quarta-feira, 6 de março de 2013

A BENGALA E A SUPERSTIÇÃO

Diriam os supersticiosos que evitar a superstição também é uma superstição. Ela existe, é uma sombra, alimenta-se de nosso descuido, banha-se de nossos deslizes e se saciam de nossa natureza. A superstição e manias estão para o homem assim como o ar para os pulmões. A vida em si é uma mania, e a mais teimosa delas. E dentre todos os comportamentos compulsivos, encontramos uma situação inusitada, porque inusitada é o sobrenome da mania e da superstição. 

Publicitário em ascensão, 30 anos. Pega a pasta de couro, presente do chefe pela primeira campanha aprovada e sai. Mas logo o sorriso se cala quando se vê diante daquilo. Uma escada. Embalando a descrição, de frente. Uma casa térrea, uma garagem ao lado, do vizinho, um corredor estreito que desemboca num portão enferrujado. Um poste à esquerda e uma escada encostada nele, formando uma espécie de triângulo retângulo. Fato, para sair, ele tem de passar por debaixo da escada. Um supersticioso embaixo de uma escada?

Antes de ouvirmos o berro, analisemos a situação, um maníaco por crendices e um tarado por horários. Porém eram 5h30, não se pode berrar assim, mas bem que isso poderia acontecer, assim alguém apareceria e tiraria a escada de lá. Isso! Alguém tem de passar por lá.

As pessoas trabalham, pegam ônibus e há um a 200 metros dali. 5h31, compromisso às 9h, bom estar adiantado, portão já aberto e fechado. Costas marcando as grades, a dois passos do caos. Pelos cálculos daquela terça fria, o limite seria 6h30. 6h50, contando os passos largos do metrô. 7h10, correndo já. 7h25 pegando um táxi. Certo. Tinha duas horas para tal. Alguém passaria.

Olhou à esquerda e viu um homem que não o viu nem o veria. Sim. Um deficiente visual. Sem cão nem companhia, além da bengala. Ora, outro passaria, mas se não passasse ele seria apto a, pelo menos derrubar a escada.

Pediu ajuda e ele, que atendeu prontamente ao pedido, foi guiado para esquerdas, direitas, dois passos, centro etc. Ambos se esforçaram, mas algo não saiu como o previsto... E, quando percebeu, o publicitário viu a escada em cima dele. (risos)

O ceguinho tirou a escada do poste e naturalmente, pelo peso, achou o modo mais rápido e confortável de tombá-la em algo: a laje da casa mais próxima.

- Não!!!

- Seu burro!  Tire isso daqui, tire isso daqui!!! Socorro!!!

E antes de chamar a atenção de todos. O ceguinho, magoado que só, cumpriu o elo Caronte e inferno e foi guiado pelo som do cão. Achou a escada, deu meia volta e calou o histérico com três ou quatro bengaladas na cabeça. O sono profundo viera em seguida.

Nunca saberemos quem o tirou debaixo da escada. Porém quem teve tempo de ver tudo, jurou que Caronte, depois da agressão, seguiu em frente assobiando, mas só depois de colocar-lhe duas moedas em cada olho, uma para a superstição e outra para a mania. E uma lição foi aprendida naquele dia: o pior cego são aqueles que não usam bengalas.

 

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