terça-feira, 2 de abril de 2013

A RELÍQUIA

E lá estava o homem exatamente 1 ano depois no mesmo lugar que o combinado. Tenso, afinal não é sempre que acontecem coisas desse tipo. Deve ter olhado para o relógio e constatado que segundos podem levar dias. E, já que temos tempo, expliquemos o que acontece.

1 ano atrás, 1 ano mais moço, estava o homem a revirar livros naquele sebo. Não se sabe se realmente queria algo ou se entrou para ganhar tempo de uma reunião que aconteceria mais tarde. Fato é que ele estava lá, perdido sem rumo em meio a tantas palavras.

De repente, levanta os olhos e se depara com uns grandes e negros a sorrirem para ele. De soslaio, certificou-se se realmente era para si. Olhou em volta e, a não ser que alguém sorria para um extintor ou uma parede descascada, teve certeza de que sim.

Baixou o olhar e decidiu entrar no jogo. Quando levantou a cabeça, eles não estavam mais lá, senão ao seu lado:

- Matando o tempo ou a ignorância?

Ficou sem resposta. Ela sorriu e o convidou para um café em frente. Sentaram e viram que se conheciam há décadas. Falaram das viagens que fizeram, das brigas que não se sustentaram e das promessas que tinham. A reunião ficou para trás, o mundo ficou para trás.

Ela era noiva, ele não. E depois de horas conversando. Ela se levantou, puxou até o sebo, abriu um exemplar de A RELÍQIUIA, Eça de Quirós – “ninguém lê isso”, sorriu – pegou uma caneta e escreveu algo, como dedicatória e convidou:

- Veja bem onde colocarei esse livro, daqui um ano, volte aqui e me espere na frente do sebo. Vamos procurar juntos o livro e ler o que acabei de escrever.

Sorriu, beijou-lhe lentamente os lábios e sumiu, sem deixar nome, número de telefone, desapareceu.

1 ano depois ele estava lá. Contou cada dia, sofreu cada minuto, porque sabia que amava pela primeira vez. 5 minutos adiantado e ele sofria. Suava por todos os poros, tremia por todos os nervos, angustiava-se pelo coração dele e pelo dela.

Deve ter sido uns dois minutos depois, quando olhava pela milésima vez ao relógio. Sentiu-se puxado pelo braço. Era ela. Sorria o mesmo sorriso de um ano atrás. Parou em frente a ele, beijou-lhe os lábios e deram-se as mãos. Seguiram cautelosamente para a estante em que sabiam onde o livro estaria.

Pararam. Sorriram e começaram a procurar, viraram, reviraram e não encontraram. Ela voltou-se com aqueles olhos grandes para ele:

- Finalmente!

O que estaria escrito naquele livro? Ela sabia, cabia a ele tentar descobrir. Não importa, teriam uma vida toda para isso.

Chovia muito naquela tarde, e os dois sumiram pelas ruas alagadas da cidade.

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