ganhar o jogo por WO não seria digno para todos. Até que o massagista dos rebaixados entra em campo e puxa o árbitro para um à parte. Por uma questão absurda de logística e incomum, o uniforme dos jogadores tinha sido desviado sabe-se lá pra onde.

Sim, sabe-se lá como, a bagagem com os uniformes foi extraviada e eles não tinham como entrar em campo. Caos. Discussões entre dirigentes. A notícia chegava às arquibancadas, deixando a festa com um sabor meio amargo. Depois de quase meia hora, a hecatombe foi aceita: o adversário jogaria com o conjunto do uniforme número 3 dos da casa.

O branco seria páreo contrastante ao azul. Festa retomada e, em minutos, estavam em campo. Nada seria motivo pra se estragar o clima. Hino Nacional em uníssono, palmas, e o apito soava como um bálsamo, bola em jogo e, em dois minutos, já na trave dos rebaixados. Um uníssono “uuuuuuu” foi ecoado por lá. O gol seria questão de minutos, e foi.

Num contra-ataque avassalador, a torcida mal pôde crer, sim. Os de azul abriam o placar. Sim. Agora, para ser campeão, o time da casa precisava fazer um gol. Perdiam. Isso não calou de vez os torcedores, que se inflamavam e viam, de novo, outra bola na trave. O empate era iminente. E permaneceu iminente com mais três chances claras de gol, e ficou mais iminente quando o zagueiro tirou a bola em cima da linha, e ficou iminente até o término da primeira etapa.

O intervalo foi um silêncio. A iminência do gol de empate voltava junto com o canto das arquibancadas e o time da casa, com mais um atacante. E o gol de empate ficou iminente naquele contra-ataque em que o goleiro fez um milagre. E mais iminente ainda quando a quarta bola na trave ressoou por ali.

Mas não tão iminente, quando o centroavante avançou livre, e o lateral, num carrinho por trás, fez pênalti e acabou expulso. O estádio veio abaixo. Fogos, cantos e aquele terremoto branco presente. O meia, artilheiro do campeonato, cobrador oficial, pegou a bola. Silêncio. O time da casa, com um a mais, ratificaria o título iminente.
Escolheu o canto e bateu. O grito de gol desceu goela abaixo, porque a bola, pela quinta vez, explodiu na trave. A partir de então, foi um festival de desespero e chuveirinho na área. Com 10, os rebaixados se fecharam, e o iminente campeonato começou a sair do estádio aos poucos, sem que ninguém percebesse. Nem mesmo os 5 minutos de acréscimos ajudaram.

Fim de jogo. Rival campeão em outra cidade, festa adiada, numa tarde inesquecível, que endossou, literalmente, a explicação do capitão derrotado: “perdemos para nós mesmos”. E ninguém do time adversário quis devolver a camisa azul.