quinta-feira, 18 de abril de 2013

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

Marinho era determinado. Há anos tinha a mesma prática, todas as quintas-feiras estava numa casa lotérica, apostando em seus números da sorte, fazendo figa e levando fé de que um dia tudo mudaria. Um jogo apenas, uma única fé, sabia que cada semana seria uma a menos fazendo contas.

Frederico nunca pisou uma lotérica, não tinha poupança, mas não era gastão. Levava na ponta do lápis contas e o dinheiro do mês. Não conseguia guardar, mas nunca lamentou sua falta. Não passava vontade, porém encurtava exageros.

Marinho sabia de cor o que faria com os milhões. Quitaria a casa própria, compraria um carro, levaria a mãe para conhecer Miami, construiria um prédio de salas comerciais e alugaria todas. Pensava sempre isso cada vez que preenchia o jogo, o único jogo que fazia há anos e repetiria na próxima quinta-feira, porque o sorteio acumulou.

Frederico sempre quis conhecer as cidades históricas de Minas. Aproveitou o feriado prolongado e desembolsou um pacote com um amigo para lá. Dividiu em 10 vezes sem juros, percebeu que naquele mês teria de deixar de ver os filmes dos sábados, ficou em casa por um mês, alugando DVD’s e comendo pizza, mais uma semana sem pensar em jogar.

Marinho agora decidiu arriscar mais, não seria apenas Miami, decidiu que conheceria Nova Iorque, pelo menos o Central Park. Trocou o modelo do carro, porque o sorteio, acumulara pela quarta vez, podendo bater um recorde de premiação. Pensou melhor, daria para ficar mais um dia no estrangeiro. E lá se foram os mesmos seis números de sempre.

Frederico quase enlouqueceu sem sair por quase um mês, mas sorriu ao saber que tudo voltava ao normal. Contas em dia, até a viagem que fez recebia um valor melhor que deu a ela nos últimos dias. Achou que agora, com esforço, poderia arriscar umas férias no Nordeste, poupando por uns dois meses sem sacrificar suas incursões pelas salas de cinema da cidade. Soube que o sorteio poderia se tornar maior dos últimos 5 anos, porém nem pensou em jogar.

Marinho sentia que aquele valor estupendo tinha de ser dele, merecia. Quase 10 anos jogando os mesmos seis números e aqueles três meses de acúmulo não poderia ser em vão. Uma viagem à Europa, ver de perto a Esfinge no Egito, lamentar no muro, em Jerusalém e por que não nadar numa praia grega? Sim, preencheu com a maior fé do mundo os quadradinhos.

Frederico tinha ido comprar antecipadamente o ingresso para ver o lançamento húngaro da semana. Ao passar e ver o valor acumulado e a fila com apenas um, decidiu arriscar pela primeira vez. Sentiu que poderia ter um cinema só dele, melhor, sentiu que poderia filmar a própria história. Rezou, escolheu seis números e sentiu algo diferente.

E foi então que acabou. Os quase 600 milhões de reais seriam divididos entre dois apostadores. Um de São Pulo e o outro do Rio. Os sortudos não podiam acreditar, era bizarro demais para ser verdade, vibravam como crianças, enquanto Marinho voltava a ter Miami como único destino, e Frederico perdia a sessão das 21h daquele sábado.

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