domingo, 27 de janeiro de 2013

NECROFILIA

Noite fria aquela. Somente algo muito bom deveria acontecer para que ele estivesse naquele velório. Se comparado a isso, uma barata tentado se desvirar seria algo já mais colorido. E numa madrugada de sábado. Algo muito bom tem de acontecer. 10 graus, mãos frias, clima medieval.

Em meio a um clima animador, o cemitério do Araçá parecia ter um ambiente próprio. Faltava apenas um séquito da Santa Inquisição. Seria até interessante, vê-lo levar os velhos que lá estão. Porque se o ser humano já é curioso com a morte, os anciãos parecem se encaixar nisso. Tem-se a certeza de que lá estão somente para mostrar que não foram eles dessa vez ou apenas para se atestar o costume de ter a morte a esquentar seus pés. E estes estavam congelados. Não adiantava bater com eles no chão. Não esquentavam.

Quem, cazzo, morre numa noite fria daquelas, falta de bom senso morrer naquele clima. Um chocolate quente aliviaria. Ele saiu, mesmo tomado por uma lufada gélida, ela a viu. Linda. Ruiva. Linda. Mas não podia ser com ele. Não podia estar com olhos fixos nele. Não. Numa noite daquelas? Quem em sã consciência pensaria naquilo? Sim. Ela olhava e sorria. Ele olhou aos lados. Nada além do frio, a não ser ele. Sim. Era ele mesmo.

Ela estava com a clássica pose de um cigarro apagado, também naquele clima, poucas coisas ficariam acesas. Se nem a vida se acendia por que um cigarro? Ele não fumava, mas se um isqueiro poderia ser útil, a ausência dele naquele momento também foi.

Aproximou-se. Viu que de perto os olhos eram escuros e desejou que fossem vermelhos. Sorriu ao pensar que toda aquela coisa ruiva poderia esquentá-lo e não acreditou que disse isso em voz alta. Não se sabe se foi a ousadia ou a sinceridade, porém ela amou a originalidade e tão bizarro quanto uma madrugada fria num velório foi o beijo decisivo que deu. Quente, molhado.

Enquanto a beijava, poderia estar entre o “que coisa mais louca” e o “por que nunca dei essa cantada antes”. Mas o que prevalecia era o “finalmente a razão de eu estar aqui”.

- No meu carro, tem aquecedor.

E seguiram voando de lá. Pularam túmulos, pessoas e lágrimas. Logo estavam no carro. Um casaco ficou de fora, no chão. Algo não deste mundo. Beijos e apertos. Línguas se trombando, mãos se molhando. Uma blusa no banco de trás. O casaco dele nos pés dela. A saia levantada. A meia-calça arriada. Ele não tirou as calças por inteiro, mas por inteiro estava dentro dela. Num frenesi alucinado, num vaivém louco e vertical.

Fazendo uma flexão sentada, empurrando para cima o teto do carro, ninguém parecia escutar os gemidos daquela noite fria. O gelo calava tudo. O mesmo gelo que se derretia a cântaros dentro dela. Loucura. E depois que a fumaça subiu, ele encostou a cabeça no carro. Ela se debruçou sobre ele e o beijou na boca, sorriu e saiu.

Não se falaram mais naquela noite. Ela voltou para o velório. Ele se lembrou do chocolate quente. E ainda pensava enquanto bebia. Existem coisas nessa vida que são inexplicáveis. Como explicar que alguém iria ao velório da tia-avó do próprio chefe? Tão inexplicável como desvendar quão a química, os gostos e a pele fossem compatíveis com a da esposa dele.

2 comentários:

  1. Rsrs..pode-se dizer que foi um velório inesquecível ao nosso amigo. E a morte da senhora ... Bem- vinda!

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