domingo, 24 de fevereiro de 2013

"TUDO BEM, ARY?"

Saber lidar com a morte é um talento de poucos. Endossaria aqui com várias histórias mórbidas a respeito, reforçaria o clichê do “nunca estamos preparados”. Fato é que engrosso o time dos que odeiam velório, dos que não têm o que falar e dos que preferem apenas um abraço.

Minha primeira experiência com a morte foi em 1980, minha avó materna se foi e ouvi minha mãe chorar pela primeira vez. Talvez aquela cena del ela berrando ao telefone, dos vizinhos invadindo a casa, me foi tão traumática que todas as vezes que me deparo com isso são os berros da minha mãe ecoando em meus ouvidos.

Depois disso, vieram muitas mortes, muitos choros, alguns velórios, coisas que nos acostumamos a respirar e dores que aprendemos a entender.

Assim como com minha mãe, a primeira vez que vi meu pai chorar foi com a morte do meu avô. Devo confessar que se não fosse pelo episódio de 3 anos antes, saber que homem realmente chora é como descobrir que o super-herói também tem lá seus medos.

Foi um choro contido dele, mas ainda assim um choro.

E endossando meu pai, há 13 anos, ele foi diagnosticado com câncer. E, aos 27 anos, comecei a flertar com a ideia de sua morte. Flertar sim, porque o tumor era agressivo e me lembro que estava ao seu lado quando – num tom frio – ouvi o médico fizer que as sessões de químio deveriam começar o quanto antes.

Enquanto dirigia de volta pra casa, com meu pai mudo ao meu lado e minha mãe embalando o choro de 1980, consegui me conter, e, mesmo tentando, não consegui imaginá-lo num fim iminente.

Não quero marcar sua caminhada ao fim, porém quero mostrar todas as lições que acompanhei de perto. Na época, meus dois irmãos já estavam casados, morávamos eu, meu pai e minha mãe.

Num 12 de junho de 2000, nós três estávamos na primeira sessão do tratamento. Os possíveis enjoos, que não vieram, foram o indicador que meu pai poderia derrotar a doença.

Semanas mais tarde, durante o banho, olhei ao ralo do banheiro e vi chumaços de cabelos brancos, agachei-me e chorei em silêncio, enquanto meu pai entrava e dizia: “Filho, seu pai perderá os cabelos, mas não a fé, está tudo bem”.

E não perdeu, raspou todo o cabelo no dia seguinte, e, depois de todas sessões de químio, com sua boina, ela saía para trabalhar, sorrindo, sempre com aquele ar de “tudo bem”, mesmo estando tudo mal.

E assim ele seguiu por 6 anos, entre idas e vindas do tumor, nunca escutei uma reclamação de sua voz. Em dezembro de 2006, acometido por uma meningite, meu pai seguiu para a UTI e de lá nunca mais sairia. Foram 23 dias de esperança, 23 dias sem falar, mas seus olhos me diziam “tudo bem”.

No dia 5 de janeiro de 2007, ele viria a óbito. Lembro que meu chão se abriu. Lembro que tudo o que eles nos ensinou foi assimilado. Lembro que no velório, éramos eu, meus irmãos e minha mãe que consolávamos os amigos e parentes.

Lembro que naquele sábado cinza, enquanto seu caixão descia, uma única fresta de sol apareceu. E tenho certeza de que não foi coincidência, foi apenas a última lição que todos aprendiam com ele naquele instante, “de que tudo sempre fica bem”.

 

 

6 comentários:

  1. O texto, realmente, ficou maravilhoso! Que possamos sempre sentir que estamos bem, ainda que os problemas estejam presentes, pois como você diz, vale o que se sente.

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  2. Que linda homenagem, Dria! Parabéns pelo texto!

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