terça-feira, 23 de abril de 2013

GABO E O CAFÉ...

10h30. Foi claro na mensagem, 10h45. Seriam os quinze minutos mais longos da história de sua vida. Trazia um livro do Gabriel García Marquez e um guarda-chuva preto. Se fosse coincidência a chuva, tudo bem, mas o destino é crucial, determinante. Chovia.

Pediu um espresso, mas não havia tocado ainda na xícara, estava atento cada vez que a porta do café se abria. Não conseguiria beber. 10h32. Tentou se lembrar de como ela era da última vez, tentou relembrar cada frase genial que leu na troca de mensagens, tentou se lembrar de como era o mundo sem ela.

10h33.

Deveria ser fácil, afinal 40 anos sem isso tudo já lhe serviria de experiência, porém teve a certeza de que não tinha vivido, tinha apenas passado por situações, desejos e sonhos. Ficou até hoje lambendo a vitrine, tinha agora o doce em suas mãos, praticamente, abocanhá-lo seria questão de minutos.

10h35.

Atreveu-se a colocar duas colheres de açúcar e tentou mexer a colher do modo mais demorado possível, como se a cada volta, os ponteiros do relógio se banhassem no tempo. Tentou beber. A porta se abriu. Uma mulher, ele não bebeu, não era ela.

10h38.

Arriscou ler o início de AMOR NOS TEMPOS DO... A porta se abre, ele levanta os olhos, parece que reconhece aqueles olhos. Deve ser, a foto era muito igual, mas a mão que a envolve pela cintura o deixa sem ação.

10h40.

Tensão aumenta, em apenas cinco minutos tudo pode mudar. Não quis que ela fosse pontual, ao menos pouco pontual. Um atraso de dois minutos apenas para tentar respirar mais fundo e olhar bem nos olhos dela e decidir se seriam os últimos olhos de sua vida.

10h41.

Não, não quis que ela atrasasse, estava pronto, sempre estivera, porque ninguém fica pronto para respirar, respirar é como amar, é inerente do ser humano, não havia mais tempo a se perder, desejou que fosse pontual, porque faltava pouco.

10h42.

Decidiu beber o café olhando a porta. Arrependeu-se quando não pediu que ela trouxesse algo, uma flor, algo assim, uma rosa colombiana vermelha, imensa como a esperança da paz que só o amor pode trazer.

10h43.

O café se foi, o biscoito também, não soube distinguir se era de baunilha ou laranja, o gosto do café e da ansiedade camuflam qualquer sensação de bem-estar. Só engolia esperança e angústia, era hora de o doce começar a predominar em sua vida.

10h44.

Não havia mais gosto algum, apenas a certeza de que seu coração congelara, porque sabia que a qualquer momento a porta poderia se abrir e todas as esperanças poderiam sumir por ela, entreaberta, ou voltarem desaparecerem por mera inutilidade.

10h45.

Parece que a porta se abriu. Parece que alguém passou por ela. Era ela? Sim. Era ela, que parou na metade do caminho, procurou pelo livro. Quando o achou, sorriu o único e primeiro sorriso que ele sonhou na vida, o único e primeiro sorriso que ele teve para si na vida, porque os temperos da vida sempre aparecem a todos.

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