segunda-feira, 5 de agosto de 2013

UM TOQUE NA LEMBRANÇA!

Sempre considerei minha memória minha melhor qualidade. Já me gabei e já me gabaram por ser uma enciclopédia de fatos, porém – e isso prefiro não atribuir à idade – alguns acontecimentos me fogem da lembrança, mas não de maneira definitiva.

Dias desses, estava numa conversa falando das pessoas que nascem cegas e daquelas que perdem a visão ao longo dos anos. Não consigo imaginar o terror disso, entretanto tal paúra me fez lembrar de uma história que ocorreu comigo há uns 7 anos.

Durante uma aula de gramática, em plena tarde de um sábado quente, havia uma aluna dedicada, sentada na primeira fileira. Ela era deficiente visual e anotava em braile cada regra e dica para concursos.

Mais uma vez a memória falha, não consigo me lembrar do nome dela, entretanto não me esqueço do sorriso e de todas as perguntas e respostas que essa mulher me fazia durante as aulas. Ela era a melhor da turma.

Sempre na aula seguinte, quando perguntava aos alunos em que parte havia parado, ela respondia imediatamente, como um ponto eletrônico.

Estudava para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na categoria especial – mas sempre dizia a ela que, se disputasse entre os sãos, seria uma concorrente imbatível.

O que posso dizer é que ela terminou o curso comigo e nunca mais tive notícias dela.

Cerca de uns 10 meses depois, disso me lembro, e já explico o porquê, entro num vagão do metrô de São Paulo e me ponho a ler, encostado à porta do trem. Talvez estivesse nem na metade da página que abrira e:

- Oi, professor Adriano. – entre um sorriso e uma voz doce.

Instintivamente, olhei para frente, mas nada vi, olhei à esquerda e nada, no entanto, ao olhar à direita, estava aquela aluna brilhante, sorrindo e, antes que eu perguntasse, ela devolveu, sorrindo:

- Seu perfume continua o mesmo!

Mais uma vez ela me fazia sorrir e me fez sorrir de novo ao relatar que tinha passado no concurso e que gostaria de me agradecer por tudo que eu havia ensinado a ela.

Cazzo, eu havia ensinado algo a essa mulher? Eu? Ela nunca me deixou tão pequeno na minha visão míope e tão feliz. Até deixei a surpresa por ter me descoberto entre os vários dali.

Conversamos por umas três ou quatro estações e tive de sair. Despedi-me dela e antes de a porta abrir, ela me disse:

- Daqui dez meses, a gente se encontra de novo...

Saí calado, porque o silêncio era a melhor forma de reverenciá-la. Nunca mais me esquecerei daquele sorriso, mas ainda tento me lembrar do nome dela


4 comentários:

  1. Que história incrível, Adriano! Momentos como este são vivenciados apenas por quem é um grande professor. Uma belíssima lição de vida!

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  2. Dessa história tiro duas lições: A vida nos presenteia com pessoas e histórias especiais, basta termos a delicadeza – no melhor sentido da palavra – de percebê-las. E o seu perfume deve ser muito bom, para ela se lembrar por tanto tempo...

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  3. Taty, vc tem razão, tal sensibilidade tem de estar aflorada. Agora, se o perfume era bom ou não, nunca saberemos, os deficientes visuais desenvolvem sensibilidades que devem servir de referências!

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