quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

DUAS LUZES EM MINHA SOMBRA

Não se explica o amor. Quem ama talvez não consiga explicar por que ama, apenas ama. E é verdade que havia um cachorro vira-lata novo andando pela rua. Muitas pessoas passaram por ele, que as olhou, abanou o rabo, mas voltou para sua busca de sabe-se lá o quê.

E então, o menino saiu. O cão parou, olhou a ele e sentou. Sim. Sentou e entortou a cabeça de um lado a outro e conquistou o garoto de 14 anos. Doido por cães, ele se atracou com o pulguento de uma forma única.

Pediu à mãe que fizesse um prato de comida e viu sorrindo o bicho devorar entre uma olhada e outra para garantir que o menino sairia de lá.

Durante a noite, ele ajeitou uma cama improvisada e escondida na garagem, e o amigão por lá dormiu. Pela manhã, antes de sair à escola, pegou uma travessa de leite, picou muito pão e levou para o pretinho, negro como a noite e iluminado como o dia. Tratou de fazê-lo sair depois para ninguém perceber.

Quando voltou do colégio, lá estava o cão, sentado em frente à casa do menino, que, juntamente ao irmão, se embrenharam nas brincadeiras caninas.

Ganhou a confiança de alguém da família a tentar adotá-lo. Mal comeram naquele dia para levar as sobras ao amigo, fato que chamou a atenção da mãe como também a sua iminente desaprovação. “Não se apeguem demais a ele”, avisou.

E todas as vezes que estava na rua, os dois andavam juntos. O menino ia ao açougue, á padaria, à farmácia sempre acompanhado. E o danado ficava latindo em frente aos estabelecimentos, pedindo o carinho do menino, que saía feliz pelo bairro, desfilando toda aquela viralatice linda.

Foram várias as manobras de alimentar o cão e fazê-lo esconder da mãe. E nisso ele se saiu muito bem, o amor faz isso, a lealdade faz isso.

E começaram as brigas e a realidade. Ele implorando para ficar com o cachorro, que daria banho, veterinário. Mas a mãe fora implacável, estava disposta e ganharia o terreno, justamente por ser a mãe e não querer.

A lição deixava de ser feita, as horas de TV e de estudo cediam, o menino e o cachorro passavam a tarde toda e parte da noite juntos. Até que um dia, um basta foi dado.

Certa tarde, quando o pai voltou pra casa, mal entrou e saiu chamando o menino, eles conversaram. A mão no ombro e a lucidez do homem tentaram acalmá-lo. O cão também tentou, entortando a cabeça de um lado a outro.

E os três entraram no carro. O menino quieto no banco da frente com o amigo no colo, feliz, com a cabecinha pra fora. Como eles amam sentir o vento no rosto. Uns dez quarteirões depois. O pai parou o carro. O menino abriu a porta, o cachorro desceu. O menino fechou a porta e chorou, quieto, em silêncio.

Não quis olhar pelo retrovisor nem ver o desespero do amigo correndo atrás do carro. Ele tentou perseguir talvez até por dois quarteirões. E, aos 14 anos, ele sofria o primeiro golpe da vida. O primeiro coração partido.

Não comeu naquele dia. Não viu, mas a imagem era clara em sua mente e isso o torturava. No dia seguinte, não havia ninguém esperando por ele. Sorrateiramente, ele o procurou a pé pelo bairro, a tarde toda, ao menos para tentar explicar a ele que não fora sua intenção.

25 anos depois, eu ainda tenho essa imagem, mas, hoje, são dois pretinhos correndo atrás do meu carro.

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