quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

QUANDO ME TORNEI ANJO

Falar de ídolos não é algo fácil sem que seja piegas e provoque o gosto de todos. Inevitável quem lê a respeito de uma idolatria alheia parar e pensar se o exagero impera ou apenas os fatos.

Até hoje não consegui – talvez nunca consiga ou nem precise – medir um indivíduo ao saber quem ou quantos este idolatra. Filosofia demais. Mas pode-se ter uma ideia a respeito, verdade pura.

Pelas minhas predileções artísticas, literatura, música – se eu pudesse nascer de novo, não teria dúvidas, escolheria voltar Freddie Mercury ou José Saramago. Quem sabe os dois. Pretensão demais. Como diria meu pai, “pedir sempre é possível”, não titubearia em reunir tanto tempero.

Teria as letras mais fabulosas, junto a melodias, voz e piano impecáveis, mesmo tendo a certeza que a uma vida só não caberia tanto talento.

E acabei sendo um aspirante a autor e um cantor enxerido. Mentiria se dissesse que a cada show eu me vejo em Wembley embalando uma multidão ou – a cada letra digitada por aqui – interrompo o trabalho para explicar o que é ser o primeiro Nobel literário brasileiro.

Sonhador, eu sei, eu sei.

Mas não poderia esquecer daquela senhora. Quando se leciona, você entra em um mundo à parte. Não é você, é o professor. E seria injusto aqui com todos os meus alunos, nesses 15 anos de tablado, se não dissesse que fui alvo de aplausos e afins.

Mas aquela senhora foi diferente. Ensino médio de formação, mãe de dois formados, viúva. Entrou para o curso preparatório talvez apenas para se sentir viva. Nas seis semanas de curso, via os olhos curiosos e os dedos pouco ágeis em ação. O sorriso era comum assim como ficar depois das aulas para acabar de copiar o conteúdo da lousa.

Nunca perguntou, nunca falou comigo, porém eu sabia que as dificuldades existiam. Tentei várias vezes, olhando a ela, saber qual era a dúvida. O silêncio sempre a acompanhou. Sempre me devolvia o bom-dia, sempre se despedia sorrindo. Eu a esperava acabar de copiar o conteúdo e perguntava se havia dúvida. Nada.

O curso terminou. No último dia, ela me trouxe uma caixa de bombons e um cartão. Indelicadeza minha não ter tempo para lê-lo na frente dela, que talvez torcesse para não, porque me entregou, abraçou-me e sumiu, sem copiar o conteúdo da lousa.

Em casa, enquanto comia um dos chocolates, abri o cartão. “Professor Adriano, mais do que a gramática, o senhor me ensinou a sorrir de novo. Obrigado por ser o anjo que o senhor não acredita que seja, mas é”.

Nunca mais a vi. Perdi esse cartão. Mas naquele momento tive a sensação de ser maior que Freddie Mercury e José Saramago, mesmo que ambos tenham perdido mil vezes mais todos os cartões que receberam.

Eu também tive uma idólatra só para mim.     

4 comentários: