terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

ME AND BOBBY MCGEE EM BIRIGUI

Se existem temperos nessa vida, eles sempre aparecem de surpresa, mesmo que todos saibamos que podem e vão dar as caras por aí, sempre serão bem-vindos.

caminhos nesta vida que encurtam sonhos ou materializam o impossível, e um deles, com certeza, é o rock’n’roll. A que conclusão se pode chegar ao se completar o pensamento com Birigui, no interior de São Paulo, e o início dos anos 70: o improvável.

O nefasto entrando em cena. 510 km da capital paulista, a cidade de menos de 60.000 habitantes nunca esperou a noite cair para dormir. Às sextas-feiras sempre havia quem pedisse uma dose extra.

Na única churrascaria do município, uma espécie de bar e o que se pudesse imaginar iluminado, já que apenas o azul dos tv’s iluminavam as ruas vazias, estava o rapaz, com seu cabelo que teimava em escapar das orelhas, um violão Giannini e as várias microfonias da noite.

O musicista, um rapaz de 16 anos, fã de Hendrix, nem cogitou em trazer álcool e fogo para incendiar o instrumento, seu ganha-pão, desde que o pai o abandonou na casa da tia surda. Vierdes, que além de nome de verbo, sabia fazer uma canja maravilhosa, até gostava do pouco que batia em seus ouvidos. Mas não conseguiria entender o que o rock’n’roll era para aquele menino.

Tinha uma bela voz, um talento nato, e enquanto as pessoas devorassem as especiarias e o som fosse tranquilo, o dono do Boi Valente o deixaria ficar duas noites por semana em troca dos 10% que os garçons tiravam por noite.

Virou o xodó do lugar. Bastasse emendar modas de viola, que a plateia voltaria. Noite quente, sexta de carnaval. Os blocos inexistiam, e as pessoas mais excitadas desfrutavam de um sorvete de uva na praça Doutor Gama. Talvez tenha sido o clima. Ou talvez tenha sido o acaso.

A verdade é que estavam mais atirados naquela noite, os aplausos marcaram mais forte uma do tremendão, talvez tenha sido aquela mulher sentada no fundo, fumando feito uma chaminé, com uma bata branca e uma bandana vermelha na cabeça, com 3 garrafas de cerveja e algumas caipirinhas na mesa.

Talvez tenha sido o sorriso que ela deu a ele ou o beijo que fez ponte pelas cabeças de todos e o atingiu em cheio. O fato é que ao término de mais uma música. Ele se ajeitou na cadeira, sol maior: "Busted flat in Baton Rouge, waitin' for a train, when I's feelin' near as faded as my jeans. – alguém o aplaudiu, pois era algo delicioso, novo, e as marcações apareceram antes da próxima frase.

 E antes que completasse o que iria cantar e antes de agradecer a ovação daquela noite. A mulher de aparência exótica e voz de bruxa ergueu-se e completou perfeitamente o que o menino queria dizer: "I pulled my harpoon, out of my dirty red bandana, I was playin' soft while Bobby sang blues…

Os olhos se voltaram arregalados, maravilhados por aquela voz. Sim, como os milagres que existem na vida, como os preconceituosos que a expulsaram do Copacabana Palace por nadar nua na piscina, Janes Joplin estava em Birigui naquela noite e se juntou às palmas e à marcação precisa do violão de aço do rapaz.
 
Era ela! Era ela! Ele soube no momento exato em que se apaixonou, no momento exato em que o beijo o ungiu por completo. E se o garoto tivesse um nome, seria Bobby McGee. Ela estava ao lado dele agora, e todos em pé, dançando um country delicioso, entregues ao que somente a boa música consegue fazer: sonhos existirem. 
 
Ah, os temperos da vida. O palco fora cercado, todos desejavam ser os dois, desejavam bebê-los, vestir-se deles. E nada mais poderia ser explicado ou sentido. Não se sabe o que aconteceu ao menino depois disso tudo.
 
Nem como provar que a mulher de exótica aparência, morta meses depois, bebeu daqueles copos em exposição. Muito menos se faltou picanha no rodízio. Entretanto era certo que o Serguei não desafinou naquela noite, justamente porque não esteve lá.        

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