
Dias
desses, estava numa conversa falando das pessoas que nascem cegas e daquelas que
perdem a visão ao longo dos anos. Não consigo imaginar o terror disso,
entretanto tal paúra me fez lembrar de uma história que ocorreu comigo há uns 7
anos.
Durante
uma aula de gramática, em plena tarde de um sábado quente, havia uma aluna
dedicada, sentada na primeira fileira. Ela era deficiente visual e anotava em
braile cada regra e dica para concursos.
Mais
uma vez a memória falha, não consigo me lembrar do nome dela, entretanto não me
esqueço do sorriso e de todas as perguntas e respostas que essa mulher me fazia
durante as aulas. Ela era a melhor da turma.
Sempre
na aula seguinte, quando perguntava aos alunos em que parte havia parado, ela
respondia imediatamente, como um ponto eletrônico.
Estudava para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na categoria
especial – mas sempre dizia a ela que, se disputasse entre os sãos, seria uma
concorrente imbatível.
O
que posso dizer é que ela terminou o curso comigo e nunca mais tive notícias
dela.
Cerca
de uns 10 meses depois, disso me lembro, e já explico o porquê, entro num vagão
do metrô de São Paulo e me ponho a ler, encostado à porta do trem. Talvez
estivesse nem na metade da página que abrira e:
-
Oi, professor Adriano. – entre um sorriso e uma voz doce.
Instintivamente,
olhei para frente, mas nada vi, olhei à esquerda e nada, no entanto, ao olhar à
direita, estava aquela aluna brilhante, sorrindo e, antes que eu perguntasse,
ela devolveu, sorrindo:
-
Seu perfume continua o mesmo!
Mais
uma vez ela me fazia sorrir e me fez sorrir de novo ao relatar que tinha
passado no concurso e que gostaria de me agradecer por tudo que eu havia
ensinado a ela.
Cazzo,
eu havia ensinado algo a essa mulher? Eu? Ela nunca me deixou tão pequeno na
minha visão míope e tão feliz. Até deixei a surpresa por ter me descoberto
entre os vários dali.
Conversamos
por umas três ou quatro estações e tive de sair. Despedi-me dela e antes de a
porta abrir, ela me disse:
- Daqui dez meses, a gente se encontra de novo...
Saí
calado, porque o silêncio era a melhor forma de reverenciá-la. Nunca mais me
esquecerei daquele sorriso, mas ainda tento me lembrar do nome dela
Que história incrível, Adriano! Momentos como este são vivenciados apenas por quem é um grande professor. Uma belíssima lição de vida!
ResponderExcluirE como, Vanderson, a menina era fera! Valeu, abraços!
ExcluirDessa história tiro duas lições: A vida nos presenteia com pessoas e histórias especiais, basta termos a delicadeza – no melhor sentido da palavra – de percebê-las. E o seu perfume deve ser muito bom, para ela se lembrar por tanto tempo...
ResponderExcluirTaty, vc tem razão, tal sensibilidade tem de estar aflorada. Agora, se o perfume era bom ou não, nunca saberemos, os deficientes visuais desenvolvem sensibilidades que devem servir de referências!
ResponderExcluir