quarta-feira, 3 de abril de 2013

EU E MEU VIOLÃO

Era louco para aprender piano, mas meu pai me convenceu a aprender violão, assim “levaria a música a todo lugar”. Em 1983, voltei do Mappin da praça Ramos, centro de São Paulo, abraçado ao meu novo brinquedo. Confesso que ousei dedilhar alguma coisa, tentei imitar meus ídolos da época e juro que iria tocar tal qual eles.

Na escola onde estudava, às quartas-feiras à tarde, uma professora do bairro se predispunha aos novatos. Lembro que mal almocei direito naquele dia, e olha que para isso acontecer, o acontecimento tem de ser único. Estava pronto há horas.

Entrei na sala e vi uma triagem, havia dois professores. O que passava os acordes e as batidas e os que tomavam a lição do dia anterior. Meus olhos brilhavam, o instrumento era maior do que eu, e se cada um tem sua cruz para carregar, aquela me era uma bênção.

Esperei ansiosamente pela minha primeira aula de violão. Minutos depois, sentei-me, ela olhou para mim, sorriu e perguntou quanto eu queria aprender, eu respondi “bastante”, e ela completou dizendo que seria fácil. E foi.

Não pude crer quando meus dedos gordinhos conseguiram, no mesmo di desenhar o lá, o ré e o mi. Ela sorriu, porque meus olhos devem ter marejado e sorrido ao mesmo tempo. E, como todo novato, as trocas eram insuportáveis. Mudar de uma posição à outra, nos primeiros minutos foram os degraus do inferno. Mas como teimosia é uma qualidade essencial às conquistas, consegui.

Ganhei um parabéns logo de cara e uma música do Roberto Carlos, Fé. Cheguei eufórico para mostrar à minha mãe. Não peguei nos cadernos quase naqueles dias, o violão tomou conta das tardes e noites. Difícil não era para mim, porém aos meus irmãos e aos meus pais, aquela voz desafinada tentando acompanhar os ruídos das notas deve ter sido complicado.

E os dias se passaram, e as músicas e notas iam aumentando. Minha dedicação era única. E sem falsa modéstia, meses depois, era quase um virtuose. Uma máquina de tocar. Pegava músicas, acumulava um repertório maravilhoso. Do MPB ao rock’n’roll, era a atração das visitas. Orgulho dos meus pais, que agradeciam que o dinheiro era bem empregado.

Virou costume em casa ter o violão durante horas. E sobrado, porque o meu irmão mais velho entrou comigo nisso. Tudo era fácil, tudo era tranquilo. Um ano depois, fui considerado o melhor aluno de lá, claro, no nível em que me encaixava.

Próximo passo, aprender o clássico, ler partituras, entrar realmente no mundo musical. E foi aí que as notas começaram a desafinar. Errava muito nos exercícios. Não conseguia entender direito a dinâmica das linhas e fui percebendo que eu era um farsante, apenas um curioso entojado e pretensioso demais para a realidade.

Cantar para mim, até hoje, se tornou um mistério. Não sei se larguei o violão porque me apaixonei por isso ou se busquei uma fuga para justificar meu fracasso, minha covardia de não encarar um desafio ainda maior.

Hoje, quando toco, e isso é raro, muitos me elogiam e eu acabo me transportando 30 anos atrás, porque o Adriano com 10 anos era fenomenal, eu me exibia igualmente como hoje.

Acabei cumprindo o que meu pai me pediu, levei a música a vários lugares. Porém devo confessar que o violão não se tornou um trauma, mas ainda me chega como uma cruz pesada demais para se carregar.

3 comentários:

  1. Lembro-me das festas na sua cass, regadas a mta música, como se fosse hoje. E olha que só peguei um pedaço, hein!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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