quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

CVV, parte 1


- CVV, boa noite.
- É o amigo...
- Amigo?
- Boa noite, minha heroína, você não apareceu no encontro de ontem...
- Amigo, não prometi a você que iria...
- Você não apareceu nas outras três vezes.
- Não prometi também nas outras três vezes que iria.
- Juro que se hoje você não aparecer, eu me matarei na linha.
- Amigo, há dois anos, você me ligou com um revólver em mão, prometendo um tiro que até hoje, graças a Deus...
- Graças a você!
- Graças a Deus não veio. Nem vai vir. A vida é maravilhosa, e pense nesses dois anos as conquistas que você teve. Seu diploma, sua promoção...
- E a principal não apareceu, por 3 vezes.
- Amigo, a verdade é uma só, tenho meu noivo e...
- Noivo por 3 anos? Isso não é noivado, é consórcio de fogão limpo...
- Amigo, obrigado pela sua consideração, tenho certeza de que você seria um marido exemplar, mas meus erros eu resolvo cometer.
- Os meus, você me impediu, por que eu não posso impedir os seus?
- Porque os meus erros não enterram vidas.
- Como não? Abrir a porta todos os dias e perceber que o cara que está pra chegar não a fará sorrir. Ou pensar que um dia você já sentiu a falta dele, não é morrer?
- Não, é bem diferente, porque se pode reverter. E, pelo que eu saiba, você não é Lázaro, logo são coisas distintas.
- Adoro seus argumentos, essas coisas deveriam me afastar de você, pelo contrário, eu me atraio mais.
- Se você tem um incentivo a continuar em frente, use-o para seu bem e de todos à sua volta. Não o use como uma doença, um veneno.
- Veneno é não ter você sussurrando todos os dias em meus ouvidos, bem de perto, que a vida vale a pena, que viver é bom.
- Amigo, repito, você viveu bem por dois anos, e se eu vivo em seus sonhos e você vive, significa que os sonhos devem continuar como um combustível a você.
- Não! Sonhos devem se realizar, primeiro você idealiza, depois coloca em prática!
- Calma, amigo...
- Não se pode ser cruel demais em se criar que não se pode bancar! Você me deu uma razão pra viver, e não foi apenas ouvindo sua voz!
- Calma, amigo... Calma...
- Não posso viver numa projeção, cansei de imaginar seu rosto, você não me mandou uma foto, não me deu uma pista, até seu nome aqui é uma máscara! E por que, se eu não me escondo, você sim?!
- Amigo, porque há regras aqui, você não foi enganado em momento algum. Tudo o que foi prometido foi cumprido. Prometemos ser um apoio à sua vida, uma ajuda a mostrar o caminho do bem.
- Mas eu não queria me apaixonar!!!
- Amigo, você não se apaixonou, você vive num limite entre a gratidão e a paixão. Fácil de se confundir. Que seja ao menos por telefone, mas que seja isso a forma de se manter dia a dia. As pessoas precisam de uma fuga, um hobbie, algo que seja uma amenidade. E se ela for me ligar, estarei aqui para atender você. Como um filme que te alegra, uma música que te acalme. Serei seu hobbie...
- Você tem de ser minha!!!
- Mas eu sou, sua amiga, seu apoio.
- Ah, chega! Chega! Amanhã, meu último pedido! Se você não aparecer, minha próxima ligação será minha última!
- Amigo, eu…
- Boa noite, minha heroína, mesmo horário, mesmo local. Estarei com um livro na mão esquerda e um girassol na direita.
- Repito, não prometi que irei, não estarei lá. Não tenho responsabilidades, porque minha promessa se limita a... Alô... Alô!

(continua amanhã)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

É O QUE DIRIA SEAN CONNERY

Educação é uma qualidade que nunca sairá de moda. Diria Rousseau que a criança educada é a que cresce afastada dos vícios da sociedade. Modesta e atrevidamente vou discordar do filósofo. Creio que esse software nasça disponível a todos, porém o cabo USB é que nem sempre seja compatível.

A máscara da timidez muitas vezes engana o artifício do mal-educado. Não diria que me enquadro na pele de um lorde, mas estou longe da ogrice. Cansado dos tímidos, evito elevadores com menos de três pessoas. Foram inúmeras as vezes que tive de dizer “eu disse bom dia” para que a saudação aparecesse.

Assim como o uso do dicionário, as escolas deveriam dar aulas de etiqueta. Sim. Como andar na rua, como se vestir, como comer em público, como se comportar em restaurantes, cinemas e afins.

Avisos de “Não buzine”, “Silêncio”, “Desligue o celular” em muitos casos não são uma regra, mas apenas uma ratificação de que a educação deveria ser algo inerente do comportamento humano.

E o mais curioso é que, junto à tecnologia, a educação se molda e se encaixa muito bem nisso. Sou adepto a algumas delas e seria excelente se todos praticassem.

Responder a SMS’s, mesmo que se tenha visto a mensagem horas depois é um exemplo. E, pior do que um simples OK, é não responder a mensagens eletrônicas.

A sensação de nada, de indiferença e até mesmo de insignificância é tamanha que, dependendo do grau de carência do emissor, resultará um grau elevado de distúrbio psíquico.

Os exemplos de comunicação virtual se encaixam num nível saudável de trocas, tenho de ressaltar isso. Entendo que muitas vezes o silêncio é mais aceitável.

Já diriam os mais sábios, a educação abre portas, e é fato. Mas às vezes...

Certa vez eu me deparei com uma ex-aluna no metrô. Solícito, escutei as lamúrias dela por 6 estações. Numa baldeação, tinha a certeza de que me livraria dela (veja que lorde). Mas não, ela seguiu comigo até o próximo destino e, por mais 7 estações, continuei a escutar os fatos chorosos.

Quando cheguei à estação final, enquanto eu me despedia aliviado, ela me perguntou se podia acompanhar-me até o local onde eu daria um curso. E minha educação já capenga aceitou.

Foram mais uns 900 metros escutando o desabafo da fulana. Enfim, já em frente ao local de trabalho, depois de me despedir e de desejar sorte a ela, escutei:

- O senhor vai dar aula até que horas? Posso esperá-lo aqui...

Nem sir Sean Connery resistiria a isso. Portanto, amigo leitor, vou repetir o que eu disse: “aja da forma que melhor lhe convier, a educação abre portas, mas, se for um convite para sua paz, prefiro esta, a educação entenderá muito bem”.

 

 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O CONCEITO DE "EU TE AMO"

O conceito do "EU TE AMO" existe em qualquer idioma, de qualquer forma. Seja no olhar, na atitude ou nas boas desejadas palavras.

Ao longo da minha vida, presenciei e protagonizei todas elas. Porém não me cabe aqui julgar se foram verdadeiras ou se fizeram parte de um protocolo.

Ok, confesso que esteja embalado por Nelson Rodrigues – mudar conceitos é algo não muito comum a mim, e quando, ou se, acontece, preciso acentuar de uma forma para que se ratifique a escolha.

Sou dado às palavras, amo-as, vivo delas e creio que têm um poder gigantesco sobre as pessoas, sobre tudo. Uma palavra mal dada resulta em anos de terapia. Entretanto a certa transforma a personalidade de um indivíduo.

Se fosse escolher, preferiria as palavras.

E o olhar, ah, o olhar. Daqueles profundos que tiram fôlego e todas as palavras. Olhos que penetram e te abraçam de uma forma só, num calor gelado e num frescor quente.

E dizer “EU TE AMO” recebendo esse olhar é de se convidar o silêncio e deixá-lo como anfitrião.

Já a atitude não requer palavras ou olhares. Um gesto simples - basta um mexer nos cabelos durante um engarrafamento para que você torça que a hora do rush nunca termine, para que a troca de sorrisos diga tudo o que as palavras e os olhares seriam capazes de fazer.

Poderia ficar aqui divagando sobre esse conceito do “EU TE AMO” – mas seja com palavras, no olhar ou na atitude, o que realmente traduz é o beijo. Tudo começa e termina no beijo.

E se você tem olhos para amar, boca para beijar e falar ou atitudes para os dois, fecho essa crônica com o link abaixo.

O beijo é ainda o melhor conceito do “EU TE AMO”.

 

 

domingo, 27 de janeiro de 2013

NECROFILIA

Noite fria aquela. Somente algo muito bom deveria acontecer para que ele estivesse naquele velório. Se comparado a isso, uma barata tentado se desvirar seria algo já mais colorido. E numa madrugada de sábado. Algo muito bom tem de acontecer. 10 graus, mãos frias, clima medieval.

Em meio a um clima animador, o cemitério do Araçá parecia ter um ambiente próprio. Faltava apenas um séquito da Santa Inquisição. Seria até interessante, vê-lo levar os velhos que lá estão. Porque se o ser humano já é curioso com a morte, os anciãos parecem se encaixar nisso. Tem-se a certeza de que lá estão somente para mostrar que não foram eles dessa vez ou apenas para se atestar o costume de ter a morte a esquentar seus pés. E estes estavam congelados. Não adiantava bater com eles no chão. Não esquentavam.

Quem, cazzo, morre numa noite fria daquelas, falta de bom senso morrer naquele clima. Um chocolate quente aliviaria. Ele saiu, mesmo tomado por uma lufada gélida, ela a viu. Linda. Ruiva. Linda. Mas não podia ser com ele. Não podia estar com olhos fixos nele. Não. Numa noite daquelas? Quem em sã consciência pensaria naquilo? Sim. Ela olhava e sorria. Ele olhou aos lados. Nada além do frio, a não ser ele. Sim. Era ele mesmo.

Ela estava com a clássica pose de um cigarro apagado, também naquele clima, poucas coisas ficariam acesas. Se nem a vida se acendia por que um cigarro? Ele não fumava, mas se um isqueiro poderia ser útil, a ausência dele naquele momento também foi.

Aproximou-se. Viu que de perto os olhos eram escuros e desejou que fossem vermelhos. Sorriu ao pensar que toda aquela coisa ruiva poderia esquentá-lo e não acreditou que disse isso em voz alta. Não se sabe se foi a ousadia ou a sinceridade, porém ela amou a originalidade e tão bizarro quanto uma madrugada fria num velório foi o beijo decisivo que deu. Quente, molhado.

Enquanto a beijava, poderia estar entre o “que coisa mais louca” e o “por que nunca dei essa cantada antes”. Mas o que prevalecia era o “finalmente a razão de eu estar aqui”.

- No meu carro, tem aquecedor.

E seguiram voando de lá. Pularam túmulos, pessoas e lágrimas. Logo estavam no carro. Um casaco ficou de fora, no chão. Algo não deste mundo. Beijos e apertos. Línguas se trombando, mãos se molhando. Uma blusa no banco de trás. O casaco dele nos pés dela. A saia levantada. A meia-calça arriada. Ele não tirou as calças por inteiro, mas por inteiro estava dentro dela. Num frenesi alucinado, num vaivém louco e vertical.

Fazendo uma flexão sentada, empurrando para cima o teto do carro, ninguém parecia escutar os gemidos daquela noite fria. O gelo calava tudo. O mesmo gelo que se derretia a cântaros dentro dela. Loucura. E depois que a fumaça subiu, ele encostou a cabeça no carro. Ela se debruçou sobre ele e o beijou na boca, sorriu e saiu.

Não se falaram mais naquela noite. Ela voltou para o velório. Ele se lembrou do chocolate quente. E ainda pensava enquanto bebia. Existem coisas nessa vida que são inexplicáveis. Como explicar que alguém iria ao velório da tia-avó do próprio chefe? Tão inexplicável como desvendar quão a química, os gostos e a pele fossem compatíveis com a da esposa dele.

sábado, 26 de janeiro de 2013

DADINHOS, MEUS AMORES!

Quantos pecados uma pessoa é capaz de cometer ao longo de uma vida? E quantos desses pecados seriam, digamos, perdoáveis? Para defender a honra, a vida, um nome. E para defender uma vontade?

Fato é que a mãe e o menino estavam numa quitanda. Os anos 70 ainda espalhavam várias em qualquer bairro de São Paulo. Quem teve o prazer de entrar numa, sabe que o aroma dela só perde para a de uma livraria.

A mescla de frutas e de doces no local traz cores tapo intensas ao nariz que são de embriagar qualquer mortal, qualquer ser glutão.

Enquanto a mãe revirava melões e tomates, o moleque não tirava os olhos dos Dadinhos daquele vidro. E se pudéssemos nos aproximar deles, ouviríamos: “me come, me come, me come”.

Audacioso, o menino mal podia falar engasgando com a própria saliva. Assim que conseguiu engolir, fora certeiro: “compra pra mim, mãe?”.

O horário antes do almoço e as negativas a esmo da mulher disseram não ao traquinas, que deveria não merecer tamanha recompensa.

Ainda assim, ele não tirava os olhos do vidro. Fora arrastado para fora quase tropeçando na própria vontade e deixando mais do que saliva pelo caminho, deixava um desejo imensurável pelo doce.

Durante o almoço e o Globo Cor Especial, não conseguia tirar do pensamento aqueles cubos prateados. Tudo tinha gosto de Dadinho. O arroz, o bife e até o ar, tudo cheirava a amendoim e gordura vegetal.

Vício e vontade insuportáveis! E para defender tudo em que ele acreditava, valia pedir dinheiro à mãe e lutar por tudo! Tomou outro não, como um tapa doído, inesquecível.

Mas os olhos vidrados pediam mais e mais! E quando o corpo pede a droga, o ser humano não responde mais por si. Suando, delirando, ele andou três quarteirões, cambaleante, e rumou firme à quitanda.

Entrou no local, examinou em volta, ratificou que nada o deteria, seguiu até o pote prateado. Viu que o dono não olhava, enfiou a pequena mão e conseguiu pegar uns 4.

Enquanto resgatava o tesouro, o dono viu a cena. Enfureceu-se e antes de falar, o moleque saiu correndo. Poderia se livrar do flagrante. Mas correu como nunca e, na primeira esquina, ofegante, quase desmaiando de cansaço, abriu os 4 e, de uma vez, socou-os na boca.

O gosto de roubar para matar uma vontade deixou-os mais saborosos ainda. Foram os melhores Dadinhos da minha vida.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

SEGREDO SELADO

Vida carteiro nem sempre é tão ruim. Havia os latidos, havia as tempestades e havia momentos mágicos, como aquele, quando o rapaz viu aquela moça. Talvez tenha sido numa conta de luz ou na fatura do cartão, o boa-tarde que ela deu foi diferente.
 
Daquele dia em diante, sempre torcia para que ela aparecesse em seu caminho. Um mês de sorrisos, foi encorajado pelos colegas a se declarar, mas não, preferiu algo mais original: escrever para ela.
 
Na primeira carta, colocou toda a admiração e clichês que se possa existir. E não há como se deixar envolvido, nem que fosse pela curiosidade, por mais óbvio que seja o conteúdo, ela cairia e caiu.
 
Não estava presente quando a primeira foi posta na caixinha. Carta mesmo, com selo, envelope, perfume e com uma caligrafia caprichada, de homem, mas legível.
 
Dia sim, dia não, aquela rua estava em seu itinerário. Como desejou, na segunda carta, estava a moça a sorrir quando o vira. Batata. Sempre soube que aquelas aulas de português no ginásio serviriam para algo. Ela sorriu aquele sorriso lindo e ele, todo corado, se dava de bandeja.
 
E era um desafio e tanto. Dicionários, livros, filmes, tudo servia de motivo para escrever. Depois de passada a limpo, borrifava um perfume da Boticário, dividido em duas vezes no cartão do amigo, e pronto: amor no ar.
 
Terceira carta, e a moça já o esperava no portão, com sorrisos e amores.E assim desenrolou por dois meses quase. Quase 30 cartas depois, ele decidiu marcar um encontro. No próximo sábado, estariam juntos. E óbvio que ela saberia o remetente, mesmo que estivesse e branco, porém principalmente pela carta não vir com o carimbo do correio.
 
E ela estava mais radiante ainda quando recebeu a última antes do encontro. Ele apenas sorria a ela e a menina devolvia um ainda mais largo.
 
Comprou a melhor camiseta polo da loja. Barbeou-se no salão. Nunca tinha entrado naquele café, mas o chefe disse que seria elegante se assim fosse. Encheu-se de coragem e pensou faltar-lhe quando, da esquina, a viu entrar.
 
Esperou cinco minutos, tomou ar e entrou. Ela não o vira. Ele sorriu. Ela levantou a cabeça. Eles se olharam. Ele sorriu ainda mais. Ela olhou aos lados não sabendo se era para ela. Ele se aproximou sorrindo. Ela teve a certeza de que ele vinha em sua direção. Ele parou. Ela esboçou um sorriso. Ele esboçou um cumprimento:
 
- Oi, boa tarde.
 
- Boa tarde.
 
- Surpresa?
 
Ela sorriu e:
 
- Eu não o conheço de algum lugar?
 
Calou o sorriso e as esperanças. Claro que ela o conhecia, mas não ali, não sem uniforme ou sem a carta. Então ele se desculpou, ela disse um tudo-bem simpático enquanto acenava para a garçonete e pedia uma água sem gelo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

DUAS LUZES EM MINHA SOMBRA

Não se explica o amor. Quem ama talvez não consiga explicar por que ama, apenas ama. E é verdade que havia um cachorro vira-lata novo andando pela rua. Muitas pessoas passaram por ele, que as olhou, abanou o rabo, mas voltou para sua busca de sabe-se lá o quê.

E então, o menino saiu. O cão parou, olhou a ele e sentou. Sim. Sentou e entortou a cabeça de um lado a outro e conquistou o garoto de 14 anos. Doido por cães, ele se atracou com o pulguento de uma forma única.

Pediu à mãe que fizesse um prato de comida e viu sorrindo o bicho devorar entre uma olhada e outra para garantir que o menino sairia de lá.

Durante a noite, ele ajeitou uma cama improvisada e escondida na garagem, e o amigão por lá dormiu. Pela manhã, antes de sair à escola, pegou uma travessa de leite, picou muito pão e levou para o pretinho, negro como a noite e iluminado como o dia. Tratou de fazê-lo sair depois para ninguém perceber.

Quando voltou do colégio, lá estava o cão, sentado em frente à casa do menino, que, juntamente ao irmão, se embrenharam nas brincadeiras caninas.

Ganhou a confiança de alguém da família a tentar adotá-lo. Mal comeram naquele dia para levar as sobras ao amigo, fato que chamou a atenção da mãe como também a sua iminente desaprovação. “Não se apeguem demais a ele”, avisou.

E todas as vezes que estava na rua, os dois andavam juntos. O menino ia ao açougue, á padaria, à farmácia sempre acompanhado. E o danado ficava latindo em frente aos estabelecimentos, pedindo o carinho do menino, que saía feliz pelo bairro, desfilando toda aquela viralatice linda.

Foram várias as manobras de alimentar o cão e fazê-lo esconder da mãe. E nisso ele se saiu muito bem, o amor faz isso, a lealdade faz isso.

E começaram as brigas e a realidade. Ele implorando para ficar com o cachorro, que daria banho, veterinário. Mas a mãe fora implacável, estava disposta e ganharia o terreno, justamente por ser a mãe e não querer.

A lição deixava de ser feita, as horas de TV e de estudo cediam, o menino e o cachorro passavam a tarde toda e parte da noite juntos. Até que um dia, um basta foi dado.

Certa tarde, quando o pai voltou pra casa, mal entrou e saiu chamando o menino, eles conversaram. A mão no ombro e a lucidez do homem tentaram acalmá-lo. O cão também tentou, entortando a cabeça de um lado a outro.

E os três entraram no carro. O menino quieto no banco da frente com o amigo no colo, feliz, com a cabecinha pra fora. Como eles amam sentir o vento no rosto. Uns dez quarteirões depois. O pai parou o carro. O menino abriu a porta, o cachorro desceu. O menino fechou a porta e chorou, quieto, em silêncio.

Não quis olhar pelo retrovisor nem ver o desespero do amigo correndo atrás do carro. Ele tentou perseguir talvez até por dois quarteirões. E, aos 14 anos, ele sofria o primeiro golpe da vida. O primeiro coração partido.

Não comeu naquele dia. Não viu, mas a imagem era clara em sua mente e isso o torturava. No dia seguinte, não havia ninguém esperando por ele. Sorrateiramente, ele o procurou a pé pelo bairro, a tarde toda, ao menos para tentar explicar a ele que não fora sua intenção.

25 anos depois, eu ainda tenho essa imagem, mas, hoje, são dois pretinhos correndo atrás do meu carro.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

SPAsmo

SPA é uma coisa interessante. As pessoas pagam horrores para se livrar do peso, do estresse, aceitam as condições e – quando se veem entregues a esse nazismo – fazem de tudo para burlar as leis. É como morar sozinho e fugir de casa, sorrateiramente.

É uma espécie de rebelde sem causa. Ou a extrema carência que leva a pessoa a querer se rebelar contra algo que ela mesma poderia evitar. É como fazer análise e discordar do profissional.

Fato é que o rapaz não queria ir para aquele SPA, lindo, no interior de São Paulo – os 130 quilos e a família o mandaram para lá. Seriam 300 calorias por dia, sem contar as inúmeras atividades.

300 calorias o cara consumia em 5 minutos, com 400ml de refrigerante. Convenhamos que isso não era uma tortura, faria qualquer Torquemada falar: “Ô, tá de sacanagem!”.

Depois de revistado, apresentado ao quarto e aos outros gordinhos simpáticos, foi para a primeira atividade do dia: caminhada de 4 km – quase uma minimaratona. Litros de água pra fora e o dobro pra dentro.

Piscina e hidroginástica. Almoço. Duas folhas de alface, meio tomate e abobrinha. Mau humor. Água para encher a barriga. Dança. Mau humor. Suor. Água pra encher a barriga. Mau humor. Mau humor. Mau humor. Jantar, meio filé de frango e uma colher de sopa de cenoura ralada. Mau humor.

Como na prisão, existem as conexões. E por lá apareceu um telefone de uma telepizza. Brilho no olhar. O cara, um quilo mais magro em menos de 24h, tomou do celular e fez o pedido.

Correu, como nunca, até o portão, esperando pelo motoboy, cruelmente interceptado pelos seguranças. Infrator delatado, expulsão iminente. Ele, 22 anos, bilionário, herdeiro das empresas do pai, enquadrado na lei pó causa de uma pizza, um refrigerante e 25 reais.

O olhar de desespero de todos, da solidariedade, contrastava com o de ódio dos instrutores e o de fúria e de fome dele.  Naquela mesma noite, o motorista foi buscá-lo.

No dia seguinte, o clima era tenso. Antes da primeira atividade e do café, o sermão foi reforçado, dizendo que nada seria tolerado, dinheiro algum poderia comprar uma regra e que o exemplo não fosse seguido.

Depois do iogurte light e da meia fatia de queijo branco, foram para a caminhada de 4 km, sempre com um instrutor feliz. Felicidade alheia, barriga vazia pela manhã não são coisas que se desejam.

Durante a caminhada, desejariam algo a mais... Como um bombom caindo do céu. E foi isso mesmo que aconteceu. Estavam chovendo bombons, balas, chocolates, salgadinhos e não era uma alucinação, apenas um alucinado por comida, milionário, que, do helicóptero do pai, fez a boa ação do dia.

O séquito esqueceu o instrutor bem-humorado e se jogou no chão, abrindo as guloseimas e se deliciando com elas. E as bênçãos daquele dia vieram em forma de KOPENHAGEN, CACAU SHOW e afins!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ENDOSSANDO NELSON RODRIGUES

Assim que voltou da audiência litigiosa, exausto, abriu a última caixa no novo apartamento. Encontrou uma carta que um dia jurou ser eterna.

“Talvez dentre todas as coisas deste mundo, a mulher é ainda a mais audaciosa e a mais maravilhosa criação de Deus, pelo menos a minha mulher é. Há pessoas que tiram o melhor de nós, e há as que tiram o pior.

Ela não, ela foi quem me deu asas, quem me deixou voar e quem me faz ser o que sou. Tantos sonhos que não caberiam em minha mente só. Tantos desejos e visões que não conseguiria enxergar sem ela. Meus óculos e meu mundo! Queria poder falar tanta coisa a você, queria poder dizer tanto o que tenho em meu peito. Mas tenho medo, do que ainda não sei. Medo de ser rejeitado, ou até mesmo de ser feliz.

As linhas aqui são meu divã e meu psicanalista, meu mais oculto segredo. Talvez não tenha coragem de revelá-lo. Não tenho a bravura e a verdade suficientes para gritar o que sinto. Um covarde? Não sei se a certeza da segurança me dá a confiança de um caminho certo, sem que me atenha a armadilhas ou a deslizes.

Os olhos da alma, o reflexo de muita coisa. Falar de você, falar da pessoa mais brilhante e admirável que conheço não é uma tarefa fácil, mas, ao mesmo tempo, é uma deliciosa posição de voyer, um voyer de mente e de sonhos. Imaginar o que não existe é mais seguro do que arriscar construir as visões e realidades que existem. Hoje, depois de tudo o que disse a ela, há uns seis meses, sei que poderia ter dito há seis anos quase.

E o que seria de minha vida hoje, se tivesse aberto a boca. Não sei. O que é de mim hoje sem tê-la aberto, está ao meu controle. Não sei. Estou confuso. Pela primeira vez em minha vida, acho que o amor está por aqui! Tenho medo até mesmo de dizer. Queria poder ter a coragem para falar, a coragem para realmente dizer o que sinto. Acho que o que disse, nem tudo, falta ainda vir daqui do fundo.

Vou falar de você para mim. E enquanto não falar de você para você, fico aqui lendo e relendo. Tomando susto e me surpreendendo com as minhas revelações, com a materialização dos meus pensamentos, do meu coração. Se for o nada que tenho de resposta, é melhor que uma decepção, o medo de arriscar, o medo de não conseguir. O medo de ser feliz, o medo de não ser feliz.

Vou falar de você, falar de uma mulher que nunca em minha vida sonhei em tocar, toquei-a uma vez só. Toquei-a sim, um beijo, nada mais. O medo de ser proibido. Uma sensação estranha, de medo e de prazer. Acho que de amor, talvez essa seja a palavra certa.

Talvez a sorte tenha se revelado para mim. Fechar os olhos e pensar que tudo pode ser sonhado. E se arriscar? Não, não posso! E por que não? E por que sim!? Arrepender-me de algo não feito é pior do que se arrepender do passado! Tentar desfazer é melhor que tentar fazer.

Assim, a você, minha mulher, falarei e deixarei você falar, que o que sai de sua boca é mais do que bem-vindo, é sorver vida. E de seus lábios me entrego e sou quem sou hoje! E, quem diria, eu, que tanto aporrinhei você com o Simple Minds e sua única música, digo hoje, Don’t you forget about me!

Dezembro de 2005”.

 
Não sorriu nem chorou. Amassou a carta e foi correr no parque, porque agora endossava o mestre Nelson Rodrigues, que disse “quando há amor nem a morte é uma separação”.

 

domingo, 20 de janeiro de 2013

AO MEU GÊMEO GÊNIO!

Quem tem certa assiduidade em meu blog cansou de ler textos envolvendo eu e meu irmão mais velho. Talvez porque as sandices e os gostos nos tenham colocado mais em evidência.

Quem me conhece sabe que tenho um irmão gêmeo, o Luciano, pouco citado porque ele é a extensão de meu pai, sereno, nada traquinas e odiosamente responsável.

Se eu começasse a citar todas as benfazejas desse anjo neste mundo, só acabariam com minha imagem de o gêmeo podre da história. Mas, como diz meu irmão mais velho, endossado por uma amiga minha: “Adriano, você se basta” – decidi enaltecer esse cara, que dividiu por 9 meses a barriga da minha mãe e ficou somente com as sobras.

Esse moço, aos 9 anos, começou a confeccionar aquelas pulseirinhas com nomes. Ele as vendia na escola. Tinha uma lista de clientes e, com o dinheiro acumulado, comprou um tênis Rainha.

Excelente zagueiro. As notas 10 no boletim foram uma constante, em todas as matérias, da primeira série ao MBA.

Nunca reclamou de nada. Era o primeiro a se oferecer a arrumar a mesa, buscar o pão, guardar a roupa, desgalhar a salsa (odeio fazer isso). Sempre fazia massagens no meu pai, nunca tomou uma surra da minha mãe.

Começou a estagiar aos 17 e fez uma brilhante carreira com os números. E é a eles que guardo um agradecimento eterno.

1988. Primeiro ano do ensino médio, fiquei em recuperação em matemática. Precisava de um sonoro 6 para passar. Quando digo sonoro, era mesmo, porque minhas 4 médias bimestrais juntas não somavam 15 pontos.

Desesperado, voltei daquela aula tendo de aprender o que nem o professor conseguiu. Em casa, minha mãe pedia para que ele fosse minha salvação. Pacientemente, como somente Luciano sabia ser, ele pegou toda a matéria do ano e olhou.

Fez uma careta, coçou a cabeça, pegou o lápis e na minha mão e me ensinou o be-a-bá daquele inferno. Na semana seguinte, fiz a prova. Voltei e ele me perguntou, antes de meus pais, como eu tinha me saído. Devolvi aquela cara tão manjada de “eu fiz”.

Dias depois, soube que havia passado de ano com meu sonoro 6. Minha nota mais alta de matemática desde a quinta série. Tenho certeza de que eu nunca o agradeci, porque, se eu passei, foi pelas mãos desse gêmeo brilhante.

Ele me olhou e sorriu. Recebi parabéns de meus pais, mas sempre soube que os parabéns deveriam ser a ele.

Talvez Luciano Paciello nunca leia esse texto, porque os números sempre foram mais marcantes em sua vida que as letras. Gênio, irônico, destoante. Fã de Def Leppard, Tina Turner, Ronnie James Dio.

Entretanto uma coisa eu sei muito mais do que ele: de todos os degraus que precisei para não cair no abismo, até hoje, a maioria veio dele.

Mas ele nunca me deixou agradecer por completo, sumia pelos ares antes disso.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

MARCOS VINÍCIUS E A MONGA

Sabe-se lá por que diabos você vai a uma padaria em São Bernardo do Campo, talvez fosse porque um amigo precisasse desabafar e não encontrou uma padaria ideal em Santo André.

O que é real mesmo é ter encontrado o Marcos Vinícius, professor, empresário, blogueiro, baterista e estagiário de Steve Harris para uma tarde regada a café e pães, bastantes pães.

Desabafos e análises em dia, um terceiro elemento chamado acaso uniu o município à infância dos dois: CIDADE DA CRIANÇA.

Um olhou ao outro e sorriram, gargalharam e disseram “por que não?”.

E 30 anos reaparecem na vida deles. Ficaram parados em frente ao local. Eu fiquei estarrecido, emocionado, porque um dia aquilo esteve em meus sonhos e foi real.

Abrindo um túnel do tempo, volto em 1982, quando, numa excursão pelo colégio, na falta do Playcenter, a Cidade da Criança servia de um genérico muito competente, tal qual a Pepsi para a Coca-Cola.

Ganhamos uma cartela que valia passagens para todos os brinquedos e aquilo era como uma abelha numa floreira. Uma das lembranças mais lindas da minha vida, da minha infância.

O Vini é que me incentivou a entrar e assim fomos. Como queríamos apenas ver o parque, não pagamos a entrada. E, amigos, foi uma visão... Decepcionante. Se a decadência tem um rosto, ela estava lá.

Porém, o mais interessante, é que os dois nos divertimos e rindo de como aquela simplicidade toda foi, um dia, nosso sonho. Percebemos que sonhos também têm data de validade e que ficam pelo caminho como pessoas, como pegadas.

A pequena montanha russa, que mais parecia um metrô menos seguro, o carrossel vazio, até os cavalinhos estavam deprimidos. Um domingo cinza, mas que trazia a algumas crianças, que corriam por ali e gargalhavam os sonhos que um dia também não lhes servirão mais.

Mas antes de irmos embora, o Vini me convidou a investigar se ainda existia o show da Monga, a mulher que se transformava em macaca. Surpresa, havia e a próxima sessão começaria em 15 minutos.

Um grupo de 3 ou 4 pessoas estava na entrada. Não eram espectadores, senão os produtores do evento. Chegamos perto e percebemos que, de tão decadente, a macaca – já transformada, de chinelo e regata (coisas que atraem o Vini ao nojo)  – esperava do lado de fora. Sabiam que não haveria sessão.

Vinícius chegou perto e perguntou à Monga: “Quem é que faz a macaca antes de se transformar?”

A própria Monga respondeu: “eu mesma uso a fantasia da macaca” – pois é, jurávamos que ela estava fantasiada já, mas não, em silêncio, soubemos que ainda o show não havia acabado, porque nem havia começado. Bizarro...

 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

NA DÚVIDA, SIGA O SEU NARIZ

É inegável que todo artista, independente de qual seja o campo em que atue, tenha um ídolo, uma referência, uma inspiração.

Inegável também não associar o melhor livro, o melhor filme, a melhor música à época ou à situação pela qual você esteja passando.

Vou revelar algo antes de prosseguir, e vocês me darão razão ao término do relato: tenho rinite. E das feias. Meu nariz existe apenas para separar os olhos. Minhas crises beiram à exaustão e ao ódio... Meu e alheio.

Certa vez, numa tarde no escritório, por causa do carpete do local, consegui contar 43 espirros seguidos. Lembro-me do meu chefe: “Adriano, você não acha melhor ir para casa?” – não fosse pelo trabalho apertado, eu teria sorrido.
 
Poderia ficar horas contando histórias e mais histórias de como me tornei insuprtável e inconveniente à sociedade, mas prefiro não me expor mais.

Quem sabe dessa alergia, entende perfeitamente que aquela coceira insuportável dentro do nariz, aquela coriza intermitente, aquela água que verte pelos olhos. Os olhos que ardem, os espirros que não passam e aquela sensação de que você não consegue raciocinar nem completar uma frase.

E agora você me pergunta: “O que isso tem a ver com seu melhor livro, filme etc.?”

Patrick Süskind escreveu um primor chamado PERFUME, A HISTÓRIA DE UM ASSASSINO. O romance narra a história de Jean-Baptiste Grenouille, um rapaz que nasceu sem exalar aroma, mas tinha o melhor nariz do mundo.

Ele consegue preparar um perfume com a essência do amor e se torna único, desejado, um deus. Ao terminar de ler suas linhas, desejei ter escrito o livro. Mais do que desejar ser o autor alemão, desejei ser o protagonista.

Quis também ter a essência do amor em mim ou, ao menos, conseguir sentir - nem que seja a meio palmo de distância – quais aromas evitar por esta vida.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

QUANDO ME TORNEI ANJO

Falar de ídolos não é algo fácil sem que seja piegas e provoque o gosto de todos. Inevitável quem lê a respeito de uma idolatria alheia parar e pensar se o exagero impera ou apenas os fatos.

Até hoje não consegui – talvez nunca consiga ou nem precise – medir um indivíduo ao saber quem ou quantos este idolatra. Filosofia demais. Mas pode-se ter uma ideia a respeito, verdade pura.

Pelas minhas predileções artísticas, literatura, música – se eu pudesse nascer de novo, não teria dúvidas, escolheria voltar Freddie Mercury ou José Saramago. Quem sabe os dois. Pretensão demais. Como diria meu pai, “pedir sempre é possível”, não titubearia em reunir tanto tempero.

Teria as letras mais fabulosas, junto a melodias, voz e piano impecáveis, mesmo tendo a certeza que a uma vida só não caberia tanto talento.

E acabei sendo um aspirante a autor e um cantor enxerido. Mentiria se dissesse que a cada show eu me vejo em Wembley embalando uma multidão ou – a cada letra digitada por aqui – interrompo o trabalho para explicar o que é ser o primeiro Nobel literário brasileiro.

Sonhador, eu sei, eu sei.

Mas não poderia esquecer daquela senhora. Quando se leciona, você entra em um mundo à parte. Não é você, é o professor. E seria injusto aqui com todos os meus alunos, nesses 15 anos de tablado, se não dissesse que fui alvo de aplausos e afins.

Mas aquela senhora foi diferente. Ensino médio de formação, mãe de dois formados, viúva. Entrou para o curso preparatório talvez apenas para se sentir viva. Nas seis semanas de curso, via os olhos curiosos e os dedos pouco ágeis em ação. O sorriso era comum assim como ficar depois das aulas para acabar de copiar o conteúdo da lousa.

Nunca perguntou, nunca falou comigo, porém eu sabia que as dificuldades existiam. Tentei várias vezes, olhando a ela, saber qual era a dúvida. O silêncio sempre a acompanhou. Sempre me devolvia o bom-dia, sempre se despedia sorrindo. Eu a esperava acabar de copiar o conteúdo e perguntava se havia dúvida. Nada.

O curso terminou. No último dia, ela me trouxe uma caixa de bombons e um cartão. Indelicadeza minha não ter tempo para lê-lo na frente dela, que talvez torcesse para não, porque me entregou, abraçou-me e sumiu, sem copiar o conteúdo da lousa.

Em casa, enquanto comia um dos chocolates, abri o cartão. “Professor Adriano, mais do que a gramática, o senhor me ensinou a sorrir de novo. Obrigado por ser o anjo que o senhor não acredita que seja, mas é”.

Nunca mais a vi. Perdi esse cartão. Mas naquele momento tive a sensação de ser maior que Freddie Mercury e José Saramago, mesmo que ambos tenham perdido mil vezes mais todos os cartões que receberam.

Eu também tive uma idólatra só para mim.     

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A BARBARELLA DE SIMON LE BON

- Dria, comprei os ingressos para o show do Duran Duran, em maio! Você é meu convidado!

Foram essas as palavras que ouvi do Vini depois de um “alô” em janeiro de 2012. Não bastava ser um presente, mas se esta palavra realmente traz mais do que sua intenção, era um show de uma banda excepcional, na pista vip com um amigo de outros shows.

O sim foi inevitável. E aqueles quatro meses passaram voando. Qualquer show decente é maravilhoso, mas existem aqueles que se superam. Lembro que lecionei naquele dia, manhã e tarde, voltei voando para comprar comida à minha pug, jogar uma água no corpo e me encontrar com o Vini, que já estava há uma hora na fila.

Dia frio, cinzento, uma volta aos anos 80 em plena quarta-feira cinza de outono. Furar a fila, fazer aquela cara de paisagem e fingir voltar à conversa com ele foi fácil. Difícil é aguentar papo de fã. Coisa mais chata. O Vinícius é fã, mas é aquele fã com Lexotan, controlado. Acessem http://m-andms.blogspot.com.br/ e comprovem que minha visão é mais fanática.

Mulherada chata e tiazonas mostrando que foram a inúmeros shows, cazzo, até hoje não sei quem esses fanáticos querem impressionar com isso tudo. Confesso que sabia muito da banda, não era um fanático, mas quem disse que precisa ser fã para ir a um espetáculo.

Nem no show do Queen, em que chorei toda a primeira música, após 23 anos de espera, fiquei me exibindo na fila ou na espera. Enfim, entramos. E aquilo foi bizarro, ficamos a uns 4 metros do palco. Quando via shows pelo TV, aqueles sortudo debruçados nos alambrados, achava o máximo.

E foi o que fizemos, os dois nos debruçamos nas placas. Inevitável aparecerem os amigos de show. Dois colaram em nós, uma exibindo fotos com o Bruce Dickinson e afins, chata – chata porque eu estava com uma inveja do inferno dela.

Enfim, eles entraram. Som perfeito, performance impecável, luzes na medida. Sabia que o show seria bom e me enganei, foi mágico. Fora a primeira música do último trabalho dos caras, que por sinal era excelente, todas as demais eu conhecia, eu era fã e não sabia disso.

Ver que Simon Le Bon engasgou numa música, esquecendo a letra, fez-me mais solidário a ele – vocalistas também erram – ouvir Save a prayer, Rio, Reflex, músicas que passaram comigo os anos 80 decididamente marcante.

Mas, fazendo um à parte, aliás, dois - não estragaram de modo algum minha noite – quando Fernanda Takai subiu ao palco, ouvir um incômodo na plateia e mal ouvir a voz fraca dela e Ordinary World, até isso foi delicioso.

E o mais surreal foi, entre o palco e onde ficamos, um espaço destinado a cadeirantes, um flash a todo instante deixava claro o fanatismo da moça. Só que não. A menina, uma loira que acompanhava um rapaz, não parava de tirar fotos... Dela mesma. Talvez ela nem soubesse quem era a banda, porque naquela noite de espetáculo, ela, para ela mesma, foi a melhor atração da noite.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

NE ME QUITTE PAS

Já diria um provérbio turco que somente Deus pode se dar o direito à solidão, endossaria Tom Jobim que é impossível ser feliz sozinho. Se provérbios e versos famosos são clichês permitidos, talvez deva haver um fundo de verdade.

Escolher quem estará nesse nicho tão complexo é uma tarefa tão impossível que somente o coração acaba decidindo.

E como a coincidência é o destino que perdeu a agenda, muitas vezes a nomeamos associando a um fato bem-sucedido, a uma surpresa bem-vinda. E já que somente os vitoriosos contam a história, cabe aqui um relato de dois campeões.

França, século XXI, brasileira, estudante de arte matriculada num curso de arte medieval. Se um nome cairia bem, que seja Claire. Pontual nos traços e um desastre nos ponteiros, sobe correndo os degraus de mármore. Abre a porta da sala e vê Theodore, brasileiro radicado em Paris já há 6 anos.

Eles se olham. Ele gagueja, ela sorri tímida e cora. Ambos soltam um bom-dia tenso. Ela senta e ele retoma. Ao fim do primeiro dia, ela retarda a saída esperando um adeus mais dedicado. É o que acontece, corados se despedem, desejando que ambos voltem no dia seguinte.

E por quase um mês, três vezes por semana, limitaram-se a um bom-dia bem mais direto, seguro. Ele conseguia gaguejar menos quando a olhava durante a aula, ela conseguia os melhores traços do seu rosto enquanto falava.

O fim daquele módulo pontuou somente a última frase. Ambos se esperaram. Todos saíram. Ela se aproximou com um envelope grande com mais que duas palavras: “Tudo o que aprendi com você!” – era um retrato lindo dele.

Ele sorriu, abriu a gaveta da mesa, e tirou um CD da banda que estampou várias camisetas dela durante o curso e disse: “Um pouco que aprendi de você”.

Trocaram endereços e riram juntos quando perceberam que apenas 1km os separavam um do outro. E deram murros ao quase azar de uma vida inteira, sem querer, de nunca se encontrarem.

Naquela noite, ele procurou por ela, que há dois minutos já estava pronta para recebê-lo, mesmo sem terem combinado nada. Ela desceu, Theodore ofereceu uma rosa.

E quando ela explicava como amava Piaf, ele agradeceu aos céus por Claire
não ter se matriculado no curso da sala ao lado.

E quando ele disse que Piaf deveria ser ouvida com champanhe, ela agradeceu por ter aberto a porta do curso errado.  

domingo, 13 de janeiro de 2013

GREVES DE SEXO, parte 2

A esposa, que saiu fula da festa, por saber de uma mentira do marido, o colocou para dormir no sofá. E se o homem inventou o sofá, ele trouxe duas maravilhas o TV e a INTERNET e o melhor, com ela, as redes sociais, os e-mail’s de sacanagem dos seus amigos.

Não soube se ela escutou, provavelmente sim, porque colocou no volume máximo as campainhas do MSN, ainda que fossem do Zezão, solteirão convicto e comparsa da história toda.

Conversaram como nunca. Se a esposa tivesse escutado tudo, ela não devia saber, mas o futebol nas letras da tela deveria ter uma conotação de flerte virtual.

O notebook vinha anexo ao sofá, ao TV e seria a companhia perfeita para o resto da noite. MUITO BOM!!! Inevitável...

E como o tempo cura tudo, a raiva passou e a sensatez deu o ar da graça. E o cara deixou de ficar na mão, literalmente, há um mês. Quando apareceu uma festinha na casa da tia dela, celebrando a volta da prima de uma viagem à Itália.

Conselho, seja solícito apenas com homens ou mulheres acima de 80 anos e só, nem com a irmã dela e muitas vezes, ignore até a sua. Mas não, a ida dele a Veneza, quando nem conhecia a esposa foi um atrativo e tanto à fúria da esposa.

Os dois, marido e prima dela, se divertiram nas conversas e por um tempo eram somente as vozes deles explicando fotos, história e locais a todos, e piorou quando uma tia maldosa comentou “Parece que vocês estavam juntos lá...”

Volta. Carro. Silêncio. Resultaria em sofá. E pior nada foi dito. Sofá iminente. MUITO BOM!!! Não que seria algo bom, mas aprender a dançar com a chuva seria uma boa. Ela nem respondeu ao “amor” dele. Chegaram. Ela se trancou no quarto.

Ele foi à cozinha, virou a garrafa de água, foi ao banheiro, escovou os dentes, tirou a roupa, ligou o TV HD e o note sumira ... o controle remoto também havia sumido. Se ela escutou todas as campainhas do MSN e do flerte fake?

Sim, ela escutou, e pior, ele levou dez minutos procurando o note, e o que passava no HD era o interessante teor do TV Justiça.

Quando elas provaram serem seres não deste mundo, sempre há uma surpresa ainda maior. Pior que mulher irada, é mulher irada e maquiavélica.

E naquela noite foram somente ele, o sofá e o programa Direto do Plenário, e era uma reprise...

 

sábado, 12 de janeiro de 2013

GREVES DE SEXO, parte 1

Que o sexo seja um assunto polêmico, complexo e um tabu o mundo sabe, até para quem não pratica, mas por que cazzo somente elas fazem greve? Greve de chocolate nada, só em caso de promessas – e que isso não seja uma ideia nas mentes femininas.

Quem faz greve de algo que é inerente do ser humano? Quem? Alguém faz greve de dormir? Greve de ir ao banheiro? De respirar, ouvir, olhar, tossir, espirrar, andar, viver? Não! Isso é contra qualquer natureza, qualquer curso natural, qualquer destino ou profecia.

Mas elas conseguem, as mulheres são tão espetaculares – isso temos de admitir – que conseguiram criar uma greve tão absurda. Pergunta: e elas? O que fazem sem o sexo? Resposta: levam uma caixa de bombom para a cama!

E o mais brilhante, conseguem fazer uma greve que só trazem prejuízo ao oponente. Sim, sem risco a elas. Quando se há greve de trabalhadores, o risco de desemprego muitas vezes é iminente. Porém qual o risco que elas correm?

O lesado quando se deparar com isso é capaz de falar: “Caso haja um furo, estou aqui, as reivindicações foram aceitas”.

E o que mais irrita é saber que temos duas cabeças e elas sabem, como ninguém, mexer com uma delas, ratificando que a racionalidade masculina para na cintura. Quem inventou o sofá deve ter sido um cara numa noite de greve dessas.

Estava o casal numa festa de amigos da faculdade dele, e, como todo passado não contado, ele volta. Conselho, se for expor seu passado diretamente à esposa, melhor que ela saiba de tudo antes, até mesmo da Bruninha, sim, aquela mesma com quem ela invocou quando apareceu no Facebook, e com quem você negou ter tido um caso.

Amigo, vá por mim, elas sabem, elas sentem, elas farejam, e como todo passado sujo é como uma bolha de ar na água – sempre vem à tona – numa reunião dessas a tal Bruninha estará e sua esposa, cara, descobrirá uma viagem ao litoral e uns beijos numa noite de truco e de violão.
 
E foi o que aconteceu. A Bruninha estava lá, o faro também, e as bocas-abertas disseram amém. Sim. A mesma “piranha”, diria a esposa, a mesma da internet. “Vagabunda eu sinto de longe!” – diria.

Pergunta: vagabunda tem cheiro? E se sim, como elas conhecem, como elas sabem? Enfim a bolha estourara. E aí aparece o poder do júri, a volta, a caluda situação no carro.

Você sabe que fez merda, ela sabe que você sabe que ela sabe. E pior, ela sabe que você sabe que ela sabe e que você nada falará no assunto. E já que ela sabe, você tenta disfarçar.

“Tudo bem, amor?” – “Sim!” – carrancudo e coberto de ódio.

Esse sim leia-se: não e você é a causa disso. Ah, quem nunca teve um julgamento numa volta de festas? Depois de alguns quarteirões e ele torcendo para chegar rápido, ela emenda “Então a Bruninha era ninguém, alguém que você não conhecia?!!! Você mentiu para mim!!!”.

Resultado: sofá! Sem lençol, sem pijama, a porta do quarto foi trancada e eram apenas ele e o sofá. Outro conselho, sem presentes nem flores, porque o artefato lembrará o passado.

(Continua amanhã...)