terça-feira, 26 de janeiro de 2016

TEOBALDO, O DOG ALEMÃO, E O ANÃO


Ter um tio anão era algo bizarro. E ter um tio anão com um dog alemão de melhor amigo beirava o nefasto. Agora dizer que o tio morreu conseguiu atingir um status inominável ao fato.


A irmã teve de providenciar um caixão de criança e decidiu fazer o velório em casa. Além de parentes, amigos e vizinhos, a imprensa pela primeira vez noticiaria a morte de um anão.

A causa do óbito não nos interessa. Fato é que, num momento de corre-corre, o sobrinho entra na sala e não vê o corpo do tio.

- Mãe, o Teobaldo levou o tio para a casinha dele.

Sim, Teobaldo era o dog alemão. A dor lhe era a mais intensa daquela casa, o problema era tirar o dono dele. O bicho se postou lá dentro, colocou a pata esquerda em cima do corpo e por lá ficou uivando e chorando.

Permitam-me uma pausa e desculpe-me pelo clichê – que só é clichê porque é verdadeiro – seria cômico se não fosse trágico. Um morto como brinquedo do cão. Ninguém dos mais próximos conseguiu tirá-lo do Teobaldo, que rosnava e latia ferozmente a quem tentasse tal bom senso.

Convidados chegando, imprensa já na porta, e a notícia não tardou, o mundo correu para o quintal e viu aquela cena inusitada. O cachorro, coitado, chorando a morte do amigo e comovendo a todos.

Pensaram em dardos tranquilizantes, mas a pintura era tão pueril, que as pessoas decidiram se ajoelhar e rezar por lá mesmo. Quem sabe o Teobaldo não cansasse e deixasse que o enterro fosse feito.

Duas horas depois, o cão não cedia e ninguém mais poderia intervir naquilo tudo. Estavam exaustos e comovidos.

E foi então que algo ainda mais aterrador aconteceu. Num instante, o cachorro arrastou o corpo para dentro da casinha. Saiu de lá e começou a cavar desesperadamente.

15 minutos ininterruptos e o buraco estava aberto. Ele parou. Entrou na casinha, trouxe o dono para fora e enterrou o corpo dele ali mesmo, sob os olhos incrédulos de todos, que aplaudiram emocionados a atitude nobre de Teobaldo.

Agora seria mais fácil. Um belo osso ao cão, e o enterro decente poderia acontecer. Mas não. O bicho se pôs ao lado do recém-fechado buraco e de novo começou a chorar e a uivar.

Não podemos saber se o tio tem agora tem um túmulo, o que se pode ter certeza é que os acessos disso no youtube passaram de 10 milhões.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O ESPERMOGRAMA



O simples fato de ter de fazer um exame clínico pode gerar situações diversas. São raras as exceções, a não ser que seja um masoquista a alguns deles, que se pode ter prazer com isso. É que o rapaz tinha de fazer um espermograma.

Nunca pensou que tivesse de chegar a isso, mas, pela simples curiosidade de saber se um dia quisesse ser pai, ele teria de pôr em xeque seu poder de perpetuar a espécie.

Não precisou de jejum, porém precisou da abstinência de 5 dias para que o resultado fosse o ideal. Moleza, literalmente moleza. Alugou somente filmes ogros e decidiu que toda noite se focaria apenas em sangue, murros, espadas e qualquer tipo de macheza.

E tal ritual seguiu com louvor durante a semana toda. Apenas a pizza e coisas calóricas e sangue. Sentiu-se orgulhoso por não ter respondido aos 4 sms's tentadores. Julgou-se vencedor, quando ignorou as mensagens no facebook e teve a tentação de tentar olhar os e-mails do Tonicão ignorada.

No sábado, estava logo cedo para acabar com isso. Pela sede, arriscou alguns pensamentos mais libertinos durante o caminho e arriscou uma troca de mensagens mais ousada com duas amigas. Deu certo. Ambas responderam ao apetite apimentado do rapaz de modo quente.

E o medo de não ter êxito rápido foi vencido. Chegou louco ao laboratório. Foi recebido por uma atendente tentadora. Estava pronto. A ponto de bala. Foi chamado para uma sala reservada de espera.

Achou genial colocar mulheres sedutoras para tal.  Isso mantinha um marketing ousado e coerente para tal. Esperou por poucos minutos. Ainda aceso, quando apareceu uma senhora, a cara da avó dele, chamando pelo seu nome e dando as instruções:

- O senhor gostaria de algum incentivo?

Foi o ponto crucial para a queda da bastilha. Tudo o que era fogo virou gelo. Concentrou-se, releu as mensagens. Nada. Revistas, filmes, nada. Tudo o que vinha à mente era a sua avó, e era a ela que ele deveria entregar o recipiente com o material colhido. Como isso? 

Tentou ligar para as mais pervertidas que conhecia - um incentivo oral poderia ser útil - mas o chamado não deu certo, deixou recados. Concentração. Concentração. E o suadouro começou. E as batidas da senhora ajudavam o moral cair ainda mais:

- Tudo bem por aí, conseguiu?

Sentiu-se na adolescência quando a mãe insistia para que saísse do banheiro, mas dessa vez a testemunha sabia de tudo. Suor, suor, suor. Precisava de uma ajuda profissional. Disk sexo! A última solução. Mal a profissional atendeu, ele pediu rapidez e eficiência. Pressão mesmo!

 Ela tentou de tudo. Tudo. E nada. Além de pagar pela ligação, teve de ouvir um sonoro "broxa", o primeiro em sua vida. A avó na sua mente. A avó na sua mente. Quem poderia salvá-lo? Bateram à porta, era a Carminha, ouviu o recado e apareceu por lá. Decidiu dar um cala-boca no rapaz, e ele retribui com afinco.

Tudo parecia fluir bem, até que bateram à porta de novo. Não se sabe o que foi pior, se a voz da senhora, que trouxe a avó de volta ou o:

- Não esqueça que o material com saliva não vai servir de nada, viu?!



terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A PITBULL E O NARIZ ROSA

Em meados de 2005, pra variar, estava numa incursão de uma banda. Ensaios e mais ensaios. Músicos promissores, hobbie promissor. Todos tínhamos nossas carreiras e uma diversão nos fins de semana. Havia químicos, empresários, professores etc.

Todos os sábados, eram 3 horas afinando o som e encurtando shows. Ao lado do estúdio, havia uma fábrica, sabe-se lá do quê. Pois o nome não me vem à mente, mas sabia que deveria ser algo de peças.

Solta, e geralmente na parte da frente do local – talvez para intimidar – havia uma pitbull branca, de nariz rosa e orelhas baixas. Linda. E, para mim, inofensiva.

Estacionávamos o carro do outro lado e, muitas vezes, atravessamos na direção do bicho, que apenas nos encarava e abanava o rabo, traiçoeira ou alegremente, até então era isso que me chegava...

Amo cães, mas nunca tentei uma aproximação maior, a lenda dizia que eram extremamente fortes e agressivos. Ela ficava apenas sentada olhando aqueles semimúsicos com ar de Beatles. Acabamos criando uma convivência longeva, de longe, e respeitosa.

Certa vez, parei o carro, olhei a ela, estava lá com um colar havaiano. “Genial”, pensei, que bela estratégia de marketing. Enfeitar o predador para que algum ladrão burro entre e seja morto com uma mordida na jugular. Parecia dócil e acessível, mas ainda assim, era uma pitbull branca de nariz rosa e orelhas baixas.

Depois de um ensaio, passei na frente da fábrica ao lado. A linda pitbull estava de novo de colar havaiano. Parei em frente, assoviei, ela abanou o rabo e deitou, pronta para um carinho. Por segundos, cri ser o ladrão burro, mas segui a intuição, enfiei as mãos pelas grades do portão e enchi aquela cadela de mimos.

Muitas vezes visamos algo, mas a realidade é outra. Não adianta querer enganar-se. Se conseguir ouvir o bom senso e sua intuição, siga-os. E foi o que aconteceu.

Parte daquela banda se separou, tomou caminho contrário, o que era óbvio. E nunca mais vi uma pitbull de colar havaiano, o que também é óbvio, porém ela foi uma das melhores surpresas e certezas que tive na minha vida.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

POBREZA DE ESPÍRITO

Se miséria existisse, viveria naquela cidade, que mais se parecia com um vilarejo dentro de uma província fincada no nada. Não havia moscas porque não havia carcaças, as mais concorridas da região.

Água, nem de chuva nem do homem. Comia-se o que dava, porque o que mais se fazia por ali era dar. E como se dá o nada? Dividia-se um vazio no prato e um buraco no estômago, mas a fartura no peito transbordava.

Comida nem no imaginário, não se pode ter imaginação sem oxigênio na mente, e o pouco que aparecia durante o sono era logo consumido pelos sonhos. E como se rezava por ali, cantos, orações e terços para um milagre acontecer. E se milagre pode ter outro nome, uma ONG os revelara.

Era um domingo, e não chovia quando aquele caminhão levantou poeira. Outros carros o seguiam. Os olhos fundos nem pensaram, apenas olhavam e não criam. Pessoas lindas, cabelos limpos e cheirosos. E de dentro daquele monstro começaram a sair coisas.

Saíam sacos, saíam garrafas, saíam produtos de limpezas e comida, muita comida. Os quase 300 habitantes não podiam sorrir ou chorar, muita complexidade para tudo aquilo. Só faziam esticar os mirrados pulsos e tentar segurar tanta coisa.

Logo as casas estavam abastecidas, as crianças enfim dormiam pela barriga cheia e não para esquecê-la. E quando pensavam que tudo tinha acabado e que poderiam enfim chorar ou agradecer. Apareceu um TV. Sim, eles já tinham escutado algo a respeito, e agora comprovaram que pessoas e a vida poderiam caber ali.

Reuniram-se em volta para ver qualquer coisa que pudesse e sorriram várias vezes, tocaram a tela outras mais. E por instantes se calaram e ficaram atentos. Não podiam crer que se podia pegar dinheiro de avião sendo atirado ao ar. Sim. Havia um bom homem que fazia isso, linda voz, diriam. E viam que existiam muitos como eles, desesperados atrás de uma nota ao menos.

Então, um grupo se reuniu, uns 10 ou menos. Levantou-se e cada qual foi até seu casebre. Acostumados a dividir, pegaram algo de dentro. Colocaram perto do caminhão, fazendo todos prometerem que ajudassem os coitados que se matavam pelo dinheiro.

Não era justo apenas eles serem agraciados se outros mais também - miseráveis como eles - careciam de atenção. O TV ficou, acabaria muito mais tarde que todos os provimentos, mas tão leve quanto os corpos dos de lá estava a consciência de cada um deles.

Era abril e fazia 33 graus às 21h.