segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

ENDOSSANDO NELSON RODRIGUES

Assim que voltou da audiência litigiosa, exausto, abriu a última caixa no novo apartamento. Encontrou uma carta que um dia jurou ser eterna.

“Talvez dentre todas as coisas deste mundo, a mulher é ainda a mais audaciosa e a mais maravilhosa criação de Deus, pelo menos a minha mulher é. Há pessoas que tiram o melhor de nós, e há as que tiram o pior.

Ela não, ela foi quem me deu asas, quem me deixou voar e quem me faz ser o que sou. Tantos sonhos que não caberiam em minha mente só. Tantos desejos e visões que não conseguiria enxergar sem ela. Meus óculos e meu mundo! Queria poder falar tanta coisa a você, queria poder dizer tanto o que tenho em meu peito. Mas tenho medo, do que ainda não sei. Medo de ser rejeitado, ou até mesmo de ser feliz.

As linhas aqui são meu divã e meu psicanalista, meu mais oculto segredo. Talvez não tenha coragem de revelá-lo. Não tenho a bravura e a verdade suficientes para gritar o que sinto. Um covarde? Não sei se a certeza da segurança me dá a confiança de um caminho certo, sem que me atenha a armadilhas ou a deslizes.

Os olhos da alma, o reflexo de muita coisa. Falar de você, falar da pessoa mais brilhante e admirável que conheço não é uma tarefa fácil, mas, ao mesmo tempo, é uma deliciosa posição de voyer, um voyer de mente e de sonhos. Imaginar o que não existe é mais seguro do que arriscar construir as visões e realidades que existem. Hoje, depois de tudo o que disse a ela, há uns seis meses, sei que poderia ter dito há seis anos quase.

E o que seria de minha vida hoje, se tivesse aberto a boca. Não sei. O que é de mim hoje sem tê-la aberto, está ao meu controle. Não sei. Estou confuso. Pela primeira vez em minha vida, acho que o amor está por aqui! Tenho medo até mesmo de dizer. Queria poder ter a coragem para falar, a coragem para realmente dizer o que sinto. Acho que o que disse, nem tudo, falta ainda vir daqui do fundo.

Vou falar de você para mim. E enquanto não falar de você para você, fico aqui lendo e relendo. Tomando susto e me surpreendendo com as minhas revelações, com a materialização dos meus pensamentos, do meu coração. Se for o nada que tenho de resposta, é melhor que uma decepção, o medo de arriscar, o medo de não conseguir. O medo de ser feliz, o medo de não ser feliz.

Vou falar de você, falar de uma mulher que nunca em minha vida sonhei em tocar, toquei-a uma vez só. Toquei-a sim, um beijo, nada mais. O medo de ser proibido. Uma sensação estranha, de medo e de prazer. Acho que de amor, talvez essa seja a palavra certa.

Talvez a sorte tenha se revelado para mim. Fechar os olhos e pensar que tudo pode ser sonhado. E se arriscar? Não, não posso! E por que não? E por que sim!? Arrepender-me de algo não feito é pior do que se arrepender do passado! Tentar desfazer é melhor que tentar fazer.

Assim, a você, minha mulher, falarei e deixarei você falar, que o que sai de sua boca é mais do que bem-vindo, é sorver vida. E de seus lábios me entrego e sou quem sou hoje! E, quem diria, eu, que tanto aporrinhei você com o Simple Minds e sua única música, digo hoje, Don’t you forget about me!

Dezembro de 2005”.

 
Não sorriu nem chorou. Amassou a carta e foi correr no parque, porque agora endossava o mestre Nelson Rodrigues, que disse “quando há amor nem a morte é uma separação”.

 

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