terça-feira, 11 de agosto de 2015

A BOLHA!


O problema às vezes é apenas acordar. Sim, enquanto dorme, nada atrapalha. E foi assim, e é assim, e será assim. Choveu o dia todo e isso não seria grandes coisas ao cara, acontece que no fim daquele sábado, ele, ainda de pijama, estava em seu escritório fuçando algo na internet – quando escutou uma gota, sim.


O barulho seco e breve no obsoleto carpete castor entregava o que viria a se tornar num tormento inesquecível. Imediatamente ele olhou pra cima e viu que do teto, pelos cálculos dele, de dois em dois minutos, intermitentes pingos brotavam lá de cima.

Tudo bem que o vizinho certa vez avisou que, morando tão perto de árvores e o vento e as folhas secas um dia cobrariam esse preço. Ele imaginou que nunca precisasse limpar as calhas, e – naquele exato momento – soube que tinha aberto uma torneira à preocupação.

A chuva não cedia e não havia como remediar de modo breve. No teto branco, uma pequena veia e uma destemida gota. Claro que o homem ficou horas olhando para o teto e percebeu que o intervalo entre as gotas caía de dois para um minuto e meio.

A veia pareceu dilatar. Pareceu não, dilatou mesmo. O lado bom é que as gotas pararam. Com dor no pescoço, ele preferiu ignorar aquilo, saiu do quarto e imaginou-se em outro lugar. Por um milagre, esqueceu as gotas e se entreteve. Adormeceu.

Era madrugada, quando os trovões, incessantes, o acordaram. Ele tentou virar-se, mas se lembrou das gotas. Foi até o quarto, acendeu a luz e percebeu que a marca deixada pelas gotas estava quase sumindo. E ainda sorria quando olhou para o teto e viu aquilo. Não podia ser. E era.

Uma bolha, sim, uma bolha gigantesca, um alien pronto para ser parido. Algo aterrorizante. Ele ficou paralisado, sem ação, e como aquilo fugira do seu controle, a boca secou e ficou amarga, o coração saltou. E a pergunta que não poderia aparecer: para onde iria toda aquela água?

De imediato, retirou os eletrônicos do quarto. Afastou a mesa, claro de um modo tão ordenado que nem mesmo o caos poderia afetar a logística perfeita do cara.

E a bolha crescendo, cada vez mais, a olhos nus. As mãos suadas, o coração acelerado, mudar o ritmo intenso daquele jeito era desesperador. E a bolha crescendo. E ele esperando pelo pior a qualquer momento. Correu para forrar o carpete. Conseguiu plásticos sabe-se lá de onde e forrou o chão, a mesa, os eletrônicos e tudo o que no quarto pudesse ser forrado.

E a bolha crescendo. Até tentaria procurar uma oração pra bolha ceder, mas a internet estava coberta. Torceu para a bolha sumir, mas, ao invés disso, assumia proporções inimagináveis. Até pensou colocar uma capa de chuva e furar de uma vez, porém aquilo não estava em seus planos.

Foi quando a esposa passou e o viu, às 3h, sob uma chuva forte, sentado, esperando pelo parto. E sabendo que aquilo não mudaria, ela pegou uma escada. Colocou no quarto, subiu até a bolha e, antes que ele dissesse um “não!” que acordaria o mundo, furou uma bolha de ar. E o berro acordou a todos, até mesmo os dois.

Um pesadelo dos infernos aquele. Chovia muito ainda e ele realmente se lembrou do pinga-pinga do quarto ao lado e, num salto, foi até lá. Acendeu a luz. Olhou para cima. Não havia bolha alguma, toda a água que pudesse estar lá já havia se esvaído, junto com o gesso do teto, que cobria, neste exato momento, o quarto inteiro.




terça-feira, 4 de agosto de 2015

SARAMAGO E O IATE QUADRICULADO


Quem diria que aquele site de relacionamentos poderia ser um viés de resgate ao pobre coração sofrido. Anos depois de terminar o último relacionamento, ele se aventurou pelo mundo virtual para tentar tornar real algo que jamais pudesse imaginar.

Não soube precisar quantas foram as conversas, porém estava convicto que depois de tantas afinidades e compatibilidades, que seria o momento crucial para se conhecerem. Tomou coragem naquela noite e fez o convite. A resposta imediata foi o melhor indicador para comprovar que estava no caminho certo e nunca se viu tão apaixonado.

Nunca em tanto tempo sentiu aquilo e sorriu pela primeira vez o sorriso da vida, o sorriso da cumplicidade, o sorriso da alma.

Ela apareceria com um livro do Saramago na mão, ele estaria com um Iate quadriculado. Escolheu esperá-la na Paulista com a Bela Cintra, ao lado da igreja São Luís. Ansioso, chegou uma hora antes, agendar o destino merece um ritual saboroso, uma paciência tibetana. Preferiu degustar o clima, as cores os aromas.

E aqueles 17 graus eram convidativos.

Deveria estrar no terceiro chiclete, quando levantou os olhos e viu uma mulher magnífica. De repente, tudo ficou escuro, tudo o que tinha cor, ficara cinza, e somente ela era aquele ponto vermelho entre tudo.

Ele parou. Ela parou.

Nada falaram. Ele ficou estático. Ela também. Ele deu um passo à frente. Ela o imitou. Beijaram-se sem uma palavra sequer trocada. Tudo sumiu da mente dele. Ele só pensava que tinha de ter aquela mulher. Ele a quis como nunca. Ele a beijou como nunca.

A moça do livro?

Poatz... Ele nem pensou nela, mesmo porque ela estava entretida demais, agora, beijando o amor da sua vida, que estava de tênis quadriculado, mas ela nem teve tempo de olhar pra baixo.