sexta-feira, 31 de maio de 2013

A PIN UP DO ROCK'N'ROLL - parte 1

São Paulo, num ano qualquer. Simples como um dia que termina, ela entra em seu quarto, se fecha a chaves e liga o som. E se a rotina do trabalho está presente 5 vezes por semana, a rotina de alienar-se também. Câmera do notebook ligada, e a dança nos acordes sensuais do rock’n’roll preenchendo cada segundo, cada movimento daquele vaivém inebriante.

Era como se a Suzie Q. ganhasse vida e preenchesse os vários clipes naquele blog e os sonhos de muitos. Eram mais de mil acessos diários. Fãs por toda capital, propostas de casamento, de uma noite só ou apenas revelar o que havia acima do pescoço. Aliás, essa era a curiosidade dominante, quem seria aquela mulher colossal?

Os fanáticos faziam apostas, as redes sociais pediam sua cabeça, de uma forma ou outra. Sempre com algum acorde metálico, ela embalava mais do que as noites de todos, era um instrumento novo entre tudo o que já existia. Uma advogada, uma médica. Engraçado é tentar colocar um antagonismo nas ações escusas de qualquer pessoa. Talvez porque fosse melhor ter esse clichê ou talvez porque fosse natural pensar assim, porque a vida pede isso.

Seja lá o qual ocupação essa mulher tinha, fato é que qualquer ocupação do outro lado da tela ficava empolgada com tudo. Cada música, uma nova dança. Já foi mais uma da capa de Sargent Pepper, já retirou couros ao som de Judas Priest. Encarnou mais uma máscara com o Kiss e abocanhou uma rosa ao som do Ozzy.

Encantava, sacudia, mexia os quadris tanto quanto os punhos e as perversões masculinas. Depois das 5 minutos daquele dia, outro vídeo postado. Ela desligou o notebook e foi ao banho. E se as palavras conversam enquanto o livro está fechado, o mundo acontece mesmo e principalmente com os olhos virtuais fechados.

Como toda salsinha tem seu dente, todo anel tem seu Smeagol. Ele não desistiria. Os amantes do metal são os mais fervorosos que existem, agora aliar rock e mulher é quase uma antimatéria. Um boom iminente, seja pra qual lado for. Ele tentaria de tudo. Rastrear o blog. Tentar localizar de onde ele era criado. Mandar emails com fotos de todos os posts com um cartaz dando 10 a todas as performances.

Inventar que todas as transas que fez foi ao som das músicas que ela colocou, que ela profetizara os momentos mais deliciosos dele. Que era fã número 1 – aqui o desespero já se mostrara em metástase -  que se mataria caso não respondesse. Que ficou dois dias sem escrever porque a tentativa de suicídio dera errado.

Compôs e gravou uma canção em homenagem a ela e que desafinara porque a emoção era maior. Explicou cada letra que ela postara e fez uma alusão bizarra entre os dois, provando que nasceram um para o outro, esse aqui até provocou um sorriso nela. Paixão fulminante. Deveria haver uma chance e houve... (continua).

quinta-feira, 30 de maio de 2013

FRANKENSTEIN DA VIDA

Saber resusscitar situações deveria ser um dom das pessoas. E àqueles que têm isso, eu reverencio...


quarta-feira, 29 de maio de 2013

ZÉ COLMEIA E OS SOLDADINHOS DE CHUMBO

Muitas vezes a verdade não é o melhor caminho. Essa é uma daquelas histórias que endossam a mentira, que provam que o engano às vezes é a melhor solução.

Vamos chamar a menina de Carla, para preservar a identidade da protagonista deste relato. Carla adorava dançar, tanto que acabou matriculada em aulas de dança junto com a vizinha, mais madura, e que já sabia atravessar a rua sozinha.

Como de praxe, todo ano havia uma apresentação de fim de ano. Era um conto de fantasia, com princesa, soldados, bichos etc. Alvoroço. Quem seria a princesa? Quem seria a princesa? Dentre as várias meninas, nossa protagonista e a amiga ficaram como coadjuvantes, fariam ursinhos que dançariam com os soldadinhos de chumbo.

Ao chegar a fantasia, uma sensação de desconforto tomou conta da dançarina. Aquele ursinho marrom com orelhas redondas e enormes estava mal modelado. Tudo bem, o mais importante para ela era fazer o seu melhor em nome da arte.

A noite transcorreu bem e para todos os pais todas as filhas eram a princesa da noite e roubaram a cena no palco.

30 anos depois. O ursinho cresceu.

A irmã tinha uma enteada que seguia os passos da pequena bailarina de décadas atrás. E, coincidentemente, encenaria a mesma obra de anos passados. Sim, O QUEBRA NOZES estaria mais uma vez na vida do ursinho, porém Carla só soube disso durante o espetáculo.

Peça muito bem montada, uma produção competente, de fazer a moça querer voltar no palco, mesmo que seja como... Como... Não podia ser! Mas a verdade chegava nua crua. Na cena dos soldadinhos de chumbo, não eram ursinhos que dançavam com eles, porém ratos. Isso mesmo ratos, cinza e de orelhas grandes e redondas.

Os olhos não enxergavam a montagem da mesma forma. Será? Será que houve uma adaptação? Mas não. Soube naquele exato momento que os ursos nunca apareceram na obra, não faziam parte dela. Por toda vida, uma das únicas experiências que teve no palco não foi como urso, foi como rato mesmo.

Ratificou que a confecção da fantasia era porca, de um mau gosto exagerado. Teve nojo de tudo, e, principalmente, de si mesma. Um rato???

O que aconteceu depois disso não saberemos, mas dizem que, na primeira sessão de terapia, ela começou a conversa dizendo que Zé Colmeia tem uma importância bem maior que o Mickey Mouse no mundo infantil, não é mesmo?

sábado, 25 de maio de 2013

CAQUI, AQUI NÃO!

Quando a birra com algo ou alguém aparece, não se carece de explicação ou causa. Acontece  e pronto. Assim como lados bons ocorrem, os ruins também aparecem de modo inesperado, imprevisível e definitivos.

Qualquer ser deste mundo pode relatar casos em que uma empatia boa ou péssima se fez presente. Horas no divã, horas no bar, horas no trânsito, nada seria suficiente ou eficiente para que tudo se resolva da maneira mais lógica possível.

E eis a minha luta contra o caqui. Sim. O caqui. 

Assim como muitas coisas nessa vida me aprazem esse troço de cor de abóbora (aliás, eu a odeio também, um dia minha mãe me colocou uma colher de doce de abóbora à força na boca, porque eu não queria experimentar, tive de cuspir em cima da mesa e devo ter tomado uma surra por isso) me traz mais do que arrepios, me dá a sensação de asco misturado ao cárcere.

E por quê? A briga nem era comigo, foi com meu irmão. Sim. Meu gêmeo, política e irritantemente correto, sempre levava frutas de lanche. Eu também, mas minha maçã sempre acabava no lixo - e espero que minha mãe não leia isso. 

Certa tarde, encontrei com meu irmão no recreio - sempre estudávamos em salas separadas - e ele me disse que ficara sem lanche naquele dia, porque o maldito caqui estourou na mala. E minha curiosidade acabou me afastando dele. Quando olhei os cadernos e livros do meu irmão com aquela gosma nojenta, pensei que fosse vomitar. Mas sumi a tempo.

Anos se passaram e minha aversão a ele, não. Já adulto e lecionando, numa manhã, numa sala com uns 100 alunos de cursinho, eu me deparo com uma cena inesquecível: um aluno com um caqui. Daí pergunto por que, cazzo, alguém levaria um caqui para ser comido no meio da sala de aula? E por que na minha aula?

E não era um aluno qualquer, era daqueles que questionavam tudo. Em determinado momento da aula, ele, com um caqui na mão, já sido abocanhado, teimou em perguntar algo complexo sobre análise sintática. Confesso que nos primeiros segundos eu ouvi a pergunta., mas depois...

Sim, aquela fruta nojenta começou a derreter, e pior, aquela gosma asquerosa escorria pela mão, passava o punho e alcançava o antebraço. Eu não ouvia mais nada, eu não via mais nada, apenas aquele caminho abóbora, aqueles afluentes do inferno a correrem e possuírem aquele corpo.

Quando ele acabou de perguntar - percebi isso, porque o silêncio me acordou -  e não sei por quanto tempo eu fiquei quieto - talvez os alunos achassem que a pergunta fosse complexa demais e exigia uma resposta mais bem elaborada. E não. Talvez tenha sido a natureza, talvez tenha sido a lembrança daquela tarde dos anos 80, a única coisa que fiz foi dizer:

- Enquanto você não sair e jogar esse troço fora e se limpar, eu não vou sanar sua dúvida...

Não foi o tom, nem minha intenção, a sala veio abaixo, e não fiz de propósito, fiz o que qualquer ser ante a sobrevivência faria: lutei. O aluno sorriu, encarou de uma forma mais leve, saiu e voltou. Sentou-se, sorriu e voltou a perguntar. Só então consegui ouvir, naturalmente, a pergunta dele.

Não sei qual seria minha reação, se ele teimasse em morder o caqui. E se ele teimasse em se lamber? E se ele teimasse em lamber os cadernos e livros do meu irmão?!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

O CHEIRA-CHEIRA

Essa mania de cheirar pastas de dentes o perseguia há anos. O homem andava com um tubo no bolso, cheirando sem parar. E não havia limites para isso. Uma bobeada aqui, uma parada lá, o homem enfiava a mão no bolso, espremia um pouco de pasta nos dedos, esfregava os dedos e tacava-os nas narinas.

Nojento? Talvez não, mas de uma bizarrice suprema.Não pelo fato de os bolsos viverem manchados, mas também pelo fato de ele exalar aquele aroma de hortelã com menta. Talvez essa fosse a principal defesa dele contra qualquer asco. Fato é que ninguém, mesmo assim, ficava ao lado dele.

A pergunta que fica é como ele conseguiu trabalhar? Será que o vício é calculado e reaparece em momentos mais seguros? Será que o medo de ser descoberto e não conseguir se livrar do vício não o importunava? Fato é que o cara era o mais bem-sucedido vendedor daquela empresa. Azulejos, pisos, revestimentos.

Não se sabe se os clientes sabiam. Não se sabe quantos sabiam. O que se sabe é todos da empresa sabiam. E não sabiam se os que soubessem não ligavam de saber. Sabedoria demais ou ignorância demais.

E como o obscuro sempre fará parte da vida. Naquela tarde, ele entrou na sala do chefe, com seu cheiro de lavanda revelando o bizarro:

- Aumento de 80% nas comissões e benefícios? O senhor está ficando maluco?

Educado, ponderado e cheirando mais do que nunca os dedos, ele ponderou fatos, planilhas e valores. 90% das vendas entre os 5 vendedores eram dele. Os maiores clientes eram dele. O chefe estava encurralado. Pediu uma semana. Fez contas, revirou o caixa. Não haveria como. Conseguiria apenas 25% e só.

Sete dias depois, chamou-o à sala e lançou a oferta, sabendo que poderia ser irrecusável. O vendedor, pegou o papel com a esquerda, cheirando os dedos da direita. Leu, analisou, pensou e perguntou se aquilo seria a oferta final. Confirmada, ele retirou outro papel da mala: era a carta de demissão.

O chefe quase teve um ataque. Implorou que ele não fosse embora, que a empresa precisava dele e teve de ficar quieto ao não conseguir responder por que não atenderia ao pedido dos 80%.

Em pânico, apelou a tudo e percebeu que não haveria jeito. Enquanto o rapaz saía da sala, teve de escutar a tão derradeira pergunta:

- E como outra empresa conseguiu te contratar com esse vício terrível?! Não percebe quão incômodo você é a todos daqui?!

O silêncio foi a pior resposta. Ele não sorriu nem esboçou uma cara de reprovação, fato é que hoje, o nefasto triplicou as vendas da Colgate.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

DEUS E O AMOR

E se Deus pudesse falar algo sobre o amor, pararia em frente ao mundo, abriria os braços:

“Eis a luz que move o mundo. A mesma luz que um dia imaginei ser dono, mas, que de uma forma ou outra, não me pertence. A luz que me ofusca, a luz da vida nunca pertenceu a mim. Não me sinto forte na peleja. Seria louco, um gardingo inexperiente, cego, alvo fácil contra o único sentimento criado pelo homem.

Fala-se de dignidade, de honestidade, de união, de caridade, de benevolência e de se dar a outra face. Mas o que são todos esses sentimentos criados por mim sem o amor do homem? O verdadeiro amor de alma e de mente. Milhões de anos se passaram, e outros milhares virão, e nenhum, nenhum sentimento tem o poder que o amor traz.

Entrego a vocês o amor, sou porta-voz dos valores dele, eu, considerado o Pai do universo, tutor de todas as almas, me rendo ao mais digno, o mais honesto, o mais coeso sentimento do mundo.

Eu, que criei o universo, não fui capaz de criar o verdadeiro amor, a ele me rendo. Eu, esperança, coloco no amor a minha, de que viver ainda pode ser uma viagem interessante e de que, se amar não é eterno, eterno é quem ama; e que sejam eternos os amores do homem, porque amar uma vez não é sagrado, é um privilégio.

Duas vezes é ter o sol a brilhar para sempre, é saber que a luz existe em si, como parte do próprio coração, como se a vida nascesse novamente. Mas é hora de ir, e aprender melhor sobre tal matéria.

E se cada um possui o próprio anjo, vou atrás da luz. Vou onde a luz estiver, vou onde o sol me guiar, um girassol do amor; eu, Deus, sombra da chama do mundo”.

 

 

 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O CICLO

O menino ficava toda tarde olhando o pai martelar pregos, serrar madeiras e soprar serragens. Não perguntava coisa alguma. Mal conseguia respirar ante o pó, mas ficava ali, de olhos vidrados, assimilando todos os movimentos que pudesse assimilar. E foi assim por dias, e foi assim por meses.

Certa manhã, o pai escutou martelos, pregos e serrotes. Correu até a marcenaria e se deparou com o menino, repetindo os mesmos movimentos do pai.  A mesma rotina, até a respiração era igual. Foi a vez de o pai sentar e observar. Talvez a criança não o tenha percebido, até acabar o trabalho e perguntar:

- Ficou bom assim, pai?

Sorrindo, ele se aproximou, examinou os cantos, os encaixes e sentou, comprovando que era uma cadeira perfeita, confortável, pronta. Ele poderia ter elogiado e dito que foi um dos melhores móveis que já viu. Mas preferiu o silêncio. Apenas passou a mão na cabeça dele e começou a lixá-la para envernizá-la depois.

A criança não entendeu. Voltou a sentar porque teve a certeza que algo passou-lhe desapercebido. Viu os movimentos do pai, que, ao acabar, deixou a cadeira à mostra. O menino levantou, agachou-se e passou o dedo minuciosamente no trabalho do professor. Calou-se. Talvez tenha percebido algo, talvez teve a certeza de que nada havia a acrescentar.

Naquela mesma manhã, a cadeira foi vendida. O senhor elogiava a elegância e o conforto, que nunca na vida tinha sentado numa daquelas. Mesmo que o marceneiro tenha enfatizado o verniz, pouco seria ao comprador. Atento a tudo, o pai olhou-o com um certo inconformismo. O menino sorriu, mas não teve o mesmo olhar de volta.

No dia seguinte, ele estava sentado, mas o pai não era mais natural. Olhava a criança a todo instante. O martelo caía, os pregos caíam, a serra não serrava, o pó impregnava. E o menino chorou. Todos os sonhos que circundaram aquele homem estavam no chão. Todas as esperanças com que a criança se proveu esvaíam-se. O ídolo era de farrapo.

Ele se levantou e viu o pai debruçado na própria inércia. Foi até ele, devolveu o martelo, recolheu os pregos e saiu. Duro não foi saber que os super-heróis muitas vezes são humanos, duro foi ter de reconhecer que o seu ídolo era menor que o 1,10 que o fã possuía. E pior, duro foi ver o avô comprar a cadeira e ter a certeza de que o pai também era filho e também precisava da aprovação paterna.

terça-feira, 21 de maio de 2013

40 ANOS DE ESPERA

Eram muito jovens e prometeram se amar para sempre. Porém, no meio do caminho, uma viagem o tira da cidade. As cartas acabam sendo o único elo entre os dois.

O emprego na capital proporcionou mais do que salário, proporcionou gente, situações e lugares. E nesse acaso, encontrou uma mulher linda, no exato momento que respondera à última carta.

A moça havia mandado mais três, sem sucesso. Desesperou-se, mas se apegou a se preservarem até quando pudessem.

E o rapaz namorou, noivou e se casou. Com o ótimo emprego, trouxe os pais para morar num bairro próximo. Talvez o inconsciente mandasse para que nunca mais voltasse a se encontrar com seu passado.

Nunca mais soube da promessa, nunca mais soube da menina.

No aniversário de 40 anos de casamento, a esposa perdeu o ar. Sentou-se depois da primeira valsa. E caiu durante a festa para nunca mais levantar. Um enfarto fulminante.

Filhos e netos choravam a morte daquela mulher exemplar.

Aos 65 anos, ainda jovem e elegante, viu-se só. 10 meses depois, e numa tarde de domingo cinza, remexendo a memória, lembrou-se da promessa e da moça, linda por sinal.

E aquele instinto de curiosidade acendeu-o de novo. Naquele mesmo dia, preparou a viagem de 3 horas para o seu passado.

Fazia sol, quando entrou naquela província. Nada quase havia mudado. Todos olhavam furtivamente ao belo carro preto, que contornou a praça da matriz e parou na primeira rua à esquerda.

O número era o mesmo, mas a casa estava mudada. Linda, com um jardim maravilhoso, o que ratificava a predileção dela por flores. Ele desceu, tocou a campainha e viu que aqueles olhos azuis estavam lá.

Ele sorriu e ela devolveu. Ele a beijou na mão, ela retribui o carinho. As juras de amor voltam, ele sorri e se prende a ela de novo. Ele a pede em casamento. Ela aceita com uma condição, para compensar os anos de espera: que seja na igreja da Matriz e que só voltassem a se ver no dia das núpcias.

Ele entende, sorri e prepara tudo. Não obteve a aprovação da família, que julgou a senhora oportunista, mesmo que ele tentasse explicar que nunca mais tinham se encontrado e fora ele quem a procurara.

Ele foi só à igreja, o motorista seria o único convidado. A igreja estava linda. Os sinos dobravam como nunca. Romantismo demais, mais de 40 anos de espera e o amor selava o compromisso dos dois.

Amigos de infância, pelo menos os que ainda viviam, estavam lá. Irmãs, primas, o local estava lotado. Ele entrou e se posicionou. O coral entoou a entrada da noiva, que apareceu de braço dado a um senhor, jovem demais para ser seu pai.

E se aproximaram, mas o par dela não a deu ao marido. O noivo estranhou. Ela beijou a bochecha do par, foi até o noivo, beijou-o na testa e pediu a microfone do padre, anunciando a renovação dos votos do casamento que aconteceu há 35 anos. E todos aplaudiram.

Então teve a certeza de que merecia tudo aquilo. Sorriu um sorriso amarelo, desejou felicidades aos noivos e saiu.

Enquanto voltava para casa, disse ao motorista que nem o mundo dos negócios conseguia ludibriar tanto quanto uma mulher ferida. Fato ratificado pela noiva sexagenária, que morreria virgem e tinha certeza de que, algum dia, a falta de semelhança com seu irmão gêmeo serviria para alguma coisa.



   

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O CLITÓRIS E O GENUFLEXÓRIO

Diria Nelson Rodrigues que toda unanimidade é burra, clichê famoso entre os intelectuais. Poderia falar que os clichês são clichês porque são verdadeiros, mas a máxima de que o dicionário é o pai dos burros não passa de uma tremenda ignorância.

Dicionário é o pai dos sábios, porque burro é aquele que não sabe o significado de uma palavra e não o consulta.

E muitas vezes a ignorância se transforma em burrice e leva certas situações ao ridículo extremo.

Na década de 90, os Titãs lançam uma música chamada CLITÓRIS. Até aqui, sem incentivo a usar o dicionário, naquela época qualquer menino pré-adolescente daria uma aula a respeito.

O problema é que na letra aparecia uma palavra, GENUFLEXÓRIO, o que sim seria um convite a folhear as páginas de um Aurélio ou de um Houaiss. Porém a intuição acaba falando mais alto e berra o equívoco em alto e bom som.

O garoto, chamemo-lo assim, porque tinha 18 anos e, na santa ingenuidade de sua idade, colocou a cabeça para funcionar e conseguiu associar ambas as palavras. Deve ter sido numa noite quente, de insônia e com pensamentos além da Magda Cotrofe.

Sim, achou o máximo a banda paulistana ter usado essas palavras sinônimas. Um dos belos exemplos de como deixar o texto dinâmico, evitando ecos durante o teor. Claro, era isso que a mente tacanha e inexperiente do rapaz conseguiu formular.

E, muitas vezes, a ignorância acaba cobrando seu preço. Durante uma reunião de amigos, uma menina comentou por cima sobre uma consulta dela no ginecologista.

A autoafirmação e o gênio espirituoso do rapaz falaram mais alto e de pronto ele interrompe a conversa e pergunta:

- E tudo bem com seu genuflexório? – silêncio.

A menina perguntou por duas vezes. E por duas vezes ele também devolveu a pergunta. Silêncio. Ela indagou se ele sabia o que estava falando. Ele sorriu e repetiu de modo enfático que dominava o assunto. Então ela foi cruel:

- Alguém traga um dicionário e o faça procurar o que é genuflexório.

Ele já sorria um sorriso amarelo de raiva. E pioraria quando um minidicionário deu o ar da graça:

- É com “g”, ok? Assim que encontrar, por favor, leia em voz alta.

E foi o que ele fez. Durante a leitura, viu-se uma voz miúda, envergonhada e levando-o para longe dali. Ao terminar a explicação, o grupo de lá veio abaixo, as gargalhadas o colocaram no umbral da vergonha.

Se você, leitor ou leitora, não sabe o que significa GENUFLEXÓRIO, deve dar um crédito ao rapaz, que também nunca associaria a palavra ao local onde as pessoas se ajoelham na igreja. Sim, aquela almofadinha colada na parte traseira dos bancos de lá.

Pois é, retomando o assunto sobre os clichês, o sábio Nelson Rodrigues – que deve ter usado muito dicionários - estaria reprovando o constrangimento pelo qual o rapaz passou , com certeza, e concluiria o relato, falando: “só se aprende pela dor”.

E depois disso, o pré-adulto teve a certeza de duas coisas: decididamente o dicionário é o pai dos sábios e é incomum alguém gozar ajoelhado.

domingo, 19 de maio de 2013

ADRIANO JACKSON E O ALGOZ!

Em 1983, eu era todo rock'n'roll. Era posto em xeque pelo Marcelo, meu irmão mais velho, a todo instante. Doutrinado a amar somente o heavy metal. Então, no antigo SOM POP, da Rede Cultura, eu vi uma cena a qual me fez pensar que havia coisas boas também fora das guitarras. Aquele rapaz de casaco brilhante fazendo o Moonwalker, fiquei hipnotizado.

Minha mãe costumava encerar o taco de casa. E quando se chocavam o lustro com as meias, algo convidativo e escorregadio aparecia. Sim. Eu comecei a tentar praticar aquele passo. E, numa tarde, quando estava quase conseguindo, meu mestre e algoz apareceu. 

Marcelo quase me matou. Esbofeteou-me com palavras duras, disse que eu não era digno de escutar rock'n'roll, que eu jamais voltaria a dividir as mesmas músicas que ele e meu gêmeo. Disse que eu era o traidor do heavy metal.

Aquilo me feriu profundamente, chorei sozinho e escondido. Apenas queria tentar repetir aquela dança. Nunca mais tentei. 

Anos mais tarde, dias depois da morte de Michael Jackson, num show da nossa banda, o mesmo Marcelo fez questão que eu cantasse Billie Jean. Cantei orgulhoso, mas não tentei repetir os passos. Talvez eu volte a tentar um dia que ninguém puder abrir a porta.



sábado, 18 de maio de 2013

A HISTÓRIA DE SOFIA

Porque algumas histórias devem ser contadas, justamente pelo simples fato de serem lindas. Justamente pelo simples fato de que minha atenção sempre esteve acesa, sempre...


sexta-feira, 17 de maio de 2013

MADEIXAS & MAGAL

O simples fato de se ter um ídolo pode mudar a cabeça de uma pessoa. E aqui não entra intelecto, cultura, entra mesmo a química. E se descarta a idade do fã, amor não se mede pela idade, não se julga, amor apenas se sente. Não importa quem se ame, importa era que a  menina, loirinha, de olhos claros esbugalhados à vida e a tudo, quase teve um surto quando se deparou com o Sidney Magal.

Aquele cigano, amante latino, de quadril fácil e molejo solto, deixou a pimpolha de apenas 9 anos com algo a mais. Não que ela alcançasse o tamanho daquela emoção, que foi mudando ao longo da puberdade, fato é que a garota ficava vidrada e cantando tudo que saísse da boca daquele homem.

Ratificando a máxima do "amor não se explica, amor se vive", certa tarde estava a guria en frente ao TV, vendo um infantil qualquer. Quando apareceu um palhaço conversando com a câmera, dizendo: "Você, menininha de vestido azul" - ela quase teve outro surto. Era a cor da sua roupa. "Você, sim, você, feche os olhos e peça o mais lindo dos seus sonhos, que ele vai se realizar".

Num salto, ela travou as pálpebras vívidas e, como nunca, desejou conhecer de perto aquele deus latino. Sabia que seria possível, porque se aquele palhaço acertou a cor do vestido, tinha de falar sério sobre sonhos, porque com sonhos não se brinca, sonhos são o alimento da vida.

Os anos se passaram. Óbvio, os sonhos mudam, mas o amor pelo cantor continuava. Tudo bem que não era mais aquele amor amor. Mas ainda assim era amor. 

Mais de 30 anos depois, hoje, a sonhadora com seus quase 40 anos e o ídolo com seus quase 60 - não se colocavam na mesma intensidade nem em qualquer plano de prioridade que fosse. Porém a vida é apaixonante porque o bizarro existe.

Estavam a loira, profissional exemplar, de um intelecto soberbo, e seu marido numa festa de casamento. A música ao vivo não deixava convidado algum sentado. Serelepe, a menina mexia as madeixas Kerastase de um lado a outro.

Em determinado momento. O pai da noiva interrompeu a dança, foi ao microfone e convidou alguém ao palco. Parece que os aplausos e gritos vieram em seguida, antes mesmo de Sidney Magal pisar o local. Suor. Choro. Tremedeira. Pânico. Tudo aparecia numa onda quente e, ainda que frívola, mágica. 

O chão sumiu. Ninguém, muito menos o marido, sabia que o ídolo dos anos 70 agora fazia bicos em festas bacanas. Ninguém, muito menos o marido, sabia também da paixão, quase - repito - quase platônica da esposa por aquele amante latino.

E ele veio, rebolando um quadril enferrujado, mas os olhos negros eram os mesmos, bem como a voz rouca e grossa. A mulher deixou de ser mulher, passou a ser pré-adolescente. Aos poucos, enquanto todos dançavam e sorriam, foi se aproximando do palco. Lentamente. Olhando para ele, lentamente. Subindo as escadas laterais, lentamente. Chegando perto do ídolo, lentamente.

E a festa toda percebeu a movimentação. O artista percebeu a aproximação. Sorriu e recebeu outro de volta. Ela foi se aproximando. E, num claro e suave movimento, abraçou-o como criança. E permaneceu assim até a música acabar.

Todos aplaudiram a ação dela, até mesmo o marido. Dizem que ela saiu de lá sorrindo. Um sorriso ingênuo. Dizem que o Magal cantou mais duas músicas, porque o suor e a idade o impediram de mais. Dizem tantas coisas, que - muitas vezes - há quem creia nelas. Até que creia em palhaços e sonhos.

E naquele dia, depois de 30 anos e por três minutos, a menina se fez mulher e, com certeza, foi a melhor Sandra Rosa Madalena que Sidney Magal já encontrou nessa vida.

terça-feira, 14 de maio de 2013

EU TAMBÉM QUERO!

Crescer com irmãos é uma experiência que nem todos podem ter. Existem lados positivos, existem lados negativos. No meu caso, foi mais bom que ruim. Posso dizer que as brigas eram naturais, mas a falta de respeito nunca aconteceu. Sem filosofar nem ser piegas ao extremo: crescer entre irmãos glutões é um problema e tanto.

Quem viveu isso sabe das disputas de vida e ou morte por aquela coxinha que sobrou do almoço. Lembro que nas refeições aos fins de semana, minha mãe sempre caprichava mais no menu. Não sei por quê, talvez por ser apenas fim de semana. Fato é que adorávamos, tanto que éramos os melhores incentivadores aos pratos.

O melhor disso tudo é que os gostos eram parecidos, todos gostavam da maioria das guloseimas que minha mãe sacava do fogão. Lembro também que, se houvesse um agrado a mais na mesa – pastéis, coxinhas, empadinhas – tudo o que fosse contável, o ritual era o mesmo:

- 3 para cada um!

Essa era a lei da sobrevivência. E quando se tem amor pela comida – e só quem ama sabe essas coisas – existem estratégias fenomenais para se conseguir algo a mais. Era comum, durante a tarde, enquanto um via TV outro estudava – nesse caso era sempre o Luciano – ou outro estava se deleitando com os LP’s, um dos Paciello escapar para cozinha.

O forno da minha mãe protegia as sobras do almoço, quando sobrava. O mesmo forno entregava o plano de um dos irmãos, quando abria sua porta, o agudo da mola fazia os demais pararem os afazeres e correrem para a cozinha na esperança de, ainda, conseguir um salgado qualquer.

Não me lembro de haver alguma briga, porque os glutões se respeitavam. Tirando o meu gêmeo, que só não está no céu porque o mundo precisa de seres iluminados por aqui, nem eu nem o Marcelo seríamos capazes de pensar no outro. Se a fome fosse forte e houvesse três pastéis seriam esses três pastéis que sumiriam em segundos.

A engenharia da sobrevivência me ajudou a elaborar coisas mirabolantes.

Meu pai não tinha o hábito de consumir salgados. Ele sempre os deixava para comê-los após o prato principal, acompanhado da cerveja. Foram vários fins de semana observando a cena. Quando, num deles, recusei a sobremesa. Enquanto meus irmãos se deleitavam com ela, percebia o titubeio do meu pai.

Hora de agir: “O senhor vai comer esse último pastel?”. Eu já sabia a resposta. E a quarta e mais saborosa iguaria era minha. Só minha. Meus irmãos perceberam e ficaram loucos. Cazzo, todos comeram 3 e por que eu poderia comer quatro?! Fato: a lei da gula.

Comum também – isso já éramos adultos – de regularmos a fome alheia. Marcelo já na faculdade, eu e o Luciano no ensino médio. O mais velho comia na volta. Lá pelas 23h. Minha mãe fazia aquelas maravilhas, sempre com fartura. Marcelo sempre foi bom garfo e se deleitava com aquilo só para ele. Era normal – mais eu que o Luciano – pedirmos que não exagerasse, afinal comeríamos aquele jantar no almoço do dia seguinte.

Foram incontáveis sorrisos, mas havia as lágrimas. Chegar faminto em casa, depois da aula e de um ônibus lotado, e ver abobrinha na mesa era de partir o coração de qualquer ser. Eu sentia um dó de mim quando isso acontecia...

Não sei por que resolvi desenvolver esse assunto.

Talvez porque hoje eu adore abobrinha e porque depois do almoço de Dia das Mães eu tenha deixado meus irmãos com meia torta maravilhosa só para eles.

Talvez porque eu tenha voltado quase meia-noite pra casa. Talvez porque eu tivesse com o pensamento fixo nela, durante todo o caminho de volta, e sorri ao abrir o forno e ainda restar um farto pedaço dela...    

 

 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

AMOR NUNCA ACABA

Falar da amizade de um homem com um cachorro pode ser apelativa. Daquelas histórias clichês que servem para emocionar os tontos que amam bichos, como eu. Mas o que vai aqui é mais do que um desejo, é apenas um possível conto de fadas.

Quem tem cão sabe que existe apenas um dono a ele. Independe se você o alimente, brinque com ele, esse anjo fará festa para quem merece, para quem não merece. Comportamento único, inigualável.

Endossando o clichê de melhor amigo do homem, fato é que ambos eram unha e carne. Passeavam juntos, brincavam juntos. Assistiam a programas juntos, até liam juntos. Dividiam o mesmo biscoito.

Mas os caminhos dos dias muitas vezes acabam trazendo bifurcações inesperadas. A vida das pessoas não é tão perfeita e simples como a de um cachorro. Nem sempre estarão juntas nem sempre quererão as mesmas coisas nem sempre terão os mesmos sonhos.

Com certeza é uma complexidade em demasia ao cão, cuja vida é bem simples, amam e ponto. Endossam Nelson Rodrigues na máxima de que o amor não acaba.

Tomaram caminhos inversos.

O que ficou foi a saudade e a certeza de que realmente o anjos entendem de amor, tanto os de quatro patas como o pernambucano.

O que ninguém sabe é que, todas as vezes que pode, o dono tenta esticar o olhar para tentar ver seu amigo. Mas, o que ninguém realmente sabe, é explicar por que muitas vezes o cãozinho senta à porta esperando que ela se abra, nem que seja apenas mais uma vez...  

quinta-feira, 9 de maio de 2013

GIGANTES DA HISTÓRIA!

Sempre acreditei que as histórias são contadas pelos vencedores. Talvez por conveniência, talvez por algum final com uma mensagem moral profunda. E, mesmo sendo um final triste, ainda assim, vencedores.

O que se segue aqui pode ser apenas uma grande coincidência, mas como também prefiro falar que coincidência é o destino que perdeu a agenda, ou uma grande ironia - até o fim de relato devo realmente ressaltar que são os vencedores que narram os feitos.

Em 2002, comecei minha carreira como professor para concursos públicos. Lecionava já há 4 anos e devo realçar que foi um divisor de águas. Dar aulas a pessoas formadas, com nível superior, me aterrorizou. Quando entrei na sala, havia 90 alunos. Tremia dos pés à cabeça.

Na época, tinha os cabelos compridos e um cavanhaque perturbador. Havia um senhor na primeira fileira, de uns 56 anos, por aí. Ele me olhou de cima a baixo e, com um tom de desconfiança perguntou:

- É você o professor?

E esse mesmo senhor, assim que soou o sinal do intervalo, parou-me e me cumprimentou pela aula. Não, não foi esse fato que ratifica minha convicção. Mas o que se seguiria no dia seguinte. Conheci um senhor também, talvez com os mesmos 56 anos, na sala dos professores. Fiquei sabendo que ele fazia parte da mesma equipe do grupo novo que iniciava as atividades naquele cursinho.

Perguntei a ele se era comum esse tipo de análise, de preconceito contra professores novos entre os que estudavam para concursos públicos. Sabiamente ele sorriu e, de modo sereno, disse: "Bem-vindo ao mundo dos barnabés". 

Soube que fora ele quem iniciara as aulas em um curso que, por 11 anos, aprovou muitos à carreira pública. Fora ele quem dera a primeira aula à primeira turma. O chefe o chamava de gigante. E gigante era pela serenidade e experiência. Aprendi muito com esse senhor. Ele vinha de Campinas e passava o dia todo em São Paulo. Voltava tarde para lá e, de manhã, bem cedo, no dia seguinte - estava aqui.

Como havia várias turmas, era comum que eu passasse o dia com ele e, sempre nos intervalos, falávamos de tudo. Muitos sábados ficávamos com aulas, vésperas de feriados, então, foram várias. Eu o deixava na rodoviária e, no dia seguinte, aparecia com o mesmo sorriso, a mesma energia.

Professor de Contabilidade. Metódico, disciplinado e com uma energia invejável. Impossível subir as ladeiras até o metrô acompanhando os passos dele. Realmente a sua grandeza se fazia presente ali também. 

O que realmente gostaria de dizer não é apenas sobre o exemplo de dedicação dele. O exemplo de disciplina, o exemplo de profissionalismo. Isso tudo fala por si só. O que gostaria mesmo de realçar é que, 11 anos depois, esse curso não existirá mais. Depois de histórias e muita amizade - nunca trabalhei em um local em que as pessoas verdadeiramente se amavam - em junho de 2013, as atividades se encerram e abrem outras oportunidades.

Onde entram os vencedores? Dia 16 de setembro de 2002, esse gigante dá o primeiro "bom dia" à primeira turma. Dia 29 de maio de 2013, esse mesmo gigante falará "boa noite" à última turma. Se há poesia nisso, eu não sei, só sei que ninguém melhor representaria tudo o que os professores da SIGA fizeram nesses anos todos.

Ao senhor, professor Paulino, obrigado, e boa viagem a Campinas. E descanse bem, porque as aulas em junho começam mais cedo...

P.S.: Barnabé é um termo a quem é concursado!

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A COZINHA MARAVILHOSA DE STEPHANIE POWERS

Stephanie Powers
Uma das boas coisas dos anos 70-80 eram, às vezes, as poucas opções que havia na TV aberta. Não consigo me lembrar quando foi a última vez que assisti a um programa com mais de 3 pessoas num mesmo recinto. Mas, quando criança, e olha que éramos um trio, os 5 de casa costumavam se reunir em volta do brilho azul do aparelho.

Normal meu pai ficar louco pedindo silêncio durante os noticiários, que eram vistos na Globo e na Cultura. Comum os 4 pedirem silêncio ao meu pai quando o CASAL 20 estava no ar. Ah, Stephanie Powers, minha primeira paixão. Tinha apenas 9 anos, não tinha a menor ideia do que fazer com ela, mas eu a amava profundamente.

Por meses quis ser Jonathan Heart e me casar com Jennifer Heart... (suspiro).

Normal também os 4 machos da casa quase matarem a minha mãe durante as transmissões de jogos do Palmeiras. O insuportável “não, não, não” durante o ataque do time adversário era de deixar qualquer um louco.

Abro um parênteses aqui – até hoje, em 2013, minha mãe é prova viva de minha evolução na Terra, assistir a um jogo com ela é de se desenvolver úlceras e demais calafrios...

Mas o trunfo dela era quando faltando dois minutos para acabar, com o time numa desclassificação iminente, ela dizer ao vazio: “Eliminado outra vez, alguém quer pipoca?”. Juro que numa dessas vezes vi o meu irmão Marcelo pegar uma faca... Ou sonhei?

E quando não eram os noticiários, quando não eram os jogos ou aquela delícia da Stephanie Powers, Havaí uma coisa que unia os irmãos e minha mãe, a COZINHA MARAVILHOSA DE OFÉLIA, passava todos os fins de manhãs na rede Bandeirantes.

Lembro que, como numa final de Copa do Mundo, e na cozinha – sugestivo e coerente lugar, ficávamos os 4 vendo as receitas únicas daquela mulher. O meu gêmeo sempre anotava as dicas e eu e o meu mais velho praticamente lambíamos o televisor.

Fato comprovado uma vez, quando meu tio Orlando, ao entrar numa visita atípica em plena terça-feira, às 11h30 de um dia de férias escolares, dizer “oi” e receber o silêncio de todos.

Ofélia era uma senhora simpaticíssima, elegante e trazia receitas mais interessantes ainda. E como minha mãe é um Nobel de culinária, posso garantir que o sabor da comida das duas era colossal. E até hoje minha mãe, quando elabora um cardápio fantástico, e isso ela o faz com frequência, sempre evoca a grã-mestre do canal 13 de anos atrás.

Antes mesmo de saber o que fazer com a maravilhosa Stephanie Powers, eu sabia o que fazer com as maravilhas que saíam da cozinha de Ofélia. E, confesso: por anos, como aprendi a ser glutão com Ofélia, Stephanie poderia ter sido uma professora e tanto...

terça-feira, 7 de maio de 2013

O SONHO DE WADJDA

O clichê de que se viaja muito com a leitura não será usado nesse texto. Hoje prefiro embarcar nas telas do cinema. Adoro ver filmes de culturas diferentes para ver lugares que, talvez, eu nunca visite. Longas que trazem cidades, países distantes dos roteiros turísticos, me dão um prazer estranho e convidativo.

Assisti no último sábado ao primeiro filme rodado e produzido inteiramente na Arábia Saudita, O SONHO DE WADJDA, que também teve sua direção sem precedentes por uma mulher, é daquelas histórias que você se encanta apenas com a sinopse dela. Haifaa Al-Mansour ratifica a visão feminina e diferenciada à arte.

Muitas vezes, a cultura do Oriente Médio nos choca com tanta rigidez e, quando isso é mostrado pelo olhar de quem mais sofre, o inconformismo e a sensação de liberdade e de felicidade ficam mais latentes.

Daí se aliam duas coisas, a visão que vai ao encontro do que aqui já se está acostumado a sonhar e um lugar completamente diferente e tão igual a muitos pelo mundo, dois prazeres, a mim, apaixonantes.

Wadjda  - interpretada pela excelente Waad Mohammed - é uma menina que sonha em ter uma bicicleta - brinquedo incomum e condenável, dentre outras tantas coisas, às meninas e mulheres da Arábia – para disputar uma corrida com seu melhor amigo, o gracioso e leal Abdullah.

Insaciável aos pedidos da mãe – que está num dilema, pois o marido tende a se casar com outra mulher, o que endossa os padrões à cultura árabe – segue a natureza, retardando as vontades da filha.

Wadjda então percebe que teria de se virar. Começa a fazer pulseiras e a vendê-las no colégio. E, como todo sonho basta para nos mexermos, tudo o que faz ela começa a colocar valor. Desde livrar o remorso do melhor amigo, que a fez chorar, até marcar encontros proibidos.

Até que aparece um concurso na escola. Recitar trechos do Alcorão ou dar o significado correto das palavras contidas nele – a pequena encara. A bicicleta – que ela, com sua simpatia com o proprietário, consegue reservar para si – custa 800 riais (rial) e o prêmio, no valor de mil, financiaria um sorriso iminente.

O sonho ganha mais força de se realizar.

Mais do que uma simples corrida entre amigos, o filme retrata a opressão que a mulher saudita sofre, e o que é pior, muitas vezes com a fomentação delas mesmas. A começar também pelo cinema, não existem salas oficiais por lá, isso significa que a história passará apenas em outros países.

Se Wadjda – cujo sorriso é cativante e a determinação, invejável - conseguirá realizar seu desejo, não me cabe aqui revelar, mas cabe a mim dizer que a língua única da felicidade é entendida nos quatro cantos do mundo.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

SANTA VOVÓ SANTA!

Muito fácil de identificar a caricatura: não perdia uma missa, cara de vovó – modelo de quem faz bolo da fazenda – dava água aos pedintes e comida aos famintos, sempre devolvia as bolas caídas no jardim, mesmo estragando as flores, as melhores prendas à igreja vinham dela, uma santa.

O nome não nos é importante. Importante mesmo é saber que todos queriam aquela senhora como avó, mãe, sogra etc. Por anda andava, dava para se ouvirem os anjos, em mi bemol, entoando em uníssono a santidade em pessoa.

Não teve filhos, não casou ou sequer namorou, dedicou sua vida ao voluntariado e à caridade. Santa.

Fato é que ela começou a liderar – faltava isso para o currículo em prol de sua canonização – uma campanha para encontrar um suporto assassino de cães pelo bairro. Mesmo que a senhora tenha sido mordida por um, quando criança, ainda assim ela deixava de lado o trauma e defendia a causa dos bichinhos.

Estava empenhada em desvendar quem jogava carne envenenada a quem tivesse quatro patas. Mais de dez cães tinham sido mortos em uma semana. As pessoas trancavam os pobrezinhos em casa, mas, de uma forma ou outra – e não se sabe como – eles apareciam mortos, assim mesmo, sem carne...

Aos 81 anos, ela entrava de casa em casa, liderando um grupo de 20 para explicar os fatos e dar dicas de como proteger os indefesos.

Mias de quinze dias de campanha, e os cães continuavam morrendo. Houve até uma intromissão no domingo, durante a missa, para que os cuidados fossem passados e as dicas seguidas. A boa velhinha, com a voz trêmula de dor e incompreensão, quase teve a voz falha, mas conseguiu, sob uma ovação ferrenha, ratificar a campanha.

E pela primeira vez na vida, ela não conseguiu êxito. Todos, exatos, todos os cães do bairro, exatos 30, estavam exterminados. Uma comoção generalizada. Em memórias de todos os dóceis amigos, houve uma passeata-procissão, com a santa e São Francisco de Assis liderando as canções.

Havia velas brancas nas mãos de todos. As lágrimas lavavam a dor e colocavam naquela mulher toda a bondade possível desse mundo.

E o relato termina aqui. Jamais saberemos quem matou os cães. E como o assassino conseguiu, mesmo com os bichinhos presos dentro de casa.

O fato curioso é que, coincidentemente, todas as casas visitadas, todas as famílias que abriram suas portas ao grupo e seguiram as orientações dele, tiveram suas crianças mortas. E que sirva de exemplo: todos deveriam amar os animais, todos, pois até aquela santa - que deveria odiar cães pelas lembranças do passado - os amava...

domingo, 5 de maio de 2013

UM BRINDE À CRIATIVIDADE!

Dentre todos os talentos existentes, a criatividade sempre me fascinou. Tento lidar com ela todos os dias escrevendo os textos aqui. Mas hoje deixo para a estupenda Clarice Falcão e sua música única, OITAVO ANDAR. Brilho puro!



sábado, 4 de maio de 2013

CORTANDO AMARRAS...

Estava sozinha há meses. Depois que o marido saiu de casa, nunca imaginou levar a vida assim, sozinha e bem, surpreendentemente bem. O medo de entrar em casa e ser recepcionada pelo vazio nunca apareceu. Percebeu que as boas-vindas sorriam ares de paz.

Namorava há umas duas semanas, mas não estava em seus planos encurtar tanto as distâncias. O trauma da separação muitas vezes, num canto da mente, latejava uma incômoda intromissão.

Não tinha irmã, não tinha irmão. Os pais estavam separados há anos. Ele, na Argentina, a mãe, no Sul. Viviam todos em perfeita harmonia e ratificavam que a distância se tornava conveniente a todos. Durante esses meses todos, falavam-se com mais frequência que o habitual.

A mãe sorriu quando soube que a filha começava outra tentativa, sorriu porque ouviu que nunca esteve tão feliz e que, pela primeira vez na vida, a filha realmente amava.  Sorriu tanto que numa noite...

- Mãe?!

... Num voo direto de Porto Alegre, trouxe mais que uma muda, decidiu voltar e ver de perto tudo isso.

- Passaremos um belo tempo juntas, como há muito não fazemos, filha!

Tudo bem que a menina contava 31 anos. Tudo bem que o fim do casamento não foi algo aterrador. Tudo bem que ela nunca reclamara de ter de morar sozinha e, nada bem, que a filha não convidara a mãe para isso. Se nem o namorado tinha subido lá, por que a mãe deveria morar lá?

De pronto, elas se abraçaram e saíram para jantar. A menina não sorriu naquela noite na cama, Uma ponta de preocupação se instalou, mas preferiu não fomentar o caos. Mandou e recebeu um sms do namorado e dormiu.

Pela manhã, o café estava pronto. Mesa posta, linda, pães, frutas e frios. Mesmo que ela só desse um gole no café e perto do trabalho, seria uma desfeita não comer com ela. E  assim o fez. Ficou sem almoçar naquele dia.

Emendou uma peça de teatro à noite com o namorado. Na saída, havia 15 ligações da mãe. “Não vem jantar?”. Não se lembrou que tinha de dar satisfação. Para compensar, teve de levar uma marmita ao trabalho com o jantar. A tia da faxina adorou o estrogonofe do Sul.

Os cafés se repetiram e os almoços não. Viu-se numa situação péssima, desabafando com o namorado. Seria maldade desejar a mãe longe? Seria a melhor e mais útil forma de amar?

No sábado, ela acordou a filha às 9h. Queria caminhar no parque Do Ibirapuera e almoçar no terraço Itália, mesmo que não tenham combinado, surpresa sempre é bom. E lá foram. A mãe percebeu o silêncio da menina, mas não se intimidou, havia assuntos diversos, enfadonhos, mas estavam lá.

Disse que estaria bem em casa sozinha, mas que não viesse tarde. As 20 ligações, entre meia-noite e duas da manhã fizeram a menina ligar, dizendo que só voltaria no fim da tarde do domingo: mais uma marmita à tia da faxina.

Visitas a amigas de infância, as poucas que ainda viviam. Idas às duas igrejas, a do casamento de décadas passada e à da primeira comunhão da filha. Visitas inesperadas ao trabalho. Bolo de fubá às amigas do escritório. Todos queriam aquela senhora para si, menos quem a teria por direito.

3 semanas e o inferno estava instaurado. Ela não queria mais. Começou a ficar deprimida e se aproximou ainda mais do namorado. Não dormiu em casa num dia, nem no outro. Não sabia quanto tempo mais conseguiria.

Quando completou um mês. Chamou a mãe, sentou-a no sofá e comunicou que poderia vender aquele apartamento, porque pertencia à família, pois estava se mudando para junto do novo amor. A mãe não chorou, sorriu.

E foi antes da última descida com as malas que a mãe lhe puxou pela mão, abraçou-a e disse:

- Se você tem certeza de que o amor apareceu, não perca seu tempo sozinha...

Duas semanas depois, a mãe voltou para Porto Alegre. O apartamento estava fechado, não foi vendido, não foi alugado. Estaria lá para se o infortúnio aparecesse ou para, caso necessário fosse, a mãe voltar e instigar a filha a ser feliz.


sexta-feira, 3 de maio de 2013

DOSTOIEVSKI E A SOPA

Adorava sair às ruas e ver a expressão das pessoas apenas para testar seu poder de observação. Era comum encará-las e tentar desvendar qual dor e qual alegria seria a causa daquele semblante. Nos carros, no metrô ou ônibus, um prato cheio.

E melhor quando conseguia comprovar que estava certo. Como da senhora que regava as plantas todo fim de tarde porque era sozinha e percebeu, semanas depois que a filha estava de volta, várias delas secaram.

Ou quando costumava ver o mesmo rapaz comprando balas porque encontraria a namorada logo depois. Torceu para não ser mau hálito, apenas um capricho.

Tanto tempo observando pessoas porque sempre teve medo de observar a si mesmo. A idade permitia isso, a solidão permitia isso. Aposentou-se há quase 10 anos. Sem filhos nem esposa ou irmãos nem amigos. Decidiu fazer da observação sua melhor companhia.

Desenvolveu um ritual por anos a fio. Levantava-se, fazia o café, lia todo o jornal. Tomava um banho, punha um tênis bem confortável e saía. Muitas vezes um cinema, outras um museu, um parque, um mercado.

Ah, os mercados eram sua atração favorita. Percebia os compulsivos, percebia os solitários. Muitas vezes preferia o mesmo horário e escolhia as personagens e enquanto não comprovasse sua tese, 100% de acertos.

Voltava pra casa sempre às 18h. Tomava outro banho, fazia a sua sopa, devorava-a com torradas ouvindo as notícias do rádio. Assistia a um filme e depois, cama. De domingo a domingo.

Nunca levava o celular, porque queria chegar em casa e ver quantas mensagens não haveria por lá. Mesmo sabendo que alguém não ligaria, fazia parte do seu ritual.

Na agenda do aparelho, o dentista, o cardiologista e os números úteis. Não sofria porque não estava em sua rotina, não se divertia porque não estava em sua rotina. As pessoas, de longe, sim, todas poderiam se encaixar em sua observação.

Talvez tenha sido o livro. A menina não tinha idade para Dostoievski. Aquilo o intrigou. Foram duas voltas e ela continuava por lá. No dia seguinte, ele voltou e a viu novamente. Com o mesmo livro. Conseguiu um recorde de 7 voltas. A menina continuava por lá.

Solidão na adolescência é comum. Mas ela era linda. Um caso de rebeldia foi descartado. Não havia celular a sua volta nem fones de ouvido. Apenas o livro. Sentou-se de longe e a observava. Tentou tudo que pudesse reunir. Nada. Saiu.

Tomou a sopa com a menina, ouviu o rádio com a menina e mal leu as legendas do filme, porque a menina não deixava.

Voltou no dia seguinte. O russo e ela por lá. Outras sete voltas. Talvez daria a oitava, mas foi no início dessa que a menina parou e olhou para ele, que paralisou. Ela sorriu e ele não sabia o que fazer. Ela o convidou para sentar. Ele não saiu do lugar.

Ela se levantou, deixou o livro no banco, pegou-o pela mão e disse:

- Talvez sua sopa hoje saia mais tarde.

Preferiu o silêncio e sorriu de volta. E teve a certeza de que nunca esteve sozinho.