sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

MAIS UMA TINTA NO MURO

Há tempos que o muro o incomodava. Descascado, sujo, jamais se animou a deixá-lo apresentável. E não se pode falar que era grande, talvez uns seis metros e mais nada.

Num feriado prolongado, ele se animou. Foi até a loja de tintas do bairro. Tintas pincéis, lixas, aguarrás, luvas. Há tempos que o velho senhor, dono do estabelecimento não lucrava tanto numa compra só. Quase ninguém pintava tanto assim.

Eram 10h e começou o trabalho. Esticou a extensão, trouxe o porta-CD e deixou o rock’n’roll ajudá-lo nas raspagens e nas pinceladas. Algumas pausas para beber água e comer algo e, 7h depois, o muro estava lindo.

Não se lembrou de mais nada naquela noite. Tomou alguns analgésicos e não conseguiu terminar de ver o filme.

No dia seguinte, saiu para ver a obra e se orgulhou de ver algo tão branco, tão uniforme. Empolgou-se e, com o resto de tinta, decidiu dar mais uma demão.

Um mês depois, numa manhã, parecia não entender, mas leu em seu muro algo como “Tá muito branco”. Sim, de uma extremidade a outra, a bela caligrafia aparecia pichada em seu trabalho.

Poderia ter levado a crítica menos a sério, mas difícil encarar isso de uma forma mais esportiva. Experiente, sabia que precisaria de tintas e decidiu mudar a cor. Tentou esquecer o branco pichado em represália, preferiu um tom diferente, hortelã.

E lá se foi para a lojinha do simpático senhor, que ficou indignado com o abuso, mas com certeza não tanto com a nova aquisição das tintas.

Raspou e pintou em menos de 4h, experiência é tudo. E aquele muro hortelã refrescou demais os olhos e a harmonia da vizinhança, inspirando até outros vizinhos a fazê-lo, deixando a rua uniforme.

Semanas depois, não fora apenas o seu muro, foram os muros de todos os vizinhos que aderiram à nova cor. “Verde que te quero verde”. A mesma caligrafia, a mesma pichação.

Inconformados, foram lamentar na lojinha de tintas. Enquanto todos reclamavam colocando as tintas, dessa vez, variadas, sobre o balcão, o velhinho teve o cuidado de deixar a esposa fazer as anotações dos pedidos.

A jornada noturna nunca fez tão tão bem à sua criatividade: “O caminito é aqui”.

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