domingo, 30 de setembro de 2012

O DISCO QUE NÃO GRAVEI

O menino tinha 12 anos, quando entrou para o coral da escola. Não se lembra de como foi parar lá, mas quando se viu como contralto e conseguindo ver vozes em tons diferentes dando certo, teve a certeza de que queria aquilo para o resto da vida.

Tudo bem que as músicas não eram as preferidas, mas saber que era parte da música já o deixava empolgado. E mais ainda ficou quando, durante o ensaio, fora chamado como exemplo de afinação. Fez um solo, somente com o piano ao fundo, e aproveitou que a voz ainda não mudara, e entoou uma melodia redonda, sob ovações dos colegas.

Difícil dormir aquela noite, deve ter sorrido por semanas.

E a carreira na música prosperava, ficaram em segundo lugar numa competição de corais, o grupo era a sensação do colégio, apresentações lotadas, aplausos efusivos, músicas natalinas arrancando lágrimas. Era quase uma turnê.

No ano seguinte, a Matemática desafinaria ao menino. A geometria trouxe uma melodia e um ritmo complicados a ele, nem Djavan conseguiria acompanhar tamanha complexidade. Dois bimestres e as duas primeiras médias vermelhas.

O contra-ataque foi cruel, a mãe não entendeu que o coral nada tinha a ver com aquilo, mas foi a única leitura que conseguiu alcançar. Mesmo que, de todas as 13 matérias, as médias variassem entre 8 e 10, o que prevaleceu foi o negativo.

O coral saiu da vida dele. A música se calara.

Até que seis meses depois, o próprio maestro tocou na casa do garoto, um disco seria gravado, e a voz do menino estava sendo requisitada pelo mais alto escalão. Aos 14 anos, um disco, sonho.
 
Não. A mãe não cedeu. Disse não a todos os pedidos do maestro. O compacto de 4 músicas foi gravado. Havia 70 rostos naquela capa e 70 assinaturas dedicadas à voz que não apareceu naquela tarde de outono de 1987.

Hoje, cada vez que subo para um show, ainda tento colocar os 70 rostos comigo no palco. Ainda tento me colocar naquele compacto, mas não trocaria as incontáveis apresentações que fiz até agora para estar naquele disco, apenas gostaria de entender...
 
... Geometria.

 

 

sábado, 29 de setembro de 2012

QUE FILME ELE FEZ MESMO?

Em HANNIBAL
Assim como a memória é usada para livros, uma frase ou uma história pode se repetir, no cinema, justamente por ser visual, a frequência é muito mais alta. Não é incomum assistir a um filme e se deparar com um ator ou atriz e você não conseguir prosseguir com a história porque sabe que conhece aquele rosto.

Em JOHNNY ENGLISH
O interessante é quando as estrelas mirins eram estrelas e não sabíamos. Ou quando algum talento aparece e seus olhos já o tinham visto, mas nem se deram conta.

E pior ainda quando você conhece o rosto, mas não sabe o nome, daí sim o Google acaba mostrando um talento ainda maior na sua busca.

Em 300
E isso aconteceu comigo no domingo. Assistindo ao filme O DESPERTAR, um thriller de horror nota 6, uma personagem me tirou toda atenção da trama. Tive de parar a exibição para forçar minha memória: “Em quais filmes esse cara já atuou?” E o mais surpreendente é que o rosto me apareceu duas vezes em uma semana, no divertidíssimo
O RETORNO DE JOHNNY ENGLISH.
Em ROCK STAR
E pude ver o filme aliviado, quando os trabalhos dele foram pipocando em minha memória. ROCK STAR, 300, HANNIBAL, A ORIGEM DO MAL. Pois é, os nossos neurônios também são treinados pela memória visual. Ah, sim, claro, o ator é o inglês Dominic West, muito talentoso, e essa informação nada significará a você.
 
 

 


sexta-feira, 28 de setembro de 2012

FOI SÓ UMA PICADINHA!

Pensou que seria uma brincadeira. Sabia que o cara era disso, 20 anos e amizade não poderiam significar algo sério agora. Eles se conheciam antes de o amigo entrar em Medicina e se especializar em oncologia.

Não podia ser. E justamente agora, no momento em que mais precisava de apoio? Separação, insatisfação profissional e mais isso: “Um tumor?! Inoperável?! Poucos meses de vida?!”

Ele gargalhou esperando que o amigo o acompanhasse, mas o tom soturno apagou qualquer possibilidade de imitá-lo. Pediu um conselho e ouviu: “Viva!”

A vontade era de se matar quando saiu do consultório. Não conseguia norte, mas parou num bar e virou uma garrafa inteira de tequila, com todos os limões possíveis. Tinha apenas 45 anos. “Viva”.

Conseguiu ser demitido, 20 anos de empresa renderam a ele mais de 500 mil reais. Juntou com a poupança. Viajou para Nova Iorque, museus, Broadway, uma tatuagem com Ami James, frituras e bebidas. Apaixonou-se por uma italiana.

Viajou com ela até Petra. Andou de camelo. Conheceu os pais dela em Milão. Deixou-a lá com a promessa de voltar. Paris. Esperou horas para constatar que a Monalisa tinha um tamanho pequeno demias pela grandeza. Comprou uma prostituta em Amsterdã. Quase foi espancado por mostrar as pernas no Egito.

Amou o Marrocos. Tirou uma foto ao lado da Mafalda em Palermo, Buenos Aires e estava pronto pra morrer assim que voltou, seis meses depois. Desembarcou e foi direto fazer um check up com o amigo, que o monitorou por quase 180 dias a distância.

Quando entrou, sentiu uma vontade enorme de chorar, porque morreria feliz agora. O doutor sorriu de volta, pegou o jornal e deu a ele, dizendo:

- Amanhã cedo, abra nos classificados de empregos, não há tumor que resista a uma mentira.

Catarina, a milanesa, chegou no mês seguinte, e concordou que a nossa pizza é melhor que a deles.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O GAMBÁ MAIS PALMEIRENSE DO MUNDO

Nasci palmeirense. Nasci não pronunciando o nome do time da marginal. Mas, amando sempre futebol, nunca me fechei nessa ridícula ideia de prestar atenção somente no time ao qual se torce.

Sempre falo que conhecimento nunca é demais e saber sobre o inimigo sempre pode ser útil, pelo menos em algum dia. No meu caso foram em dois.

1993, compra de ingressos da primeira final do Paulistão. Morava no Tatuapé na época e fomos à Fazendinha. Aquele medo de olharem bem fundo em seus olhos e descobrirem o Paciello em meu sangue estampava o meu rosto.

Graças à nossa cultura, meu irmão Marcelo e eu nos passamos por torcedores da Gaviões. E era difícil ficar natural e ver meu irmão falar sobre o timaço do Palmeiras a todos da fila, e eles concordando e temendo o pior, que viria duas semanas depois a eles.

O melhor foi dar carona a um rapaz de Osasco, porque ao abrirem os guichês, a ansiedade de todos fez as filas sumirem – tivemos de ir ao Morumbi. E quando o menino soube que éramos palmeirenses, só faltou engolir o boné preto e branco e parabenizou pela farsa, confessando que sabíamos mais do que ele.

E a farsa se repetiria. Tinha ficado até mais tarde no trabalho numa quarta-feira fria. O time da marginal jogaria pela Libertadores naquele dia. E, na estação Tatuapé do metrô, havia uma concentração de Gaviões por lá. Ao toque da campainha, eu, perto da porta, fui condecorado por um menor, que, como um raio, entrou e puxou minha pulseira de ouro.

Instintivamente, gritei, correndo atrás do Usain Bolt, que voava. O menino estava com a camisa do Corinthians. De pronto, todos da uniformizada viram a cena e se puseram a perseguir o infrator. Logo foi dominado por uns 3, que o puseram no chão, tiraram a pulseira das mãos dele, devolveram para mim e arrancaram a camiseta do moleque.

Perguntaram se eu estava bem, agradeci pela ajuda. E o menino foi levado pelos seguranças, parecia que ele sabia que o chaveiro no meu bolso era verde e branco, mas a comitiva seguiu para o Pacaembu e eu para minha casa. Mas só depois de eu sugerir que naquele dia o Ricardinho faria dois naquela noite.

Você sabe quem é Ricardinho? Pois é, eu sabia e se eu precisasse cantar o hino deles, já estava pronto, em mi bemol, e com todos os erros gramaticais na ponta da língua.

 

  

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

MORTADELA ARNOLD

Qual é a diferença entre um fanático por novelas e o fanático por séries? Nenhuma, mas há os que digam que o último é mais culto. Daí, pode-se dizer que os fãs de enlatados são os noveleiros assumidos. Sim, porque no Brasil novela é igual mortadela, todos amam, mas as consomem escondido.
Entre os enlatados que me deixam presos à tela, existe um que me mostrou mais que um talento de histórias e um banho de criatividade, THE WONDER YEARS - ANOS INCRÍVEIS - entrou na minha vida de forma definitiva, uma mortadela e tanto.
Além do estilo Twitter de se contarem histórias, cada uma com aproxidamente 22 minutos, a série são os minutos mais arrebatadores com os quais já me vesti. Uma aula de como surpreender, uma aula de como se deve cativar. Consegue dar formas à emoção. Um dos melhores professores que tive e o mais encorajador para que eu começasse a escrever.
Já amei e odiei Kevin Arnold, já mandei torturar e matar o Wayne Arnold. Fiz de Karen minha cunhada, de Winnie Cooper uma santa e de todas as músicas a trilha sonora de meus sonhos.
Torço para que todos já tenham se encontrado com as histórias de Carol Black e Neal Marlens. Ouso dizer que aquele que nunca viu um episódio não saberá do que o talento é capaz e nunca terá certeza se realmente Marilyn Mayson era Paul Pfeiffer.

domingo, 23 de setembro de 2012

A PIOR SURRA DA MINHA VIDA

Irmãos: a primeira prova viva de que a convivência é a inimiga da paz. Tenho dois, um gêmeo e um geminiano. Quem já conviveu com alguém desse zodíaco sabe que a bipolaridade está na digital.

Dentre muitas histórias antagônicas, uma se destaca. Em 1983, eu já amava rock’n’roll, devorava as revistas que meu irmão mais velho comprava e gastava as fitas K7 dele. Ídolos do metal ilustravam meus cadernos, fato: Marcelo Paciello era meu ídolo.

E meu gosto musical sendo desenvolvido, começava também a tentar seguir outros passos. E confesso, quando vi Michael Jackson fazendo o Moonwalker, quase pirei. Ver aquele cara deslizando de maneira fenomenal não cabia com guitarras, mas em Billie Jean, era quase como um Iron Maiden da dança.

O andar de cima do sobrado onde morava era de taco. Minha mãe costumava encerá-lo e depois de uma demão de cera. Não titubiei, calcei meias brancas e tentei deslizar como aquele cara de luvas e aura brilhantes.

E deveria ter tentado por 5 minutos, porque quando olhei pra frente, estava o primogênito, com aqueles olhos azuis esbugalhados, vertendo sangue e me condenando ao inferno:

- Playboy! Não ouse mais falar de rock, você não merece escutar mais o som dos deuses!

Tomei muitas surras dele, mas essa foi a pior. Humilhado, julgado e morto. Qualquer murro é doloroso, porém com aquelas palavras fui a nocaute.

O que isso tem a ver com a bipolaridade? 26 anos depois, num show da Long Play Rock, Marcelo incentivou a banda a fazer uma homenagem ao rei do pop, morto há 2 meses. Billie Jean saiu da minha garganta. Dos meus pés não, porque se tentasse uma segunda dança, minha banda hoje teria outro vocalista.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

TOMARAM O CASTELO

Dizem que fica fácil identificar quando estamos envelhecendo. Os sinais são clichês. Mas nada pior que ver o seu passado sumir, literalmente.

Dia desses estava a caminho do trabalho, na República, estava de carro, e sempre faço o meu itinerário, pegando a rua Nestor Pestana e para minha surpresa, o belo castelo da Kilt Shows desapareceu, sumiu, escafedeu, vazou!

Num projeto de revitalização do local, a prefeitura pôs abaixo um antro cultural.

Quem tem mais de 30 anos sabe da tradição do lugar. As pessoas mais influentes, intelectuais e similares se encontravam por lá.

Em 1991, meus 18 anos foram comemorados à base de muita poesia, árias de cravo e debates filosóficos.

Lembro também que de tanta profundidade, meu gêmeo saca do baralho e sugere uma partida de truco. Pois é, a simplicidade do nosso gesto não foi bem recebida.

Uma das sopranos, se não me engano, a que usava apenas uma pluma na cabeça. Pediu para esquecermos esses vícios e nos dedicarmos às artes, caso contrário não seríamos bem quistos por lá.
 
Pena, justamente quando o amigo ao lado gritava “seis” e eu estava com zap na mão!

 

 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

NOITES CLASSIC ROCK

Ter uma banda é ter histórias. E quando você consegue montar uma, elas vêm a cântaros. Eu me aventuro na noite desde os idos de 1990, eu e meu irmão. Depois de muitos anos e algumas formações sem tanto êxito, desde 2007 temos a família LONG PLAY ROCK.

Foram centenas de shows e dezenas de casas. Existem coisas engraçadas e, claro, outras bizarras. Separei duas para hoje.

Certa vez, num bar da Vila Olímpia, o nosso multi-instrumentista Dennis, executava no violão Love of my life, do Queen, éramos eu e ele em ação. Mas não pude desafinar e soltar uma gargalhada, ao ver a garçonete, dedicada, em pé, fazendo um duo, com o suco que ele havia pedido. Não se sabe se esperava pelo fim da música ou se um terceiro braço apareceria!

E outra, numa casa em Santana, na zona norte. Estávamos no camarim, e durante os intervalos, havia apresentações de dançarinas. Todos por lá, bebendo uísque. E eu lendo Sartre. De repente, uma delas aparece entre nós e começa a se trocar. O Rubão, nosso guitarrista, percebe o silicone da mulher e, inocentemente, fala: “Nossa, é de verdade? Posso tocar?”.

E mais inocente e solidária ela assentiu. E como num trem do metrô que chega vazio, a boiada estourou, quase não houve atropelos. Vai que a porta fechasse.

Eu? Eu continuei sentado lendo Sartre!

Mais histórias como essa, você vê amanhã, sexta-feira, 21 de setembro, a LONG PLAY ROCK fará um show Saint John’s Irish Pub, às 23h, rua Itapura, 1308, no Tatuapé!

 

 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

CAMINHOS CORTADOS

Existem momentos certos, pessoas certas, a química dos dois então é algo irreparável, eterno. A história aqui houve apenas uma combinação, o casal e mais nada.

Ambos tinham seus compromissos. Não vamos precisar o momento exato que se olharam, mas cabe aqui registrar que um estalo aconteceu. Aquela sensação de adolescência estava de volta.

Encontravam-se furtivamente por bares e lugares mil para falar de tudo, desde Camus até o nada. Ou apenas como um protocolo delicioso, uma obrigação que se impuseram para fugirem de tudo, que se transformava agora em mesmice.

Contavam as horas dos fins de semana para se reverem. Perceberam que os parceiros estavam menos presentes nas conversas. O inevitável estava pra acontecer. Mas ela - sempre as mulheres, mais maduras e sensatas – ela preferiu ficar com um talvez colorido. Ambos acabaram amargando uma certeza em cinza.

Separaram-se. A vida os colocava cada vez mais perto, cada vez mais distantes. Anos se passaram e num email inocente, tudo reacendeu. Trocas, promessas.

Combinaram um encontro. Coração acelerado. Chegaram quase juntos. Abraçaram-se, ficaram assim por minutos. Assim que sentaram, cada qual via uma aliança nas mãos. A chama se apaga. O encontro fica morno e os sonhos realmente eram só sonhos.
 
Despediram-se. Ele chegou só, e recolocou a aliança na caixa, onde estava desde a separação, há 3 anos. E ela foi até a casa de uma amiga. Tocou a campainha e só teve tempo de devolver-lhe a aliança, entrar na padaria e chorar com um capuccino e um pão de queijo intocados.
 
 

 

terça-feira, 18 de setembro de 2012

COISAS QUE NOS FAZEM DIZER: "CAZZO!"

Endossando o provérbio italiano que diz: “não se sabe a autenticidade da história, mas que é graciosa, isso sim”.

Namorado novo na casa da menina. Primeiro dos muitos almoços juntos. Ela o pai, a mãe, o cão e o rapaz. Não se pode errar muito no cardápio, porém arriscar com bife de fígado é aventura demais.

Pois é, o rapaz odiava a iguaria. E a mãe dela a fez a cântaros. Queria sumir de lá, quando o viu no prato. Não haveria outra saída se não quisesse ser rude. Cortou em pedaços gigantescos e o colou abaixo à base de muita limonada.

Em três pedaços, o bife havia sumido e pôde se dedicar ao arroz e à salada. Assim que viu que a carne tinha acabado, a sogra não titubeou e sapecou outra no prato dele.

Não teria condições de engolir outra vez aquilo. Começou a se dedicar a tudo, conversas, o suco, até às salsinhas. Até que aos poucos todos foram terminando. Mas o bife continuava lá.

A mãe se levantou e começou a tirar os pratos. A filha a ajudou e o pai abriu o jornal. Suor frio. Olhou para o lado e viu a janela muito próxima. Se fosse rápido, ele jogaria o bife aos ares e num gesto cirúrgico, espetou o fígado e zupt! Atacaria pela janela, não fosse o vidro fechado.

A carne bateu no vidro e caiu no chão.

Todos se assustaram com o barulho e mais ainda com o que viram. Ele até se justificou, falando que o cachorro o mordera, e ele - enquanto cortava - se assustou e teve essa ação involuntária.

Não fosse pelo ronco do cachorro, seria uma história convincente. Adoraria parabeinzar quem limpou o vidro, mas a vergonha alheia me impede de seguir a partir de agora.

 

 

 

 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O DIA QUE ESCUTEI MINHA MADRINHA

Existem incentivos que nos vêm de formas esquisitas. E este não poderia ser diferente. Tinha 13 anos e - durante as festas de Natal - estávamos em Rio Claro, interior de São Paulo.

Em uma conversa com minha madrinha, professora dedicada do SESI, soltei um “4 anel”. E ela, sem a intenção, mas em alto e bom tom, corrigiu-me: “4 anéis”. A gargalhada foi geral, de burro a asno, irmãos e primos me colocaram no banco dos réus.

Engoli sem Coca nem nada.

Formei-me em Letras, 12 anos depois. Estava no trabalho, quando o telefone da minha mesa toca: minha madrinha pedindo uma ajuda em gramática. E de repente voltava há anos trevosos. O sabor era doce, delicioso.

Pedi que repetisse a pergunta, fazendo-me de surdo. Ela repetiu, e o sabor ficou ainda mais melado. “ A senhora não sabe por quanto tempo esperei por isso”. E ela “Por quê?”. Expliquei o motivo, triunfante.

- Filho, você deveria me agradecer, graças a mim que você não deu mais vexames como aquele!

TUDUNTSSSSSSSSS!

Cazzo, faz 14 anos que estou esperando pelo meu telefone tocar de novo!

domingo, 16 de setembro de 2012

O PECADO DORME AO LADO

A mãe, católica que só, colocou o caçula no catecismo. Naquele ano, todos os domingos, estava na missa. Não faltou a nenhuma delas.

Morava numa vila, aconteceu durante o futebol do sábado à tarde, dia anterior à comunhão do menino - quem já jogou bola sabe que, quando se está desmarcado, e a bola não é passada a você, ninguém gritaria: “Caramba, amigão, eu estava livre, que pena, tentemos na próxima jogada.” Não.

- CARALAHO!!! PUTA QUE PARIU, você não me viu livre???

De imediato, a janela de uma das várias casas geminadas se abriu, e mãe do coroinha quase engasgada, entre o ódio, o inconformismo e a vergonha, ordenou:

- Pra dentro! Você se confessou ontem, seu boca suja!

O centroavante, cabisbaixo, teve de obedecer a ela, e entrou sobre gargalhadas e as imprecações do time, porque ficariam com um a menos.

Nunca foi vingativo até aquela hora. Vergonha. Por instantes tornou-se Smeagol.Tinha de devolver na mesma moeda.

Domingo de outubro, dia da comunhão. Entrou na fila para pegar a hóstia, passou pela mãe e a viu em prantos, um santinho aquele gordinho. Ele tomou a comunhão, não conseguiu tirar com a língua a bolacha presa no céu da boca e – assim que o fez com o dedo -  não titubeou.

Ao passar perto da mãe, fez da hóstia o chiclete preferido e a mastigou até ver as lágrimas dela subirem aos olhos e reverterem-se em ódio vidrado. Tenso.

Durante aquela semana, um dos times sempre estava com um a menos, porque as marcas das cintadas ainda estavam roxas nas coxinhas grossas. Mordeu o corpo de Cristo e engoliu o pão que o diabo amassou.

sábado, 15 de setembro de 2012

REGANDO O MAL PELA RAIZ

Toda família tem um doente. Não o físico, o pior doente que existe, o psicológico, o chato, o pegajoso, o coitado, o inconveniente. Aquela pessoa que fala “é pavê ou é pra comer?”.

E desgraçadamente, eles sempre estão presentes. E como qualquer hora sempre seria inapropriada, naquela tarde, o tio apareceu de surpresa, deixando o casal com aquela cara de cu.

Todos conhecem o tipo, só falam em primeira pessoa, contam aquelas piadas dos anos 70, usam sandália de couro e uma pochete na cintura. Repetitivo, papo enfadonho, troca os nomes, sempre está certo, ama empregadas, mexe no saco quando vê as amigas da sobrinha, um ser de classe.

O holocausto estava presente. Suor frio, e aquela voz rouca, entrecortada pelos catarros que faziam conexão do nariz ao estômago. A mania de coçar a virilha por dentro da calça. Diziam que sempre havia um bolso falso pra isso.

Foi quando comentava que havia enfrentado três soldados durante a ditatura, que o Gorgonzola, o bulldog deles, mais enfadado ainda, resolve traduzir o que o velho realmente era. Levantou-se, foi até perto dele, ouviu um carinhoso “saco de pulgas”, levantou a perna e regou as frieiras do velho.

A gargalhada foi inevitável. Anos aguentando o tio asqueroso, a quem odiou, desde que ele levantou o menino pela cueca, assando-o por completo. Anos se passaram e ainda gargalhava enquanto o velho saía de lá.

Se alguém ainda acha que os cães são irracionais, nunca acreditará no que eles fazem por uma picanha grossa e tenra como aquela.

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

OMISSÕES SUSTENIDAS

Tudo bem que desvios de caráter acontecem. Colocar intocável a integridade de alguém é pedir que a decepção seja ainda maior. E de nada adianta tentar máscaras, porque não escondem, geralmente revelam.

 Político em ascensão, modelo em destaque. Ela solteira, ele não. Uma foto juntos. O ibope subia junto com o calor dos dois. Uma gravidez. E começaram as desavenças, as cobranças e a pressão.

E entre o planalto e uma pensão, preferiu a rampa. Ela, os tabloides., as revelações e tudo que pudesse ser iluminado, apagando cada caminho dele.

O casamento termina. Os votos se rasgam e os santinhos estão no inferno.

A criança nasce numa manhã. As luzes se apagam. Mãe e filha agora descansam em paz, e em casa.

Ele sai de cena e não vai receber visita nos dias dos pais, nem ele nem o vocalista daquela banda, em turnê pela Europa, que conheceu a modelo num camarim com paredes de tons pastel.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

PRÓXIMO!

Ele a havia conhecido por acaso, que é o melhor dos encontros. Numa fila de cinema. Olharam-se, sorriram-se e só se falaram na saída. Haviam amado o filme.

Um café. Um jantar. Um happy hour. Um beijo. Um café da manhã. Depois disso, várias filas apareceram, de cinema, de livrarias, de teatro, de motéis e de aeroportos.

A fase de se vestirem cada qual com a pele do outro não esperava para acontecer, caminhava com os dois, como um terceiro e invisível elemento, numa fila se movimentando lateralmente.

E como toda fila um dia acaba, a fila andou pra cada um.

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE MERCADO

Seguem três histórias envolvendo caixas do supermercado, a autenticidade delas é total, porque eu estava lá.

*          *          *

Eu e minha tara por queijo branco, minha e de minha pug. Ao passar cerca de 4 queijos brancos, o caixa:
 
- Você gosta de queijo, hein?

- Eu e minha cachorra.

E ela:

- Eu amaria ser sua cachorra!

*          *          *

 Caiu o sistema e só aceitavam cheque e dinheiro. Fiz o cheque de 61 reais. O caixa pegou o cheque, leu e disse:

- O senhor errou no português, mas passa.

Tudo bem que minha profissão não seria justificativa pra não errar algo tão básico.

- Como escrevi sessenta?

- Sessenta está certo, o erro não foi de ortografia, foi de concordância. Deveria ser sessenta e um REAL, porque real concorda com um.
 
*          *          *

Mulher chega inconformada ao ler muçarela com cedilha (grafia correta). Começa a esculhambar a mulher do caixa, que, pasma, fica sem reação. Prometi não me envolver, mas não resisti.

-  Senhora, muçarela se escreve com cedilha, está correto.

- Ah é? E quem te disse isso, sua avó?

- Não, estudo e educação, duas coisas que a senhora não tem!

Ela saiu bufando e a vingada emendou a mim, sorrindo.

- É igual farmácia, que é com PH, né?
 
*         *         *
 
Não sei até onde isso vai parar, mas dos três caixas, seria fácil em quem colocar a coleira! 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O OFICIAL DE AZUL

Uma trilha. Um menino de cabelos lisos, duas pernas, um par de olhos e muitas perguntas. Mas perguntas nascem diante de estímulos. Um carrinho quebrado pode ser um estímulo. O que farei com ele? Como nada havia por lá, ele decidiu recolhê-lo.

Encontrou 3 papéis de bombons no chão, percebeu pelas cores, pois somente os bombons poderiam ter aquelas cores. Largou o carrinho quebrado  e pegou os três, na esperança de que os bombons fossem pássaros e que os celofanes coloridos, os ninhos deles.

E ainda que os doces não possuíssem asas, nunca se sabe quando os bombons podem voar e voltar. E ele seguiu e encontrou um guarda bigodudo, que apontou para o carrinho no chão: “Não consigo carregar tudo! Além do mais, se houvesse bombons aqui e eles voassem, eu teria de largar o carro do mesmo jeito, para não deixá-los sumir!”.

Sorriu para o oficial, que devolveu o gracejo, o menino ofereceu os papéis a ele. E surpreso ficou quando o garoto abraçou-o e o beijou na bochecha.

O oficial de azul? Bem, ele despejou um quebra-cabeça ao lado do carro quebrado; mais adiante, colocou três pimentas pelo caminho e, mais adiante ainda, despejou um punhado de terra. E seguiu para o caminho contrário de onde estava.

E por lá ficaria até encontrar com o menino novamente. Por quê? Ora, porque haveria de nascer mais um dia. E porque todo dia é dia de aprender.

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A CARTILHA DO DIABO

Estava dando uma palestra a umas 60 professoras da rede estadual. O novo acordo ortográfico estava em pauta. Diante de mim, várias estelionatárias, recalcadas.

Não me lembro se foi durante a diferença que falava entre tias e professores. Até que uma senhora, com rugas e raiva suficientes, ergueu a mão e, num tom ameaçador, ofensiva soltou:

- Afinal de contas, eu falo “trouxe” ou “truxi”?

Só poderia ser um teste, aquilo não poderia ser genuíno. E ela insistiu na pergunta vendo o meu silêncio – na verdade, minha indignação.

Fui à lousa e escrevi, perguntando: "Como a senhora lê isso aqui..."

- Não perguntei como se escreve, perguntei como se pronuncia! – tenso.

Os olhares me fuzilavam. Eu tinha menos tempo de vida do que elas de sala de aula.

- Eu não vou ler!

- E eu não vou explicar! – e apaguei o enigma da lousa.

Ela se levantou e saiu, batendo a porta. Terminar aquelas duas horas foi um teste e tanto, mas consegui ao menos não ser apedrejado.

Quem foram os alunos dessa professora? Quantos crimes ela cometeu?

E você? Aprendeu com uma tia ou com uma professora?

Eu? Eu tive as piores estelionatárias possíveis.

domingo, 9 de setembro de 2012

GROUCHO MARX ROUBANDO A ROSCA CARIOCA

Carnaval, litoral do Rio de Janeiro. Como todo samba pede praia e como toda folga traz ibope, aqueles 5 dias trariam multidões.

Na estrada, no pedágio ou até na praia, as filas se acumulam como os blocos na rua. E se os foliões amam farrear junto, por que seria diferente numa padaria?

 As fornadas não paravam, o que não quer dizer que eram ligeiras. De meia em meia hora, os pãezinhos eram ouro.  Mal saiam das cestas, enchiam os sacos dos famintos.

Eram dois na fila, regatas, chinelos e frivolidades. Já há quase uma hora de papo, o cheiro acolhedor tomava conta do local. Da calçada, conseguia-se ser atraído.

Enfim, era a vez dos dois:

- Quantos vão querer?

- Não sei, você sabe quantos somos? – perguntou ao amigo.

- Boa pergunta, eu também não sei...

- Poxa, rapaziada, não é hora de matemática, todos estão esperando! – interrompeu um carioca faminto e impaciente, rasgando a fantasia.

Os amigos o olharam indignados, olharam-se indignados, e um deles, o talentoso, virou-se ao balconista:

- Amigo, quantos pães você trouxe dessa fornada?

- 100.

- Embrulha todos! – e virando-se ao estúpido detrás, completou – Meia hora a mais pra tu aprender a treinar sua paciência, mermão!

Ser espirituoso é um dom. E o segredo da piada é o tempo. Unir os dois é algo raro e cabe sempre registrar espetáculos como este aqui.

 

sábado, 8 de setembro de 2012

A DOR DE CABEÇA AO PRIMEIRO SUPER-HERÓI BRASILEIRO



Negaria se dissesse que não gosto de ver famosos, mas nunca fui dado a escândalos ou chiliques. Entretanto há certas celebridades que merecem uma atenção mais especial.

Domingo pela manhã. Caminhávamos eu, a camisa do meu time e meu vídeo-clipe pela Paulista, quando à frente estava Wagner Moura, olhando uma vitrine.

Poxa, capitão Nascimento mereceria um aperto de mão. Não hesitei, segui firme, aproximei-me, tirei um dos fones do Ipod e, num gesto rápido e num sorriso, saudei-o. Ele, sorrindo e simpático:

- Palmeirense, você acabou de invadir minha fala!

Sim, entrei no meio de uma gravação de uma propaganda da TIM. Havia uns três às minhas costas, tentando me catar e um círculo de curiosos rindo. Vergonha. Tinha de ser rápido:

- Você não vai me colocar no saco, né?

- Se você voltar aqui, eu coloco!

A simpatia soteropolitana do ator aliviou meu vexame. Segui vermelho até o fim da avenida.

Quando voltava, percebi um rapaz no meio da calçada, pedindo que eu me desviasse do tumulto à minha frente.

Naquela mesma manhã, Hélio de La Peña gravava uma propaganda à DORIL.

É claro que minha fama de ser um perigo iminente às câmeras chegou rápido ao outro lado da avenida, e, sim, quando a propaganda do celular começou a ser exibida, torci para, ao menos, ter sido um figurante.

 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

AS HEMORROIDAS REAIS NAS REDES SOCIAIS

Quando comecei a escrever, pensava que agregar palavras difíceis nos textos - com pesquisas infindáveis no dicionário - me fariam passar a imagem de inteligente: bobinho.

A diferença entre o prolixo e a elegância em escrever não está próxima, mas pensar que está, sim. Fui prolixo?

Vamos jogar isso tudo nas redes sociais. Um teste para saber se você é claro é o TWITTER, e o para saber se é prolixo é o FACEBOOK.

Creio que as pessoas que amam redes sociais, além do bom senso, têm de ter talento, nada do outro mundo. Serei mais claro.

Imaginemos então dom Pedro I no Facebook. Hoje, 07 de setembro, teria postado assim:

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante, e o sol da liberdade em raios fúlgidos brilhou no céu da pátria nesse instante”.

Foi talentoso, mas para muitos, pôde ter sido prolixo.

Posso antever a interação: “Quê?” – “Cara, o que vc quis dizer com isso?” ou o odioso: “AMOOOOOOOOO”.

Sem contar as 32.000 dedadas, curtindo e endossando o provérbio judeu: “Se você quer que as pessoas pensem que você é inteligente, simplesmente concorde com elas”.

Mas no Twitter, o príncipe teria menos espaço, menos caracteres, teria de ser prático e escreveria: “Independência ou morte”.

Então fica a dica de ser elegante, de ser talentoso, de ser certeiro.

Nem todos têm o talento dom Pedro, que teve de romper com Portugal porque veio de Santos num cavalo - numa viagem de 6 horas - e com as hemorroidas lhe fritando os fundilhos

 

 

 

 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

QUEM ERA AQUELA MENINA?

Não sabia há quanto tempo estava olhando pela janela. E tanto tempo assim não foi o suficiente ao menos pra se deliciar com o longínquo pensamento que, somente há dias, tomava conta de suas lembranças.

Estava na cama há meses. A doença degenerativa não escolhe saldo bancário, mas quando escolhe, sempre tem uma acolhida confortável.

Era virado pra cá, era virado pra lá. Conseguia ao menos abrir a boca pra comer. Engolia palavras, decidiu desperdiçar mais nenhuma. A enfermeira bem que tentava, as visitas também, mas o olhar, que sempre estivera perdido, procurava algo que nem ele saberia explicar.

Bendito momento aquele. Tantos meses sem nada pra se apegar até morrer, e justamente agora, que tinha um, decidiu pensar atabalhoada e desesperadamente, como uma criança prestes a largar a chupeta – sugando-a até perder o sabor da infância.

Do momento que abria os olhos até o momento de calá-los, era essa a sua visão. Olhava pela janela e, durante as 8 horas acordado, enxergava além. Mesmo que ninguém conseguisse ver seu sorriso, porque sorria pra si, e sorrir egoisticamente é o mais saboroso deleite.

Se iria morrer, que fosse daquela forma, com aquela lembrança: tinha 12 anos quando, pela janela, a viu pela primeira e última vez. Passou a vida inteira tentando perguntar o nome dela, passou a vida inteira com a imagem mais acolhedora que contornara, passou a vida inteira sem saber que seria a melhor coisa que protagonizara.

E pela janela o mundo o viu morrer naquela manhã, e pela janela, somente por ela, ele ficou sem saber quando a veria de novo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

66 ANOS E ELE AINDA ESTÁ ENTRE NÓS!

Freddie Mercury nasceu Farrokh Bulsara, em 05 de setembro de 1946. Ainda adolescente, trabalhando em uma fábrica, empacotando sonhos, era o único que usava luvas, justificando que seria um excelente músico e não poderia estragar as mãos.

Mas ele errou feio, foi mais que único, mais que excelente.

Profecias à parte, nunca houve nem haverá voz, talento e energia como nesse nativo de Zanzibar, África Oriental.

Não estou aqui, como muitos, só para enaltecer o colossal talento do vocalista do Queen, fazedor de obras-primas, referência a deuses da música.

Deixo neste registro os meus agradecimentos ao homem que provou que viver vale a pena, que a música tem cor, que a ópera pode ter guitarra e que o conceito de talento mudou depois dele.

Endossando a vontade dos britânicos, Deus salvou a rainha, e, contrariando os desejos do mundo, não salvou o rei!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

CASANDO E MORRENDO COM ÉMILE ZOLA


Émile Édouard-Charles-Antoine Zola nasceu e morreu francês, 1840 - 1902, porém Émile Zola se torna do mundo e eterno quando começa a escrever.

Dentre os trabalhos que escreveu, fica aqui um: Como se casa, como se morre, Editora 34.

A obra traz contos a respeito de assuntos tão antagônicos, tão parecidos. Pode-se ver a alegria do casamento ou as trevas dele, e mesmo as trevas da morte ou a alegria desta.

Dentre os vários desta obra, um especial, sobre a morte, me marcou mais.

Uma família miserável, pai, mãe, filhos. No momento exato em que recebem alimentos, uma das crianças morre. Antes de chorarem e enterrarem-na, eles devoram o presente, ratificando que, mesmo para a tristeza, há que se ter a barriga cheia.

Bastantes variações sobre um mesmo tema. Que sejam dois aqui.
 
Entretanto, se formos fundo no título, se formos fundo na vida, muitas vezes acabam sendo uma coisa só!

 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

EU, MEU IRMÃO E NOSSA MARISA MONTE

Quando se está apaixonado, a exposição e a falta de bom senso dizem: “Presente”. Quem já viveu uma paixão - e com uma celebridade - sofre em dobro.

Em 1992, num sábado, no antigo Olímpia, meu coração congelou.

Na turnê do CD Mais, acabei indo a 5 apresentações seguidas. Sabia a ordem das músicas, as falas. Ou seja: fã! E como todo fã, era um mala. Nada mais tinha graça, claro, tirando o bife à parmegiana – que não é páreo a ninguém – mas aquela carioca de Botafogo tirava meu chão.

Cheguei a entregar uma carta a ela em um dos shows, ela a pegou, agradeceu e a beijou... Ah, como desejei ser envelope... Por uma noite apenas. Ah, e aquela dedicatória que fez a mim e ao meu irmão blogueiro, no Canecão, do Rio. Fã, mala!

O ápice foi na saída de um show em São Paulo, quando a seguimos até o hotel. Ela num Opala Diplomata, e nós, num Passat 79.

Perseguição visceral, faróis vermelhos ultrapassados e conseguimos estacionar atrás do carro, na entrada do hotel. Desci com a caneta e o ingresso em mão. E cheguei a meio metro dela.

Meu irmão a queria na cama, mas eu não, não só, eu a queria no altar. E, como qualquer ridículo, cri nisso. Graças a libido do Marcelo, aconteceria algo fenomenal.

Enquanto acabava o autógrafo, ele pediu um beijo. Ela aceitou. Cariocas beijam duas vezes, paulistanos, uma só. E no vácuo que meu irmão deixou, aquela bochecha sobrou pra mim. Demorou uns dez anos entre o ir e o sugar daquela face magra. Acho que houve um “ploc”, porque ela riu!

Acabei plastificando o ingresso, que se perdeu pelo tempo.

Se minha paixão acabou? Nada, com batatas fritas e arroz, garanto que nem Marisa Monte a resistiria.    


sábado, 1 de setembro de 2012

A MESÓCLISE DE CRISTO

Jerusalém, ano 30. Estava Jesus se preparando para o Sermão da Montanha. O fim da tarde era iminente e a introdução de suas palavras deveria ser breve.

- Direi a vós o sermão?! - pensou - Não posso começar com essa frase, preciso de algo com mais impacto! Definitivo!

Enquanto matutava, os fariseus pediam:

- Tem peixe?! Tem peixe?!

Introspectivo e tenso, o Nazareno tentava encontrar a frase certa para dar a boa-nova daquele dia.

- Tem peixe?! Tem peixe?! – urravam os fariseus.

E o Ungido teve uma brilhante ideia. Elevado e único, até português sabia, decidiu trocar os complementos verbais por pronomes.

- Tiro esse a vóse coloco vos. Substituo o sermão por o: Direi-vos-o?! - odiou - Corto esse s de vose junto com esse pronome, o o se torna lo! Direi-vo-lo?! - a equação se resolveria.

 - Tem peixe?! Tem peixe?!

E foi então que aconteceu. Uma luz divina atingiu o Profeta em cheio. Seus olhos se arregalaram maravilhados. E tomado por uma energia contagiante, parou no topo da montanha, abriu os braços e berrou aos barulhentos:

- Antas fariseias! – tudo bem se Ele não disse, mas pensou, e finalizou:

- DIR-VO-LO-EI! – numa mesóclise perfeita, num português que poucos saberiam usar.

E o silêncio se fez.

A comoção dominou a cena. Fariseus boquiabertos. A bênção do dia começaria a ser dada, mas sem antes um mirrado fariseu levantar a mão no fundo da multidão e perguntar:

- Tem peixe?