terça-feira, 28 de junho de 2016

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR...

Roberto é um mecânico dedicado. Há anos a graxa está presente na família. Foi o avô, italiano carrancudo, que o incentivou a abrir o capô dos carros e entender a engenharia dos homens.

Nunca acreditou em Deus. Talvez por Ele não aparecer entre os parafusos e os inúmeros automóveis da oficina, ou simplesmente por estar em falta no mercado, porém isso talvez mudaria radicalmente de uma forma outra naquela noite.

Juan Jesus Arribal era filho de espanhóis e herdara há anos da família uma rede de restaurantes na capital. Foi a avó que o incentivou a abrir a primeira panela. Chegou a chef, formado em Paris e voltou pronto a tudo. Uniu o fogão à administração, os 3 estabelecimentos viraram 8.

Nunca acreditou em Deus. Talvez por Ele não aparecer entre as faturas ou por o restaurante sempre estar lotado, em esperas intermináveis, contudo isso mudaria radicalmente de uma forma ou outra naquela noite

Sabe-se lá por que motivo o milionário estava sozinho naquela avenida numa noite fria, afastada. Os assuntos que o levaram até lá podem não ser pertinentes, entretanto nos é essencial perceber que o carro começou a engasgar há 15 minutos. O importado tinha uma engenharia difícil, ignorância do dono, que dispensou o motorista para velar a mãe.

Assim que entrou naquela avenida, percebeu que o carro falhou e parou. A quase madrugada não serviu de empecilho ao caótico trânsito da capital. Os 9 graus poderiam ser definitivos a isso também. Taxi àquela hora seria uma bênção. Não havia algo vivo por ali. E sabe-se lá quem seria a seguradora ou o corretor do homem, falta de bom senso acordar a secretária para tal.

Quis o destino e por sorte de Juan que a cunhada de Roberto fosse geminiana e aniversariasse sempre no inverno. Quis o destino e por sorte de Juan que Roberto gostasse tanto dela que fizesse questão de aparecer, mesmo naquela segunda-feira. De longe avistou o pisca aceso e o capô aberto.

Nunca entendeu por que - mesmo que alguns motoristas só soubessem guiar – certas pessoas tentassem enxergar um problema invisível. Talvez fosse um sinal, um chamariz, um “Me ajudem”. E assim se deu. Pelo carro e pela cara do dono, o sobretudo constatava o fato, decidiu se aproximar ou até esperar que o guincho viesse.

Ressabiado e assustado, o empresário olhou Roberto, que, com um sorriso e de mãos dadas à esposa, afastou qualquer possibilidade de ameaça. Não se sabe o que falaram, porque a distância não nos permitiu ouvir. Fato é que, mexe daqui fuça dali, em meia hora o carro funcionou.

Ainda que preferisse voltar de ônibus e não cobrar o serviço, mesmo porque aquilo foi apenas um ajuste para que se voltasse seguro pra casa, foi convencido a subir no carro e a ser levado pra casa.

Conversaram muito durante o trajeto. Antes de deixá-los, o casal recebeu um jantar cortesia em um dos restaurantes da rede e a promessa que, assim que amanhecesse, o carro estaria numa oficina para o reparo total. O casal se protegeu do frio e o empresário, dos riscos.

Dias depois, um cartão chegava pelos correios. Sim, de agradecimento, de profundo apreço a pessoas únicas. Junto a ele, havia um farto cheque, com a promessa de nunca mais precisarem de ônibus. Se anjos existiam, Roberto era prova viva de que Deus organizava as coisas por ali.

Ao mecânico, de uma forma ou outra, este sim poderia, no carro seminovo que pagou à vista, colocar o adesivo e divulgar literalmente a boa-nova: “Foi Jesus que me deu”.   

quarta-feira, 22 de junho de 2016

UM CASAL E UMA CONVERSA QUALQUER

Sentar sozinho num café na Paulista pode ser um ato solitário, mas pode ser um entretenimento convidativo. Estava de costas a esse casal, não escutava o rapaz, mas a opinião da moça era mais ou menos assim...

Quantas vezes, na Espanha, fiquei pensando quando passava diante de um hotel, ou uma pensão, que poderíamos fazer o mesmo, sempre que pudéssemos. Sabe, às vezes acho que a vida e os fatos, claro - os únicos que podem te dar prazer e benefício, sempre se repetem, você apenas transporta a situação para o futuro. E muitas vezes é muito fácil ser feliz, preparar a felicidade sem depender de ninguém.

Um clima perfeito, com sol ou não, com frio ou não, e com você, sempre! O ambiente se transforma, muda para algo fixo, como se pudéssemos, por exemplo, trazer um quarteirão inteiro da Champs Elysée e colocar no meio da floresta Amazônica, o que acha? Ainda que os limites sejam diferentes, o que se pode mudar se encontramos o que precisamos bem ao nosso lado, bastando apenas esticar a mão para alcançar nossos desejos.

Nada. É como uma música, se uma música te lembra uma coisa boa ou ruim, sempre quando for tocada, o ambiente estará presente. Com certeza. É por isso que nunca escuto rádio quando estou magoada ou triste. Felizmente, são poucas as músicas que me fazem lembrar de momentos que sei que nunca vou esquecer, mas ouvir algo é trazer para si o passado, e como o passado é eterno, nós sempre o vivemos pouco a pouco.

Nunca se separa da gente. É como a nossa sombra. Podemos envelhecer, mas a nossa sombra nunca muda. Nosso passado nunca muda. Podemos deixá-lo escondido. Podemos muitas vezes escolher em que momento ele começa, entretanto, quando menos se espera, ele aparece em nossa mente. Daí, para esquecer é duro, é complicado. E é pode ser perigoso escutar alguma coisa ou sentir algum aroma quando o passado nos chega de surpresa. Não é mesmo? Sim. Com certeza.

Concordo, os livros são a mesma coisa. Quantas vezes uma literatura menos rica nos faz mais felizes que as clássicas. Elas podem ter representado um passado feliz, um momento de alegria. Você consegue controlar a alegria e o passado. Eu ainda não tenho tido tanto sucesso. Aproveitar um momento de felicidade e colocar músicas que nos deixam para cima, fazer esse mix. Sim, não consigo.

Por exemplo, olhe para fora, veja este clima de final de dia, um friozinho de uns 15 graus, como gostamos, esse ambiente de trabalho produtivo. Minha tese, seus livros, essa bebida, você, eu. Esse momento pode vir a ser feliz a partir de amanhã.

Sabe, às vezes acho que não aproveitamos o momento inteiro. Ou não nos damos conta de que um momento qualquer pode vir a ser feliz. Quantas vezes dias felizes só se tornaram felizes no dia seguinte. Noites inesquecíveis têm mais sabor quando ficam no passado. Parece que não saboreamos o exato momento. É o caminho inverso de um feriado ou a espera de algo muito importante para nós.

Nós vivenciamos cada segundo antes. Mas a felicidade, nós a vivenciamos sempre no futuro. É possível parar o mundo e falar: este, este é o exato momento em que estou feliz, parem tudo que quero saborear este momento! O presente nunca existiu, ele é tão rápido quanto o piscar dos olhos, o passado predomina sempre, concorda? Claro que sim, só você me entende, ou somente eu te entendo.

Muitas vezes acho que a vida é feita apenas de passado, e que o vivemos, como se fosse destino, se é que realmente ele existe, então estamos vivenciando um passado já escrito, percebe? E amanhã completo 21 anos e mal sei qual caminho que Deus traçou para mim.

Citei Deus por mero acaso, sabe que não tenho religião, muitas vezes gostaria de ser uma cristã fervorosa, mas há algo que impede, não sei se a preguiça ou a conveniência, aliás qual a diferença entre elas? A preguiça é apenas a irmã da conveniência, tudo o que convém ao homem é com o mínimo esforço, não é?

E a conta chegou e tive de sair...

sexta-feira, 17 de junho de 2016

AS CURTIDAS DE UMA NOITE ESPECIAL

Quando leu num artigo que não importava qual seria a ocasião ou o evento, mas sim a felicidade de usar a roupa que desejava, pensou sério. O que não estava em seu caminho era realmente o quão sério havia levado tal conselho. Decidiu escolher o que de mais belo viesse a seus olhos. Não veria preço, julgamento, nada, veria apenas a satisfação.

Naquele dia, quase não creu na promoção daquele vestido lindo, à Oscar, à tapete vermelho. Quase 70% de desconto, conseguiu pagar à vista e sem estourar o limite do cartão. Voltou feliz, orgulhosa e - minutos depois - olhando-o esparramado na cama - teve a certeza de ser a mulher mais feliz deste mundo. 

Não o guardou, deixou à mostra para que as cortinas e tudo mais que o circundasse fossem testemunhas de que aquela beleza não deveria existir, mas existia. Não quis dividir o cabide com os demais panos que tinha, seria indigno, seria um pecado. E tudo aquilo por apenas 3 dígitos. Inacreditável. 

Era digno de uma Julia Roberts. Perfeito para Marilyn Monroe. Ideal para Audrey Hepburn, porém estava no subúrbio de uma cidade brasileira.Talvez tenha sido durante o almoço ou enquanto lavava a louça que percebeu, teve o surto e a certeza de não saber realmente quando e onde usá-lo. Releu o artigo e viu que havia levado a sério, no entanto - se existem graus de seriedade - a moça havia extrapolado.

Checou os eventos das redes sociais. Nada. Pegou a agenda, nada. Esforçou-se para um casamento, nada. Nada, absolutamente nada. Imaginou-se pegando ônibus com ele, sorriu da própria imbecilidade. Ou ainda levando o cachorro ao banho, aqui quase gargalhou. E começou a ver que talvez houvesse entrelinhas no artigo que seus 2 graus de miopia jamais pudessem ver.

Aqueles 3 dígitos começaram a virar 4, 5. Tinha de fazer algo e rápido para que a promoção realmente valesse a satisfação. Pensou o que as estrelas do cinema fariam com ele. Ora, elas até deveriam dormir assim porque eram divas e até nos sonhos precisavam estar impecáveis. Uma lágrima surgiu no canto do olho, mas foi limpa com o pano de prato.

Então checou o saldo do cartão, os 400 reais restantes renderiam um salmão e um prosecco Salton. Foi até o mercado e voltou resoluta, daria a si mesmo a comemoração mais emocionante do nada, porque o artigo estava certo. Ser feliz ainda era a melhor elegância. Ser o próprio Valentino e a própria Naomi Campbell.

Assou o peixe com alecrim, fez a mesa, a maquiagem e colocou o vestido pela segunda vez naquele corpo besuntado de Monange e xampu de jojoba. E abriu o prosecco e tirou uma foto segurando o copo americano. Fino. Comeu o salmão com feijão, mas só depois de um clique, fez cara sedutora, mas o vinho tampou a percepção do batom borrado, bem como o copo manchado. 

E terminou a noite na varanda, à luz de velas, cinco delas, derretidas nos pires e que conseguiram iluminar o reboco da parede. Achou realmente que mereceu aquilo tudo e foi dormir vendo príncipes, castelos e reinados. 

Acordou no sofá e ficou ainda mais radiante, não coube em si, porque foram mais de 5000 curtidas. Como poderia ser? Eram apenas pouco mais de 400 amigos. Sucesso total, principalmente a foto em que babava na almofada creme com o alho no canto da boca.

A vida como ela é nem sempre é como nós a vemos. Os óculos do mundo têm sempre uma lente melhor e um prosecco que não dá enxaqueca.




terça-feira, 7 de junho de 2016

O LADRÃO DE CONTROLES REMOTOS

A paciência é a virtude mais desejada entre todas. Quem a tem, tem paz, tem amor, tem tudo. Uma pessoa pacienciosa é um milagre vivo. E por essas e outras que a morte não vem, a agressão se atrasa e a raiva não tem convite. Pois quis naquele dia que dona Joana, no auge dos seus 90 anos, teimasse em perder o controle do TV.

Virou, revirou, mexeu e remexeu. Nada. A casa estava vazia naquele sábado, apenas o genro a fazer algo aqui ou acolá, escutou lá debaixo a voz firme da sogra:

- Rivaldo?

- Sim, dona Joana.

- Você pegou meu controle remoto, devolva-o.

- Não, eu não peguei. Deve estar no seu quarto.

- Não está! Devolva-o!

- Não posso devolver algo que não peguei, procure direito!

- Além de ladrão está me chamando de esclerosada? Devolva-o!

- Não peguei coisa alguma da senhora e não a ofendi!

- Quero meu controle!

O homem subiu em três passos e entrou no quarto dela. Virou, revirou, mexeu e remexeu. Nada.

- Não está aqui, dona Joana.

- Eu sei que não e a esclerosada sou eu?! Devolva-o para mim!

De nada adiantaria o homem se defender. Entre pedidos e acusações, saiu como um louco à caça de um controle remoto qualquer. Não poderia ter sumido, porque ele não saía do quarto da senhora, que, entre impropérios e imprecações, amaldiçoava todas as gerações do pobre infeliz.

Quase quinze minutos de buscas e nada. O silêncio se fez. Ele desejou ter o problema solucionado e a encontrou no corredor.

- Tudo bem, dona Joana?

- Como posso estar bem? Não tem pão nessa casa!

Ótimo! O controle foi esquecido e bastava um pulo na padaria para tudo se acalmar. Decidiu sair rapidamente, não sem antes escutar outra vez: "Rivaldo, onde está meu controle?!". O homem pensou rápido. Subiu, trancou a porta do quarto para que o seu controle não fosse surrupiado, levou a chave consigo e seguiu à padaria.

Quando voltou, encontrou dona Joana sentada na sala, calma, quase num sono profundo. Ela o viu e sorriu. E assim que viu que ela sentava em cima do controle, ele não titubeou:

- Seu controle, dona Joana! A senhora encontrou!

- Que controle?

Rivaldo calaria a boca com os dois pães que trouxe e, antes que mordesse o primeiro...

- Nunca mais roube meu controle!

... teve a certeza de que, por essas e outras, a morte não vinha, a agressão se atrasava e a raiva não recebia convite.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A MENINA DA FOTO

Fato é que a moça havia perdido a carteira de habilitação na rua. Na pressa de puxar o celular, que tocava incessantemente, com ele veio o documento e dele se separou e no chão ficou.

E, entre os pés apressados, deve ter sido pisado umas duas vezes, mas continua impávido por ali. Sol, tarde, chuva, vento, a santa capinha o protegia de intempéries e afins.

Dia seguinte, passava um rapaz entretido em seu mundo, com o ipod nos ouvidos e os olhos no chão. Viu o documento verde ali e de pronto se agachou. O instinto de olhar aos lados imediatamente foi natural, mas, num domingo pela manhã, seria pouco provável achar um rosto compatível àquele da foto, lindo por sinal.

Imaginou como estaria a menina, de 25 anos, e seus pais, todos preocupados. O BO já deveria ter sido feito, ou um novo documento em vias de ser tirado. Fato também que ele poderia ter se apaixonado pela menina, aqueles clichês que somente acontecem em romances de bancas de jornal.

Nunca se imaginou numa sessão da tarde, mas decidiu guardar o documento, numa espécie de Cinderela moderna. Poderia passar uma vida correndo a cidade para achar a moça.

Não parou sua vida para isso. Mas teve a forte sensação de aquilo ser seu destino. Uma brincadeira deliciosa de momentos felizes vindouros. Ele poderia se apaixonar por aquela foto. Ele queria.

No fim de semana seguinte, voltou ao local torcendo para que a menina também pudesse estar lá. Improvável. Nada. Ela não foi, mesmo que ele tivesse ficado apenas um minuto naquele quarteirão. Seria uma insanidade pensar que ele a acharia. E riu de tudo, crendo que era uma bobagem.

Nos dias que se seguiram, várias vezes se deparava olhando para aquela foto, a música que tocava quando ele encontrou o documento lhe vinha à mente. Ele guardou o documento junto ao seu. Num farol, num momento qualquer, perdeu a conta de quantas vezes a coincidência aparecera.

Era olhar a foto e a música tocar, no rádio, em seu Ipod, numa propaganda de rua, alguém cantarolando. Não podia ser. Tinha de ser ela. Uma semana. Um mês. Dois. Meio ano, e a vida do rapaz estava um inferno. Morria de paixão. Os amigos o incentivaram a colocar a foto nas redes sociais, ainda que ela não estivesse em nenhuma, alguém de vida virtual poderia conhecê-la. Tentou, nada.

E no aniversário de um ano, ele jogou todas as fichas, sonhos e esperanças. Foi para aquele quarteirão, com a mesma roupa, no mesmo horário e com a mesma música nos ouvidos. Quem sabe um ritual forte demais para trazê-la, materializá-la. Quem sabe?

Ela não apareceu, como previsto, porque o previsto sempre impera. E se pudesse saber o que aprendeu com tudo aquilo, diria que despendeu energia demais a algo qualquer, porque nem todos os sonhos merecem nossa atenção, porque nem todos os sonhos são sonhos, podem ser apenas uma boba e caprichosa teimosia.