terça-feira, 22 de dezembro de 2015

DONA MARIANA E O CARROSSEL


Aos 80 anos, dona Mariana queria andar num carrossel, era esse o pedido de aniversário. Não queria festa, não queria bolo, queria apenas andar num carrossel. Apaixonou-se por um aos 20 e deixou-se envelhecer, quando se torna criança de novo, para exigir tal capricho.


As netas não se conformavam, quem sabe uma viagem às origens, na Itália, com os filhos, uma festa surpresa, com amigos da infância, já sendo revirados em redes sociais etc. Nada deixava mais brilhantes os olhos da senhora que um carrossel.

Não havia um parque de diversão por ali há anos, o único que encontraram foi a 35 km de distância, um trajeto mínimo para que a magia acontecesse.


E naquele domingo, uma comitiva dos Manfredinni seguiu sob um sol escaldante, mas o ar-condicionado deixou a velhinha acesa. Não sabia aonde iria, no entanto julgou algo sério, porque se ninguém morreu ou casou e todos estavam presentes, deixou-se com bons fluidos.

E sorriu como criança ao notar o que estava prestes a acontecer. Sorriu como nunca sorrira na vida, porque teve a certeza de que os sonhos podem acontecer, mesmo que levem 60 anos.

As bisnetas a pegaram pelas mãos, e pode-se dizer que o clã preencheu o decadente lugar. Não havia mais do que 30 pessoas no parque. A comitiva quase dobrou o lugar. Entraram e rumaram direto ao carrossel. O filho mais velho preencheu com 50 reais a mão da operadora, pedindo que Mariana fosse sozinha no brinquedo, umas voltas só dela, um sonho que se sonhou sozinha.

E assim aconteceu. Demorou quase 5 minutos para ajeitá-la no brinquedo. O parque parou. Visitantes, empregados, todos logo souberam de tudo e largaram por minutos a vida, porque quando sonhos acontecem, embalamos nos dos outros.

E o círculo se fez, tudo pronto. A roda começou a girar, não se sabia para onde olhar, se para o sorriso maravilhado de Mariana, se para as lágrimas de todos por ali ou para as palmas que embalavam cada aceno que ela dava em cada volta, sentada num cavalinho rosa.



Talvez as voltas tenham durado uns 5 minutos ou menos. Mas foram os 5 minutos mais felizes de uma mulher que venceu a Segunda Guerra, perdeu o marido com 5 filhos. Trabalhou como costureira e abriu o próprio ateliê. Expandiu para o Brasil e dois países da América do Sul e para Itália a sua marca.


Seis idiomas. Um patrimônio que poderia comprar a Disneylândia, mas o que ela realmente queria eram as voltas no carrossel.

Quando parou, todos aplaudiram e ela acenava feliz, feliz. O filho mais velho chegou e perguntou se queria mais voltas. Disse que não, "realizar um sonho era divino, mas abusar dele seria indigno".

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O SINO AINDA NÃO TOCOU


Sentou-se na praia deserta. Olhou adiante e, tão indeciso quanto as ondas, ora desejava ser engolido por uma ora torcia para que algumas não o pegassem. Olhou aos lados e só sentiu a brisa forte. Respirou fundo.

Teve a ideia de se levantar e andar. Teria de andar, talvez sentir a areia prender-lhe os movimentos, não poderia saber se algo o agarrava ou se desfazia do passado. Não percebeu que o mar apagava suas pegadas. Talvez desejasse que apagasse as dores que acumulou até aquele dia.

Não havia sol e pensou ser como sombra, intocado por nada. Teve a certeza de que Cristo não teria passado quarenta dias em reclusão, porém era disso que precisava. Andaria por 40 dias, ficaria calado por 40 dias, purgar-se-ia por 40 dias.

Havia ninguém por ali. Caminhou por uns 15 minutos e, como na vida, sentiu que, mesmo andando, parecia estar no mesmo lugar. 15 anos deixados para trás, os mesmos 15 minutos deixados para trás. Respirou fundo. Ajoelhou e passou a cavoucar a areia com o indicador, como se pudesse procurar algo, desvendar outro ou esconder mais um.

Não se lembrou se deixou os chinelos no carro. Sentiu frio, sentiu-se só, mas não solidão, um vazio, porém não se entristeceu com isso, apenas sentiu. Tentou deixar o som em volta dizer o que tinha de ser dito. Deixou que a própria consciência tentasse gritar mais que a maresia daquela tarde cinza.

Sentou-se nos calcanhares, abraçou os joelhos e não imaginou até quando pudesse ficar daquele jeito. Procurou alguma resposta em mais uma onda que chegava e perdeu as contas de quantas esperou para isso acontecer.

Viu um siri, que tentava se enfiar na areia. Pensou em ajudá-lo, preferiu não. Enfim,  o bicho conseguiu.

E foi então que soube que tinha de fazer, a única coisa cabível, a última chance e mais uma de acertar. Tantos anos andando de lado, decidiu ser siri e se esconder no mundo, enfiar-se na vida e tampar-se com os dias.

Voltou ao carro, pôs-se na estrada e seguiu. Os chinelos ficaram na praia mesmo, pois os pés que os calçaram uma vez agora não lhe serviriam mais.