sexta-feira, 19 de abril de 2013

PROFUNDO...

Talvez realmente aquele seria o melhor momento. Todos dormiam e a piscina estava vazia. Manhã quente, sol ainda tímido, silêncio permanente. Sentou-se na beira da piscina e colocou os pés para dentro. Tentou ver a si próprio, não como Narciso, mas apenas acender e a luz e espantar os fantasmas do passado.

Olhou fixamente para o azul inebriante e doce e se viu criança, naquele domingo, quando, com 4 anos, caiu nesse mesmo azul, engoliu muito mais água que de costume e saiu aos prantos, zonzo e trêmulo, puxado pelo tio.

Não sabia se pensou que morreria, talvez a morte ainda não se faz presente nessa idade, ao menos na mente de um garoto, apenas sabia que a sensação era angustiante, mesmo que não conhecesse a palavra, mesmo que não sabia se havia nome para aquilo tudo. Se para tudo existe um nome, nem tudo deveria se experimentar na prática.

E foi assim o primeiro grande contato dele com a sensação de fraqueza, que lhe marcou a vida, fugindo, a partir de então, de tudo que pudesse lhe cobrir a cabeça, tudo que lhe pudesse tirar o chão.

Ainda que fosse sonhador, que amasse voar, os pés deveriam estar firmes quando houvesse água por perto.

A mãe, da maneira dela, tentou curar o trauma matriculando-o na aula de natação. Outro trauma, chorou por horas, fingindo uma dor na perna, trazendo todo sofrimento para fora. A dor era tão aguda, que a mãe desistiu de tentar desmenti-lo.

Por anos ele não entrou no mar, numa piscina. Se o fizesse, a cintura era seu limite. Nunca decidiu quebrar o trauma, nunca quis assumir o medo, abraçá-lo e mandá-lo embora, por água abaixo.

Não havia explicação, apenas acordou e sentou sozinho na beira da piscina. Estava decidido a ao menos boiar. Sentiu-se acompanhado, olhou ao lado e se viu com 4 anos, em pé, olhando a si mesmo e sorrindo.

Então o menino deu um tchau e pulou de cabeça. Por segundos ele pensou em impedir, mas a criança já estava livre, sorrindo, boiando por ali e chamando para dentro. Porém isso não era o suficiente. Muito menos um “confie em mim” serviu de convite. Ele ficou o vaivém suave e calmo do menino, que em segundos sumia de sua visão.

A água parecia calma. Intacta. Doce. Sabia que se a agitasse, monstros e medo o abraçariam. Os pés imóveis mal se mexiam por lá. Tentou entrar de sopetão, mas a mão do tio não estaria por lá. Fechou os olhos e, aos poucos, deixou que a água subisse até sua cintura. Respirou fundo.

Andou de um lado a outro, até onde os ombros ainda ficassem secos. Parou e voltou. Deu um impulso para cima e deixou-se submergir, como um batismo. Foi até a beirada, esticou os braços nela, empurrou o corpo para trás, soltou-se e sentiu os pés saírem do chão. Por um instante, imaginou-se voar, plainando na água, quase boiando. Respirou fundo e soltou as mãos, o sol ainda não havia saído, mas ele sim. Desesperou-se, engoliu um pouco de água e voltou a sentar-se na beirada da piscina.

Preferiu deixar o menino nadando e sorriu acenando a si mesmo quando completou mais uma chegada. Nadar não seria seu sonho, muito menos um desafio, apenas soube que respeitar os próprios limites seria o melhor a se fazer.   

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