segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

OS CEGOS DE SARAMAGO

Do brilho nasceu a perpétua luz. E nela fixamos estrela. E num lugar bem distante, onde o alcance da luz solar é inútil, chegamos à Terra das Estrelas. Dizem que lá os olhos não poderiam enxergar, ainda que as pálpebras brincassem de dormir, ainda assim, cegos ficaríamos caso lá aportássemos. A terra onde a luz mais do que viva respira, aspira e vaga entre outras mais.

Todas iguais, com cinco pontas cada, parecem não se ferir à medida que se esbarram. Estão lá, prontas a ciar pela via-láctea e realizar desejos, inspirar poetas e amantes. E do livro de Saramago, encontram uma terra de cegos. Uma epidemia que deixou de ser ensaio e virou atração principal. O contraste entre a terra das luzes e o negrume das trevas. Cada qual com uma missão, cada qual com uma visão (risos). E era hora de as estrelas caírem e de realizarem cada qual uma missão. Mas antes de acabar com este texto, vamos ver de perto o que acontece no negrume das trevas.

Viviam a apalpar as coisas, de olhos tampados pelas pálpebras, tinham na ponta dos dedos e na ponta da língua todo o conhecimento adquirido naquela terra. Nasciam com um vocabulário e com ele ficavam, eram bons de contas, ora, tinham as pontas dos dedos para isso. E apalpavam. Dizia a lenda entre elas que havia algo que fosse mais claro, se é que isso é possível, para todos nós. Diziam os cegos que aquela opacidade não era a única por lá existente. “Ora, como? Nascemos assim e assim vivemos, há algo novo e desconhecemos?

E por lá ficavam. Caminhavam em grupos, de mãos dadas, cada qual rezando a mesma cartilha.  Visto de longe parecia uma corrente forte, unida, mas o que é união quando a necessidade é mais forte? O que é a união de mãos se as mentes e os corações não se dão as mãos? O que é união se um depende do outro e vice-versa? E assim caminhavam de mãos dadas, a lugar nenhum. Andavam em círculos, perfeitos por sinal, ninguém faz círculos tão perfeitos com os cegos de Saramago.

Viviam na mesmice e por lá ficavam. Em círculos, de círculos a círculos. Foi então que uma das estrelas cadentes por lá passou, rápida, ligeira, mas os cegos de Saramago não viram, o cabresto deles possuía as abas mais largas do mundo. Será que se levantassem a cabeça não conseguiriam sentir algum facho de luz, ou algo diferente daquilo? Mas eles não levantavam a cabeça, com ela abaixada ficavam, olhando a própria mediocridade e tentando encontrar algo mais podre que eles.

O trevoso raciocínio limitava-se a andar em círculos e contar: um, dois, três, quatro, quatro, três, dois, um. Outra estrela cadente por lá passou, mas nenhum dos cegos de Saramago conseguiu ver.

Até que uma pedra colocada por Carlos Drummond, quem é esse?, perguntariam os cegos, fez um dos cegos tropeçar. Deus!? Errou o círculo e deixou-se cair. E caiu de costas com a cabeça voltada ao céu. E assim que Deus disse faça-se a luz, e Drummond, faça-se a pedra, e um saci qualquer, faça-se o tombo, um cego caiu e uma estrela cadente o céu riscou. E parece que aquela experiência fora útil.

Com o susto, o cego destravou as pálpebras. Imaginou que um reflexo ou uma inteligência diferente beliscava-lhe os olhos. E então, de olhos abertos, viu, pela primeira vez a escuridão. Viu que podia seguir reto e gritou isso aos demais do círculo. Estes o reprimiram, dizendo que se Deus quisesse teria dado a eles olhos abertos. Mas a mente é a mais clara visão do homem.

E pela escuridão mesmo, um cego fugiu. Talvez o pedido que fez quando sentiu algo diferente realizara-se. Era a vez da estrela cadente, que, mesmo em terra de cegos, fez-se presente. Uma luz no negrume é tão contrastante que um Saramago entre os mortais. E aquele cego fugiu. Deixou o círculo dos companheiros e partiu, desejando encontrar aquela coisa de novo. Parece que até hoje ele a persegue.

E nesse trajeto, ele encontrou muitas coisas novas. Andou em círculos também, mas caminhou de costas, dos lados e para frente, seguiu todas as direções para encontrar aquela luz. Não se sabe se a luz da estrela cadente voltou-lhe a cruzar os olhos. Porém, tem-se a certeza que a luz dela deixou o negrume um pouco mais claro, deixou o brilho mais intenso do mundo a iluminar o caminho do cego, mesmo que eles jamais se encontrassem, a vida do cego mudara.

E Saramago continua a nos iluminar, dando-nos cada vez mais escuridão. A estrela cadente? Não sei, procure a sua, que eu farei por mim.

 

6 comentários:

  1. "Observa agora, disse eu, como seria para eles a libertação dos grilhões e a cura da ignorância, se isso lhes ocorresse de forma natural. Sempre que um deles fosse libertado dos grilhões e obrigado a pôr-se de pé de repente, a virar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, tudo isso o faria sofrer e, sob a luminosidade intensa, ficaria incapaz de olhar para aqueles objetos cujas sombras havia pouco estava vendo. O que diria ele, na tua opinião, se alguém lhe dissesse que o que ele via antes era apenas uma nonada, mas que agora, mais próximo do ser, voltado para o que é mais ser, está enxergando melhor e, apontando cada um dos objetos que estavam passando, com suas perguntas o obrigasse a dizer-lhe o que era? Não achas que ele se veria em dificuldades e julgaria que os objetos que via antes eram mais verdadeiros do que os que lhe estavam sendo mostrados agora?" - A República

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    1. Pois é, Daniel, mal postei o texto, e aparecem esses filósofos a embalar minhas ideias! - rs

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    2. Você é o filósofo. Sensacional o texto!

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    3. Obrigado pelo apoio, Daniel, mas tenha certeza de que sou aprendiz! Abraços!

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  2. Gostei assim que vi a referência a "Ensaio sobre a cegueira". Também sorri aqui com a participação de Drummond. Seu texto fez uma conexão da essência de ambas obras em um discurso bem amarrado [a participação de Drummond foi inclusive em medida proporcional a quantidade de caracteres da obra referida] e muito sensível pois é retrato da vida, espelho do humano medíocre e da busca que um pequeno percentual ainda tem ao negar as verdades absolutas e rumar ao desconhecido.
    Também é uma armadilha pois dependendo do referencial da pessoa, a análise feita pode ser um pouco diversa, pode ser a busca por um sonho, a quebra de uma rotina ou quebra de paradigma. O ponto em comum é o rompimento, a persistência e a curiosidade da experimentação do novo e do inusitado. Acho que já estou pirando demais.. sorryyyyyy.

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    1. Cazzo, tudo isso, Kell, tenha certeza! Adorei seu comentário!

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