sábado, 27 de outubro de 2012

GOTEIRA DE NEWTON

Há momentos desnecessários nessa vida. Outros inatingíveis e aquele dia. Ele jurou que deitou na cama, mas acordou no chão, pior, jurou que havia um criado mudo à sua direita, mas o que pairava, digamos assim, era um lustre. De pronto, ele se sentou, esfregou os olhos e virou de volta: o mesmo lustre estava por lá.

Ereto, preso por uma corrente dourada, entrelaçada num ornamento medieval. O que devia pender, erguia. Levantou, olhou ao redor. Rodeou o lustre, não resistiu. Como um joão-bobo, o objeto fez um vaivém bizarro. E piorou quando percebeu que acima dele viu a cama. Abaixou-se violentamente, com os braços protegendo a cabeça.

Nem estrado, nem colchão ou as almofadas vieram abaixo. Ficaram imóveis. Segundos depois, certificou-se de que não estava coberto, morto ou sonhando. Dizem que todos sabem o exato momento entre a vida e morte. Não? Pois bem, eis o primeiro ser que testemunha isso. Uma espécie de sono e lucidez, de dormência e anestesia, fome e vontade de comer. Tomou fôlego. Assustou-se quando percebeu que conseguiu andar. Agachou-se. Teve medo de se levantar. Mas se ficasse sentado nada adiantaria.

Fez-se em pé e em pé ficou. Encarando tudo. Viu a cama no teto. Nem a mesa ou o TV ou os 2 pares de tênis no canto do chão, teto. Correu todo o cômodo e cômodo seria acordar agora. Agora! Nada. Um passo. Dois. O estômago não lhe veio à boca muito menos a franja não lhe desgrudou da testa. E como somos o ambiente em que vivemos e nos acostumamos a tudo, decidiu percorrer a pé o que a vista já fizera. Andou, parou embaixo da cama e jamais pensou em fazer isso em pé.

Saltou. Não alcançou. Até arriscou pensar se conseguiria puxar a colcha, os travesseiros. Nada estava a seu alcance. Ousou pensar se assim estava, inerte, de que adiantaria toda aquela inversão. Era como vender lingerie no Irã. Foi quando escutou um pingo. Sim. Chovia. Correu até a janela e se espantou de ter corrido. Agarrou-se ao batente da janela e soltou quando viu que não era batente, mas, se batente não fosse, seria o quê?
 
Agarrou-se novamente. Viu que chovia de um chão carregado. Pareceu não crer, assim que estendeu a mão e sentiu as costas da mão molharem. As palmas estavam secas. Virou mais uma vez. Tudo estava intacto. Perfeitamente invertido. Voltou-se à chuva. Continuava em ebulição. Tentou juntar as coisas. Coube a ideia de fazer parte de tudo.
 
Sim. Imaginou que pudesse acompanhar o itinerário dos pingos caso se jogasse. Deduziu a insanidade. Voar seria o convite de tudo aquilo, não cairia, voaria. Então, de súbito, subiu no batente da janela, porque se batente não fosse, nada seria. Tomou coragem, sorriu e ainda sorria quando se jogou, e ainda sorria quando morreu, e ainda sorria antes de saber de quantos piches se faziam as nuvens.       

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