domingo, 31 de março de 2013
OLHE SEMPRE PRO LADO BOM DA VIDA
Tenho certeza de que meu ciclo de espinhos se encerrou há uma semana. Que a Páscoa seja literalmente uma passagem para o lado bom da vida e que o assovio seja um mantra de sorrisos, porque viver sempre vale a pena.
quinta-feira, 28 de março de 2013
JESUS CRISTO, WASHINGTON OLIVETTO E O MARKETING FARISEU

Diria um amigo meu, por exemplo, que o que faltou a Cristo foi marketing e uma assessoria boa de imprensa, coisa que a própria ressurreição fez um papel muito mais competente.
Endossando a História, vou abrir um parênteses aqui e tocar em um assunto meio controverso: a defesa de Judas Iscariotes. Nunca engoli essa história de traidor. Sempre achei uma sacanagem com o cara, que se arrependeu depois e se matou.
Certo, mas, antes de alguém levantar a bandeira e soltar um “era o mínimo que poderia fazer depois do beijo”, justifico minha indignação. Muitos dizem que Jesus fez questão de entrar em Jerusalém sentado num burrico para endossar as profecias que comprovavam a existência do filho de Deus.
Assim como as que afirmavam que Ele deveria morrer para nos salvar dos pecados. Usando a lógica, Judas não foi o traidor, foi quem viabilizou o serviço sujo, alguém deveria fazer isso e sobrou para o, digamos, estagiário do grupo.
Como não posso sossegar com isso, cito Pedro, que negou o Leão de Judá por três, três vezes, ele O traiu por três vezes e ainda fundou a Igreja Católica. Ok, ele morreu crucificado, mas o marketing de mandar colocar a cruz de cabeça para baixo foi genial: exemplo típico de um vencedor.
Voltando a Judas, a autopunição poderia servir de uma bela propaganda, mas não surtiu efeito e deve ter passado na Rede TV! numa madrugada de segunda-feira.
Ainda na Santa Ceia, endossando a versão de uma aluna de Luciana Penna, ao dizer que Leonardo Da Vinci era da época de Cristo, porque registrou o evento (essa é a melhor de todas) – Judas poderia ter entrado para a História não como traidor, mas como o primeiro a ser desenhado, pois tinha de sair às pressas.
Depois de todo esse devaneio, que pode me custar a vida, não sei se posso endossar a máxima de os fatos serem contados pelos vencedores, mas posso ter a certeza de que, se o Washington Olivetto falasse aramaico, Judas seria Pedro, Pedro seria Judas e Cristo, Barrabás, que saiu vencedor com o melhor ibope da época.
quarta-feira, 27 de março de 2013
O ARCO-ÍRIS E O POTE DE OURO

Perguntou ao pai quando ele aparecia, e o pai disse que sempre após a chuva. E assim, o menino passou a torcer por ela. Por dias ficava olhando para o céu e pedindo para que não tardassem as gotas. E, enfim, elas vieram. O menino correu para a janela sabendo que, além da corrida dos pingos a escorregarem pela janela, haveria uma outra atração.
Meia hora depois, os pingos cessaram, mas o arco-íris não apareceu. Intrigado, ele esperou que o pai voltasse e se explicasse. Pais não mentiam ainda para ele. E assim que ele voltou pra casa, disse que apenas com o sol depois da chuva o céu ficaria colorido.
Mais dias de angústia e reza até que a chuva viesse de novo. Dessa vez, nem as gotas o entretiveram. Passou a olhar fixamente às nuvens e pedir que desmascarassem logo aquele sol. E foi o que aconteceu, o sorriso começou a alargar à medida que o azul trouxesse luz. Mas não houve arco-íris naquele dia.
Mais intrigado ainda, ele esperou que o pai se explicasse. Geometria demais ao menino, física quântica demais ao pai, que disse que nem sempre, mesmo que o sol viesse, o arco-íris viria.
Esqueceu de esperar, até se esqueceu do arco-íris, quando, num dia qualquer, as cores resolveram dar as caras por lá. O menino viu, sorriu e não se atentou se choveu naquele dia. Tentou raciocinar onde poderia começar e onde poderia acabar para achar o ouro.
Imaginou seus dedos duas pernas e caminhou por aquela ponte. Foi de uma extrema à outra e voltou. Fez isso até as cores sumirem. Percebeu que o pote de ouro não estava escondido em lugar algum e preferiu retirá-lo de lá, porque a diversão não poderia ter um fim.
segunda-feira, 25 de março de 2013
HORA DE APRENDER A LÍNGUA DOS ANJOS
Em 1997, Lucas Amura me disse para que eu não tivesse apego a ele, e, hoje, posso dizer que foi a única lição que ainda não aprendi.
Minha última conversa com você foi no sábado, e a na última linha você ria. Tínhamos 10 programas do PORTUGUÊS COM HUMOR gravados, mas o mundo conheceu apenas 5.
Não foram os ouvintes que deixarão de aprender com nossas dicas, eu deixarei de ter mais lições com você.
E a última delas é que você endossa Nelson Rodrigues: "Nem na morte há uma separação".
Onde quer que você esteja, o mundo ontem ficou mais burro!
Sempre em meu coração, Lucas Amura!
Minha última conversa com você foi no sábado, e a na última linha você ria. Tínhamos 10 programas do PORTUGUÊS COM HUMOR gravados, mas o mundo conheceu apenas 5.
Não foram os ouvintes que deixarão de aprender com nossas dicas, eu deixarei de ter mais lições com você.
E a última delas é que você endossa Nelson Rodrigues: "Nem na morte há uma separação".
Onde quer que você esteja, o mundo ontem ficou mais burro!
Sempre em meu coração, Lucas Amura!
domingo, 24 de março de 2013
DEUS, MARGOT E NICHOLAS

Com amor, ele segue em paz consigo e com os outros. Com luz ele vê e enxerga. Com luz, a escuridão perde, a mente do homem norteia-se e o equilíbrio lhe é atributo principal. Sem ela o que exaspera é o desespero, a dor e o medo de seguir. O amor vira saudade, a dor usurpa a perspectiva e a esperança não passa de meras lembranças.
As chagas não se fecham e batizam-lhe com o que de pior a vida traz, a realidade. E como a realidade nem sempre é iluminada, coube a segunda pessoa ser tão eterna quanto o sol, quanto o calor e o brilho que possui. Uma troca de luzes, uma troca de energia. Faça-se a alma gêmea, e elas estão prontas. Cada qual como vela, a queimar juntas, a iluminar juntas o caminho e a vida de cada uma delas.
Expostas ao vento, o calor protege uma, acolhe outra. Mas, às vezes, o vento ganha, e a luz torna-se única. O fogo dança um monólogo de uma canção triste, em uníssono berra e clama pela luz que se apagou, pelo frio que está sentindo. Margot se foi. Resta-me Nicholas, que de resto se encontra o homem após as cinzas da sua mulher. Cacos do pó que se lhe fez na alma e no coração.
Às vezes as peças jogam sozinhas, às vezes, não. O homem. O amor, a vida. Problemas. Desperdício de tanto amar, não deve nem pode ficar a esmo, bailando num peito chagado. Não. Amor assim prossegue, é eterno. O amor é eterno, está para a vida como os dedos para as mãos.
Mas Nicholas ainda tem a vida pela frente, ainda há muita escuridão a percorrer. E onde está a luz que lhe abria a vida e lhe aquecia as veias? Margot se foi, levou consigo parte dele e deixou com ele parte dela. Cortou-se a ramificação que os prendia por aqui, livrou-se o temor que a esperava em qualquer outra parte. Prisão e liberdade. Amor e dor. Luz e trevas. Há de se ter cuidado no trato com as almas assim, vulneráveis, frágeis, tão humanas como o erro de se deixar conduzir. Fortes os que conduzem, piegas os que ouvem?
Não, piegas os que conduzem sem deixar-se ouvir. Há que se ouvir para conduzir, há que conduzir juntos, ouvindo juntos, falando juntos, há que se ter comandante e gardingo, mas há que se ser um só. Mas, a vida urge, os dias correm, e o tempo não espera, comanda e não ouve, tem luz própria e sabe ouvir a si mesmo, bem diferente do homem, bem diferente de Nicholas. Uma única vida, partida ao meio, jogado ao vácuo da solidão, às trevas do medo.
Sem luz, sem Margot, nada. É noite, e toda noite sempre nos resta a perspectiva de um novo dia, com sol ou sem, sabe-se que a luz virá, forte ou fraca, mas as trevas cederão espaço ao brilho de um amanhã. É noite. E, mesmo assim, veem-se pequenos brilhos a pousar sobre nossos corpos, nossas mentes, e o homem torce que pelo menos uma daquelas estrelas esteja a olhar para ele, que uma daqueles bilhões de estrelas seja parte dele.
Aos privilegiados que trouxeram uma delas para baixo, a vida, a paz e o amor como recompensa. Aos que sonham trazer uma delas para perto de si, a esperança de dias melhores, sem medo nem trevas, e isso não lhes tardará. E aos que perderam para o céu a estrela que cá tinham, há a conversão do amor em dor. Entretanto, há sempre a esperança do amanhã e, se as estrelas podem cair do céu, voltar a viver pode ser uma experiência interessante.
sábado, 23 de março de 2013
O SEGREDO DA COMÉDIA...
...É o tempo, e o gênio Peter Sellers dominava-o como ninguém! Para mim, a melhor sequência cômica da história. Um presente a você!
sexta-feira, 22 de março de 2013
TEM ALGUÉM AÍ?

Juro
que me deu vontade de parar o tema que vinha desenvolvendo e emendar esse aqui,
mas preferi dedicar um texto inteiro a ele.
No
início dos anos 90, eu, então com 18 anos, estava procurando estágio na área de
publicidade. Sempre quis ser redator nessa área, sabia que as letras entrariam
de uma forma ou outra em meu campo profissional, cria nisso e, de uma certa
forma, aconteceu.
De
cada 10 entrevistas que marcavam numa semana, 10 eram para qualquer coisa que
não para um estágio nesse campo. Nada. Então, quando a oportunidade aparecia,
tinha de agarrar com força.
Cheguei
ao local 1 hora antes do previsto. Por lá, só o segurança, que disse que
ninguém chegava antes das 9h e pediu para que eu subisse e esperasse por lá.
Tudo
escuro. Sentei-me no belo sofá de couro da recepção e esperei. Tinha sempre um
livro comigo e só não me distraí com torpedos no celular porque não havia um
naquela época.
10
minutos. 20 minutos, meia hora. Decidi ir ao banheiro. Quando tentei abrir a
porta do masculino, parei na chave. Trancado. Quem me conhece, sabe da arte de
controlar tais necessidades. Porém eu já havia controlado tempo demais.
Sobrou-me o feminino, que, por sorte, estava aberto.
Ora,
ninguém por lá. Tudo escuro, 15 minutos me seriam suficientes. 8h30. Se a
informação do vigia era segura, eu conseguiria passar impune tranquilamente.
Entrei.
10 minutos depois, acho que foi quando eu lavava as mãos, escutei um trinco do
lado de fora. Não. Sim. Alguém me trancava do lado direito. Mal enxuguei as
mãos e comprovei, estava preso num banheiro feminino para uma entrevista.
Pânico.
Suor frio. Chamaria alguém? E a vergonha? Um sinal de que a vaga seria minha?
Pode ser. Pânico. Chamaria alguém? Comecei suavemente a bater à porta. Dois
toques. Depois mais dois. Três, quem sabe? Nada. Pânico.
4
batidas e um chamado. 4 batidas e dois chamados. 4 batidas e 4 chamados. Até
que a porta se abriu. Afastei-me para ver se alguém entraria. Mas não, aporta
apenas foi aberta.
Suavemente
eu a abri, coloquei minha cabeça e um senhor sorriu a mim e disse que –
mentindo, claro – que todos lá já passaram por isso.Saí o quanto antes e
postei-me no sofá mais uma vez.
Quando
fui chamado para ser entrevistado, deparo-me com o mesmo senhor que abriu a
porta para mim. Impossível não ver aquele sorriso de soslaio no canto da boca.
Impossível não querer ter sumido de lá.
Não
fui chamado, claro. Que candidato seria talentoso ao ficar preso no banheiro
feminino, isso não seria uma referência boa a mim. Confesso que se fosse
chamado, seria apenas para ser a chacota do local.
Ah,
eu estava com a minha camisa de pavão laranja...
quinta-feira, 21 de março de 2013
MARCELO PACIELLO: O PACIFICADOR
O
ano é 1992. Tínhamos um grupo seleto para ir aos jogos do Palmeiras. Não me
lembro se naquele domingo havia mais alguém, mas fato é que eu, Marcelo Paciello,
Luciano Paciello e Anderson Menon, vulgo Xu, estávamos na estação de metrô
naquela tarde.
Pela insensibilidade da Federação Paulista, Palmeiras e São Paulo jogariam no mesmo dia, no mesmo horário. E fomos os 4 ao jogo já nos moldes costumeiros, anônimos.
Ao
chegarmos na plataforma, percebemos uma movimentação grande de palmeirenses.
Porém, não percebemos que de longe havia são-paulinos se aproximando. O embate seria iminente.
O
deslocamento começou a acontecer. Um grupo se juntou e começou a xingar. Em vez
de o outro se afastar, não, preferiram retribuir a recepção. E nós torcendo
para que o trem chegasse o quanto antes.
Nervos
acalorados, tensão acesa, trem chegando.
E
chegou antes que os dois grupos se atracassem. Rapidamente, os 4 entraram e
deixaram muitos na plataforma. A porta fechou, mas o trem não saía, e a briga
começou, a metros de todos, que se amontoavam nas janelas com olhares tensos,
mas curiosos.
Como
a plateia era grande, o Marcelo não conseguiu um bom lugar para ver. Não teve
dúvida, forçou a porta do trem com as mãos, abrindo-a, enfiou o rosto entre as
borrachas e bum! Um rojão estourou por lá. Todos se assustaram, inclusive o meu
mais velho, que, num impulso, começou a berrar:
-
Meus óculos!!! Meus óculos!!!
De
pronto, o Xu, que estava perto da porta, deu murro no compartimento de plástico
e acionou o botão de alarme. Imediatamente a porta se abriu e o escandaloso do
Marcelo saiu berrando:
-
Meus óculos!!! Meus óculos!!!
E
o bizarro aconteceu. Quando você menos espera, o milagre se faz. Aquele alemão,
vermelho de berrar, com os olhos azuis arregalados berrando conseguiu o
impossível.
A
briga parou.
Todos
se sensibilizaram com os urros do meu irmão. Deu até para ver um palmeirense
enforcando um são-paulino com a direita e socando o rosto dele com a esquerda
parar o ato e perguntar se o Marcelo estava bem.
Até
mesmo o surrado se preocupou. A briga tinha cedido. Marcelo Paciello, o
pacificador da tarde. O
trem partiu. Funcionários do metrô chegaram. Interditaram a estação e pescaram
a armação dos trilhos. Uma lente sumiu, mas a outra estava lá.
Fomos
ao jogo e tivemos de ouvir o caolho do meu irmão reclamar que não conseguia
assistir direito ao jogo por conta de uma lente só.
Não
sabemos se a briga recomeçou, só tivemos a certeza de que Marcelo Paciello
igualou-se a Pelé, também parando uma guerra.
E
naquela tarde, o palestrino endossou e fez jus a um ditado popular: quem tem um
olho, é rei.
quarta-feira, 20 de março de 2013
"EU TINHA FOME DE TUDO SEMPRE"

Posso dizer que aos 13 anos ela me conduzia a uma fúria ininterrupta de abusos, ousadias e coragem.
Lembro que me descontrolava fácil com a fome, não conseguia distingui-la da gula, para mim eram a sombra e a escuridão. Os ataques furiosos aconteciam perto do meio-dia. Quando minha mãe não servia o almoço perto disso, eu berrava dos quartos: “FOME!”.
Ou ainda, ficava sentado à mesa da cozinha, já posta por mim, dedilhando impacientemente na madeira, numa toada melancólica e irritante até que a comida fosse servida.
E as escapadas? Na surdina, nem duas horas depois, a fome me assaltava novamente, eu corria à geladeira. Era mestre em enganar os 4 de casa. Fazia nada de barulho, mas às vezes era pego, porque 5 pessoas numa casa, a circulação também se justificava.
Quem nunca me entregava era o anjo do meu gêmeo.
Abusava tanto de comidas, que em festas de casamento era comum a cólica intestinal e as dores de barriga já durante a festa, tamanha voracidade e descontrole.
Confesso que abusava, mas como, aos 13 anos, controlar isso? Não tinha essa maturidade, não tinha essa vontade. Cansei de quantas vezes ouvi coisas horríveis de minha mãe e de meu pai, que proibiram até meus amigos da rua de, se saíssem com uma guloseima, me darem. A que ponto teria de chegar: “Meu nome é Adriano, só por hoje, não comi”.
Mas o auge foi no colégio. Estudava pela manhã e não tinha fome – fato raro isso – logo cedo. Não tomava café, entrava às 7h. Às 8h, a fome me cutucava e eu detonava meu lanche na segunda aula. E, claro, ele era insuficiente.
Na hora do recreio, às 9h45, todos tinham seus lanches e eu apenas uma saída.
Havia uma bacia que a freiras do colégio destinavam aos pobres – em minha defesa, até hoje tenho certeza de que o destino não era a eles. Pois bem, era comum ver lanches deliciosos inteiros, chocolates intactos, pacotes de bolachas inalterados.
E aquilo, além de um desafio era tentador. E roubei um sanduíche delicioso de queijo e presunto. E comi feliz. E assim, começou a ser minha rotina. Se houvesse - e sempre havia – e tomava para mim.
Num dia, os amigos de sala viram e se entusiasmaram, e acabei virando o líder da bacia dos pobres, mas ao contrário. Famintos da sala estavam comigo, percebi que a fome não era só minha, que a gula também tinha braços e pernas para aliciar outros espinhentos. E isso aconteceu até o dia que terminei meus estudos por lá, um ano depois.
Não me orgulho de ter feito isso nem me envergonho, porque sabia que aquela doença seria incurável, mas por que não controlável.
Isso tudo não foi um desabafo ou um pedido de ajuda. Creio que a gula é algo frequente na vida de todos. Não me considerei um doente, no entanto não posso fechar os olhos a isso.
Hoje a gula continua a me rondar, mas distante, bem distante, porém não posso dizer que não a enxergue. Porque, quando isso acontece, eu procuro caminhar muito, antes que ela ganhe pernas e volte a dar as mãos a mim.
terça-feira, 19 de março de 2013
A DIFERENÇA DE ÍDOLO E DE DEUSES

E
aqui no Brasil ainda não alcancei o real significado da idolatria. Sim. Existe
um ponto crucial em que um ídolo deixa de sê-lo e sobe a um patamar de deus: a
morte.
A
morte em terras brasileiras a determinadas pessoas e a determinados defuntos traz
uma conotação tão sublime, tão única, que pecados são perdoados, diferenças são
esquecidas e, pior, valores lhes são atribuídos.
Pense
rápido, quando ler os nomes que aparecerão por aqui, compare-os a um status de
idolatria no Brasil: Émerson Fittipaldi, Gustavo Kuerten, César Cielo, Nelson
Piquet, Pelé, Luis Fernando Veríssimo, Maria Esther Bueno.
Tenho
certeza de que você deve ter aprovado a maioria. Agora, por favor, leia os
seguintes: Ayrton Senna, Denner, Mamonas Assassinas, Chorão, Cazuza, Tancredo
Neves.
De
cara, a diferença entre os dois grupos é a vida e a morte.
Mas
existe uma diferença ainda maior entre eles: o status de deus.
O
Brasil ama a morte, o Brasil ama a morte por acidente, o Brasil ama a morte em
decorrência de um sofrimento absurdo e, consequentemente, eleva isso como um
bônus nas qualidades já gigantescas dos que se foram.
Não
questiono de forma alguma o talento daqueles que foram, as promessas que os
rondavam quando foram podados no auge da carreira.
Posso
me equivocar, mas acho que não. Qualquer brasileiro identificará todos os que
se foram, sem exceção, como exemplo de tudo. E acredito realmente que são. Mas
nem todos, aposto que metade deles, não deem o valor exato a todos que se
encaixaram no grupo dos vivos.
A
diferença pontual entre os dois: a morte.
Quanto
mais brutal, quanto mais comovente, quanto mais sofrida, os talentos vão
triplicar, quadruplicar, quintuplicar. Ouso dizer que se o Pelé fosse
argentino, seria maior que Martin Luther King ou Nelson Mandela.
Não
quero entender por que isso acontece aqui, mas acontece.
E
o que aconteceria se Neymar, o casal da banda Calypso, o Felipe Massa e o
Thiaguinho morressem vítimas de circunstâncias violentas ou sofríveis?
Atingiriam o patamar de Denner, dos Mamonas, de Ayrton Senna e do Cazuza.
Morte
a Émerson Fittipaldi, Gustavo Kuerten, César Cielo, Nelson Piquet, Pelé, Luis
Fernando Veríssimo, Maria Esther Bueno, tornem-se deuses também.
Já o Maradona, se fosse brasileiro, seria um azar dos diabos a ele...
segunda-feira, 18 de março de 2013
QUEM TIVER OUVIDOS QUE OUÇA

Cresci
com uma mãe extremamente católica, daquelas que todos os fins de semana, senão
aos domingos, aos sábados, está na missa. Minha mãe com certeza estaria apta a
substituir o padre.
Fato
é que, numa época não muito boa ao meu irmão mais velho, minha tia, católica ao
extremo, aos moldes italianos da minha avó, havia conseguido uma moça que
incorporava um espírito de luz, em ajuda ao meu primo.
E
aqui caíram por terra oferendas, cânticos, hóstias e entrou uma mesa branca
linda. Às quartas-feiras, meu pai e o Marcelo iam até São Bernardo do Campo
para que a “Vó” pudesse amansar os caminhos do metaleiro e abrir-lhe as portas.
Confesso
que não me lembro se deu certo, mas se eu dissesse que não, estaria mentindo.
As lembranças de sucesso seriam mais claras que o inverso.
Quando
acabei o colegial, em 1990 (ops, ensino médio), meu gêmeo já tinha estagiado e já
estava num terceiro emprego. E eu, pela escolha da época, queria ser
publicitário, tinha um caminho mais estreito para passar.
Tornei-me
um mestre em preencher fichas, fazer entrevistas e esperar que o telefone
tocasse. Desde distribuidora de filmes pornôs, vendedor de planos de saúde ou
ficar trancado num banheiro feminino – isso um dia abordarei mais pra frente –
tentei de tudo.
E
ratifico, quando tudo vai mal, quando tudo pode ruir, não importa a crença que
se tenha, não importa a reza que se faça, tudo se torna válido. A Vó entraria
em meu caminho. Aos 18 anos, fomos eu, meu pai e o Marcelo ,numa quarta-feira,
pegar os conselhos de irmãos mais evoluídos.
Dando
uma cor mais intensa ao caso, sou pisciano, creio em tudo e juro de pé junto
que vi o Papai Noel no último dezembro. Daí, minha apreensão e minha ignorância
sobre o assunto acabaram me trazendo uma paúra do inferno.
Ao
chegar, me deparei com o recém-falecido Freddie Mercury, sim, era ele, meu
irmão concordaria ao ler isso aqui. Tensão. Imaginei-me naquelas cenas da
Igreja Universal, em que havia possessão etc. Ignorância.
Aliás,
devo ressaltar que, durante minhas madrugadas de insônia e vagabundagem,
assisti a um programa pela Record, e o pastor dizia”você, que está
desempregado, pegue sua carteira agora, levante-a aos céus e berre: SENHOR,
TRAGA-ME UM TRABALHO!”
Tudo
bem que peguei a carteira, mas não berraria por causa do horário e do
constrangimento. Enfim, tensão. A sessão começaria e todos aceitaram fechar os
olhos, mas eu não. Concentração nada. “Vou ficar de olhos abertos aqui, se
algum espírito aparecer, eu corro”, pensei.
Em
segundos, a moça bateu na mesa e todos da mesa iam falando “Bênção, Vó” – e aquela
voz rouca repetindo “Deus te abençoe”.
Silêncio.
Travei, mas eu vi aquela moça antes, ouvi a voz dela antes e não era a mesma.
Enfim,
naquele dia, não pude me consultar com a Vó, mas fui a um tipo de assistente
dela. Entrei, com um cagaço monstro, na salinha, sentei-me. O rapaz sorriu,
olhou para mim e disse duas coisas que nunca mais me esquecerei:
-
Fio vai trabalhar com escrita!
Profissionalmente,
tenho 6 livros didáticos publicados no mercado.
-
Fio gosta desse, né? – com a mão perto da boca, imitando o ato de comer.
Pela
minha silhueta da época, a segunda foi óbvia, mas pela primeira, somente as
luzes de algum lugar especial endossariam minhas linhas aqui... E agora também
se tornou óbvia.
domingo, 17 de março de 2013
A MELHOR MÚSICA DO SÉCULO XX
Para alguns críticos, Freddie Mercury assumiu sua homossexualidade e a expôs nessa obra única. "Mama, just killed a man, put a gun against his head, pulled my trigger now he's dead" - ele estaria matando o hetero.
Não sei se posso concordar com isso. Sei apenas que essa música foi o single mais vendido na Inglaterra e eleita por duas vezes a melhor canção do século XX.
Não há como não se emocionar com a letra, com a dinâmica de ópera e rock. Se nos esforçássemos, conseguríamos ver SCARAMOUCHE, um palhaço da commedia dell'arte, um palhaço choroso, como Freddie; GALILEU, na figura do astrônomo Brian May; BELZEBU, o mais farrista da banda, claro, Roger Taylor, e o tímido FIGARO, de As bodas de Fígaro, de Mozart, como John Deacon.
Para acabar com essa viagem, por que não citar BISMILLAH (bismela) - que é um substantivo de uma expressão do Alcorão "bismi-llahi r-rahmani r-rahiim", que significa "em nome de Deus, o clemente, o misericordioso.
Diante de tanta interpretação e loucura, isso ratifica minha versão de que Freddie Mercury compôs BOHEMIAN RHAPSODY da forma que se vê abaixo para só depois colocar letra e dar uma roupagem rock'n'roll nela!
Não sei se posso concordar com isso. Sei apenas que essa música foi o single mais vendido na Inglaterra e eleita por duas vezes a melhor canção do século XX.
Não há como não se emocionar com a letra, com a dinâmica de ópera e rock. Se nos esforçássemos, conseguríamos ver SCARAMOUCHE, um palhaço da commedia dell'arte, um palhaço choroso, como Freddie; GALILEU, na figura do astrônomo Brian May; BELZEBU, o mais farrista da banda, claro, Roger Taylor, e o tímido FIGARO, de As bodas de Fígaro, de Mozart, como John Deacon.
Para acabar com essa viagem, por que não citar BISMILLAH (bismela) - que é um substantivo de uma expressão do Alcorão "bismi-llahi r-rahmani r-rahiim", que significa "em nome de Deus, o clemente, o misericordioso.
Diante de tanta interpretação e loucura, isso ratifica minha versão de que Freddie Mercury compôs BOHEMIAN RHAPSODY da forma que se vê abaixo para só depois colocar letra e dar uma roupagem rock'n'roll nela!
sábado, 16 de março de 2013
AONDE TEUS PASSOS TE LEVAM...

E
foi o que começou a fazer, se os obstáculos não sumissem, ao menos a saúde
poderia estar intacta às bofetadas da vida.
Fazia
o melhor itinerário que podia, sem ladeiras. No primeiro dia, no meio da
calçada que beirava a avenida, havia uma moita regada por um lodo e uma piscina
barrenta. Desviou. Continuou.
Pelo
caminho, pensava, pensava, pensava. Se houvesse jeito pra tudo, haveria jeito
pra tudo. Sabia que havia uma solução, bastava andar e pensar.
No
segundo dia, sempre depois do trabalho, fosse a hora que fosse, ele calçava os
tênis e seguia, procurando a solução enquanto ganhava chão. E sem perceber lá
estava de novo com a mesma moita, o mesmo lodo, a mesma piscina.
Esperou
que os carros que passavam a toda à sua direita passassem a toda à sua direita para
que ele fizesse esse trajeto, de uns 50 metros pela avenida.
E
a vida seguiu por uns dias. Andando, trabalhando, não dormindo, pensando e
orando. Andando, trabalhando, não dormindo, pensando e orando.
A
situação não havia mudado em nada. Certo, alguns amigos notaram uma ausência
flácida na região abdominal, ele as dores musculares, que cediam a cada dia.
Depois
de semanas, percebeu que a melhor parte do dia era a caminhada. Em até certos trechos
do trajeto, ele esquecia os problemas e se lembrava de outras coisas que o
faziam sorrir.
E
a vida seguiu por umas semanas. Andando, trabalhando, não dormindo, pensando e
orando. Andando, trabalhando, não dormindo, pensando e orando.
Não
conseguiríamos terminar o relato sabendo se todos os problemas foram sanados,
se o sono voltou em paz. Porém o que se pode contar é que, naquele dia, no exato
ponto em que tinha de desviar por causa da moita, ele parou.
Olhou
bem adiante e seguiu comedido. A moita havia sumido, assim como o lodo e a
piscina. Havia apenas 50 metros de barro seco. Ele pôs o primeiro pé, seguiu do
segundo e caminhou firme pela primeira vez aquela parte do trajeto.
E
durante esses 30 segundos, nenhum carro passou a toda à sua direita.
sexta-feira, 15 de março de 2013
QUANDO SE PRECISA: ONDE ESTÃO OS ANJOS?

Em
2004, no início de uma aula de Figuras de Linguagem, uma aluna, bem assídua por
sinal – professor sabe bem disso por causa da participação durante as aulas – me
puxa do tablado antes de começar e justifica a sua ausência na última semana.
A
mãe falecera, o que me restou desejar meus pêsames e começar mais três horas de
trabalho. Antes de seguir, terei de fazer um à parte aqui sobre uma figura para
que o texto fique coerente.
EUFEMISMO,
figura que consiste em suavizar determinado assunto controverso etc. Por
exemplo, não se fala que alguém é feio, usa-se o eufemismo “beleza exótica”.
Diria que essa figura é a Suíça da comunicação.
Pois
bem. Existem inúmeras nomenclaturas sobre o assunto. E, com certeza, essa aluna
deve ter se confundido, pois o significado já bastaria pelo exemplo. Ao término
da aula, ela, mais uma vez, me puxa e pergunta sobre Eufemismo, segue a minha
explicação:
-
Simples, em vez de eu falar que sua mãe morreu... – pausa aqui, porque ela se
assustou e eu queria sair correndo de lá naquele momento, emendei rapidamente:
-
Os anjos a levaram pelas mãos!
E
corri a outro aluno com dúvidas, mas pude perceber a tristeza atônita dela e
minha estupidez.
Amaria
terminar essa história aqui, mas não. Fantasmas, não a mãe dela, sempre voltam.
Dia desses estava parado numa das alamedas da Paulista. O famoso trânsito lento
de um fim de tarde, clichê por aqui.
Estava
de fronte a um prédio e percebi que duas meninas saíram, pararam e me olharam.
Olhei a elas, e as duas vieram ao meu encontro. Pasme, uma delas era a aluna do
Eufemismo. CAZZO!!!
Eu
me lembrei na hora dela e não poderia esquecer, porque ela me apresentou à
amiga, endossando que eu era ótimo e tinha dado aquele exemplo bizarro sobre a
mãe.
Torci
para o trânsito lento desafogar, pela segunda vez queria sumir de lá. Não sei
com qual expressão fiquei, mas, se os tais anjos que levaram a mãe dela
aparecessem por lá, com certeza eu pegaria uma carona com eles.
quinta-feira, 14 de março de 2013
DESENHOS E SÉRIES BIZARROS

Imediatamente,
fui puxado à infância e a todos os programas de TV da época. Como o trânsito de
São Paulo serve também para filosofar,
comecei a lincar aberrações e deleites sobre desenhos e séries.
Não
vou colocar aqui aquelas imagens retrôs das redes sociais, mas você consegue
imaginar que, se o Ultraman fosse patrocinado pelas pilhas duracell, a sua luz
no peito jamais piscaria, e olha que ela piscava todo episódio, justamente na
luta com os monstros que odiavam o Japão.
E
indo além, já imaginaram que o odioso Piu-Piu era um sádico desgraçado. Aquela
personalidade de anjo... Anjo caído. Cazzo, ele vivia, suavemente dizendo que
tinha visto um gatinho, para que o coitado e ingênuo do Frajola fosse atacado
com o guarda-chuva de outra velha sádica.
Muitas
vezes eu me imaginei – mais sádico ainda – com aquela faquinha de plástico, de
cortar Ana Maria – suavemente cortando o peito do passarinho até chegar ao
coração dele, sem pressa, sem a mínima pressa.
E
o que falar do Papa-Léguas (abrindo um espaço aqui – os nomes compostos são de
uma perfeita análise à Freud, né?). O Coiote deveria ser milionário, tendo uma
grana excelente para comprar todos aqueles aparelhos modernos, poderia ao menos
se contentar com um PF barato. Mas não, era fetiche, ele queria porque queria
comer aquele mala.
Eu
era louco para saber como era a cara do cachorro Yogui, que, bizarramente,
usava uma casinha na cabeça e a retirava para aterrorizar malfeitores. Hoje em
dia, fico imaginando se fosse como o atual Milton Nascimento, o um recém-acordado
Zé Ramalho, ou ainda um Cauby Peixoto. Ainda creio que ele era uma mescla de
todos...
Confesso
que pouco ou nada sei sobre os desenhos atuais. A tendência que os adultos de
hoje falem que tais atrações em épocas passadas eram infinitamente superiores
aos de hoje. Confesso também que isso seria uma injustiça, porque, depois de
uma análise fria do que foi dito aqui, não temos parâmetros de qualidade boa ou
ruim.
E
olha que nem citei um Urso do Cabelo Duro, que andava em uma motocicleta
invisível, muito menos de um dos robôs dos Vingadores do Espaço, um cruzamento do
Robert Plant com o Homem de Lata.
quarta-feira, 13 de março de 2013
O PRIMEIRO EMPREGO

E a menina, novinha que só, primeiro ano de faculdade, conseguia, pelas mãos do pai, um emprego numa firma do bairro. Firma de duas pessoas, um mais novo e outro mais velho, que se odiavam de uma forma pessoal, mas se davam bem no profissional.
Um desfile de bizarrices. Desnecessário falar que a emissora do rádio era a mesma, e a moça mudava todos os dias e tinha de explicar a todos instante que não sabia quem, havia feito. Mesmo que fossem somente os 3 por lá e um ficasse for o dia todo.
Desnecessário falar que o mais velho exigisse que os recibos fossem datilografados em pleno século XXI.
Desnecessário dizer que ela trabalhasse 2 horas pela amanhã e mais 3 à tarde, por causa de ajustes ilegais trabalhistas.
Desnecessário também falar que a moça colocou ordem na mesa suja do velho e teve de tomar uma bronca por ser tão eficiente e pró-ativa.
Desnecessário dizer que as ambulâncias que ficavam na firma por um tempo ficaram na garage da família da menina, e as sirenes acordavam a vizinhança toda numa madrugada de domingo.
Desnecessário falar que ela fazia o serviço bancário de ambulância cujo motorista asmático vivia tendo crises beirando a morte.
Mas o pior foi ter de ouvir, numa manhã, sem qualquer explicação, que ela seria substituída por um rapaz. Ela saiu transtornada. 6 meses vivendo aquilo tudo e ainda isso. Voltou chorando para casa e tomou uma bronca da mãe, que disse que se fosse para chorar e reclamar que ela o fizesse ao velho.
Tomou coragem. A passos firmes subiu a rua limpando o rosto. Determinada a tudo. Pegou o velho revirando a bagunça e soltou tudo. O desdém que ele devolveu foi o suficiente para que ela virasse lenda aos motoristas das ambulâncias e arregalasse os cansados olhos:
- Vai tomar no seu cu!
E a menina virou celebridade. Quem a conhecia, sabia do seu desabafo.
Anos se passaram, e, no itinerário dela ao ponto, ao longo desses anos, era comum que o velho estivesse na frente da firma, vendo o nada, fazendo nada. Era comum que ambos se cruzassem, era comum que ela olhasse a ele e ele respondesse:
- Boca suja!
segunda-feira, 11 de março de 2013
A MOOCA DOS "CANÓLI"

Estou
longe de ser o Vinícius, amigo meu e fiel frequentador desse evento, porém –
contagiado por suas histórias – e por tudo o que já li, estive eu e meu mais
velho ontem na Mooca, acompanhando de perto tantos lances de alambrado.
Quem
conhece o bairro – e eu sou um deles, estudei por 7 anos nele – sabe que o
reduto de italianos o transformou num local mágico, familiar. E isso é visto
logo na entrada do estádio. Famílias aparecem como se fossem a um parque de
diversão. Todos com as camisas grenás à mostra, mãos dadas. Diria que um jogo
ali, às 10h da manhã de um domingo ensolarado rouba muitos fiéis da região.
E
se aqui há um ato ecumênico, diria que os canólis - canudos de massa folhada,
salpicados de açúcar e recheados com creme ou chocolate – são as hóstias. E
todos podem já comungar logo na entrada ou durante o jogo. Está longe de ser
uma ambrosia, mas ninguém mesmo se delicia com hóstias.
Os
avôs, tios e tias riem e cumprimentam todos, acabam abraçando quem por lá chega
e sorri. E não há como não sorrir na Javari. Lembro que estive lá pela última
vez em 1985, e meu sorriso de ontem foi o mesmo.
O
hino do Moleque Travesso no início. As faixas escritas em italiano e os gritos
que lembram os argentinos do Boca reforçam a ideia de que ainda existe uma
certa ingenuidade e saudosismo no futebol.
Os
torcedores conversando quase na nuca do bandeira. Os tifosi soltando impropérios arcaicos colados ao alambrado. Quase
deixam o jogo de lado, ruim, por sinal, bem ruim.
Mas
o que me deixou mais intrigado foi o medo de a partida terminar por falta de
bolas. Sim. Os jogos por lá só podem acontecer com um número de bolas
triplicado ao de uma peleja comum.
E
depois de ver tudo isso, quando esperava que meu domingo matinal estava
completo, vejo o massagista do clube tocar a campainha da casa de uma nona
qualquer, pedindo uma das bolas.
E,
pela cara dele – que voltou de mãos vazias – estava claro que a bola fora
murcha, já que é um atrevimento manchar
o lençol branco da nona. Se for pra ter mancha, que fosse do canóli, que ficou
conversando comigo o dia todo.
domingo, 10 de março de 2013
NOVA ETAPA
E com uma nova etapa vem a felicidade, se eu pudesse dizer algo a ela, seria com essa canção!
sábado, 9 de março de 2013
JÁ PRA CAMA!

Confesso
que odeio dormir. E você pode perguntar por quê. Se é algo pontual? Sim, é.
Sempre acho que estou perdendo algo durante ele, sempre acho que algo
importante passará por mim enquanto durmo.
Voltemos
ao pontual. Aos 4 anos, durante um período de janeiro na Praia Grande, litoral
paulistano, em 1977, dormia o pequeno Adriano tranquilamente numa tarde quente.
Quando acordei, estavam apenas minha mãe e minha tia no apartamento.
Irmãos,
primos e tios haviam sumido. Todos estavam num parque de diversões. Se hoje,
aos 40 anos, não entendo por que não me acordaram para ir junto, aos 4 não
teria obviamente maturidade a isso.
Lembro
que chorei muito, não por não ter ido, mas pelo sentimento de abandono, de
esquecimento e de me sentir descartável. Afinal, que criança de 4 anos
preferiria dormir a ir a um parque de diversões.
Ok,
sessão terapia agora...
Enfim,
conseguir pontuar o exato momento do trauma é algo muito útil a tentar sumir
com ele. Fato é que 36 anos depois, não consigo. Penso sempre sobre quantos
parques de diversões passaram ou passarão pela minha vida durante meu sono.
Durmo
cerca de 4 a 5 horas por dia. Não me lembro de ir para cama porque precisava
dormir. Nem mesmo nas várias jornadas de 10 horas por dia em frente a mais de
100 alunos.
Ou
mesmo quando acabava um show às 4h e tinha de me levantar às 6h30. Sono é algo
pouco amistoso a mim.
Cochilos
à tarde então inexistem.
Até
mesmo quando me deparei com um Rivotril, a luta contra o sono foi quase
vencida. Se pudesse, meus olhos não se fechariam. Passaria a noite lendo, vendo
filmes, ouvindo música, meus planos e meus erros.
Confesso
que já tentei ir a um parque de diversões à tarde, mas não foi a mesma sensação
se alguém tivesse me levado até lá.
De
tanto temer ser abandonado, o sono acabou endossando minha paúra.
quinta-feira, 7 de março de 2013
ELE É O BOM, É O BOM, É O BOM!

O eco que viria a seguir era comum. Nada mais do
que isso. Quantidade e qualidade andavam de mãos dadas na vida daquele homem, a
última calipso do mundo. Solteiro, uma cobertura a 500 metros da Paulista, sem
mãe nem pai ou irmãos.
Um Audi e uma Harley Davidson, um cartão de crédito
sem limites, mais de 2000 amigos nas redes sociais, fotos pelos 4 continentes,
conhecedor de bons vinhos, uma minibiblioteca de mil livros, uma dezena de
raridades autografadas, fotos com modelos, pelo menos todas as que comeu,
compras somente na Oscar Freire, festas todas as noites, e é melhor acabar a
descrição aqui porque o incômodo é iminente.
Ele sabia que havia urubus, mas nunca soube quais
não eram e muitas não foram. Justificável o escudo, de grife, claro, mas a
carcaça do Bate-Fino era de um aço tão resistente que daria inveja em qualquer
Jesse Valadão. E digamos que ele fosse uma espécie dessas, mas com requinte, um
perfume importado, jeans Diesel e dois rolex.
Há tempos parou de contar todas as conquistas, teve
medo de ganhar dos tombos de seu escritório. Mas nada profundo. Nunca amou nada
além de si mesmo. Na portaria, uma lista de nomes proibidos, tanto quanto seu
número de celular e os bloqueios virtuais. Resumindo: a elegância de Rodrigo
Santoro com a sutileza de Paulo Leminski, a inteligência de Chico Anysio e a
riqueza de Eike Batista, ou seja, deus.
Mas entre o minúsculo e o maiúsculo há uma
diferença maior que o carisma e a fama do homem. E sabe-se lá por que coisas
acontecem, elas acontecem. Tarde de sábado, numa espera com um grupo de amigos
em um restaurante badalado, apareceu a hostess mais incrível que pudesse
existir, uma relações-públicas do paraíso.
Paralisado. Caído. Enfeitiçado. E quando a fome desaparece,
significa um alerta vermelho, e este apitava uma araponga amplificada. O homem
surtou. Como um cão louco, quase dividiu
a recepção dos clientes. E ela fugiu a tarde toda e todas as demais daquela
semana. Não era mais o mesmo. Almoçou todos os dias, variou pratos, fez
amizades com os garçons, despertou o interesse de várias clientes que sentavam
por lá. Porém a menina era arisca, estava a um passo à frente dele, mesmo que
as pegadas dele pisassem as dela.
As orquídeas não funcionaram, o Coco Chanel ficou
com a irmã, Mas a Louis Vuitton ela aproveitou. E nada. O preço dela era muito
mais deslocado. E foi com a primeira edição de Dom Casmurro que a Capitu
sorriu a precisão do mimo. E um café da tarde fechou o ciclo da caça. Depois um
jantar, enfim um amanhecer e o primeiro beijo. Na noite daquele dia, havia mais
do que rosas na cama de seu apartamento, havia um Moët Chandon com morangos,
Norah Jones no Blu-Ray, e uma vista espetacular da chuva batendo no vidro do
quarto.
O que houve não nos compete, porque o óbvio aqui
não, mesmo que não pareça, não aparece. Pela manhã, a chuva seca. Os sorrisos
se abrem como o tempo, os lençóis de fios egípcios laçam os dois. Café da manhã
de cadeiras juntas. O trabalho dela começa às 11h. Ele a deixa onde sempre
esteve. Ela sai depois de ele abrir a porta. Eles se beijam. Ela o acompanha
sorrindo até o carro. Ela se aproxima dele, inclina-se para mais um beijo. E
antes de sair, ele diz:
- Te ligo.
O eco que viria a seguir era comum. Nada mais do
que isso. Quantidade e qualidade andavam de mãos dadas na vida daquele homem,
realmente a última calipso do mundo.
quarta-feira, 6 de março de 2013
A BENGALA E A SUPERSTIÇÃO

Publicitário em ascensão, 30 anos. Pega a pasta de
couro, presente do chefe pela primeira campanha aprovada e sai. Mas logo o
sorriso se cala quando se vê diante daquilo. Uma escada. Embalando a descrição,
de frente. Uma casa térrea, uma garagem ao lado, do vizinho, um corredor estreito
que desemboca num portão enferrujado. Um poste à esquerda e uma escada
encostada nele, formando uma espécie de triângulo retângulo. Fato, para sair,
ele tem de passar por debaixo da escada. Um supersticioso embaixo de uma
escada?
Antes de ouvirmos o berro, analisemos a situação,
um maníaco por crendices e um tarado por horários. Porém eram 5h30, não se pode
berrar assim, mas bem que isso poderia acontecer, assim alguém apareceria e
tiraria a escada de lá. Isso! Alguém tem de passar por lá.
As pessoas trabalham, pegam ônibus e há um a 200
metros dali. 5h31, compromisso às 9h, bom estar adiantado, portão já aberto e
fechado. Costas marcando as grades, a dois passos do caos. Pelos cálculos
daquela terça fria, o limite seria 6h30. 6h50, contando os passos largos do
metrô. 7h10, correndo já. 7h25 pegando um táxi. Certo. Tinha duas horas para
tal. Alguém passaria.
Olhou à esquerda e viu um homem que não o viu nem o
veria. Sim. Um deficiente visual. Sem cão nem companhia, além da bengala. Ora,
outro passaria, mas se não passasse ele seria apto a, pelo menos derrubar a
escada.
Pediu ajuda e ele, que atendeu prontamente ao
pedido, foi guiado para esquerdas, direitas, dois passos, centro etc. Ambos se
esforçaram, mas algo não saiu como o previsto... E, quando percebeu, o
publicitário viu a escada em cima dele. (risos)
O ceguinho tirou a escada do poste e naturalmente,
pelo peso, achou o modo mais rápido e confortável de tombá-la em algo: a laje
da casa mais próxima.
- Não!!!
- Seu burro! Tire isso daqui, tire isso daqui!!! Socorro!!!
E antes de chamar a atenção de todos. O ceguinho,
magoado que só, cumpriu o elo Caronte e inferno e foi guiado pelo som do cão.
Achou a escada, deu meia volta e calou o histérico com três ou quatro
bengaladas na cabeça. O sono profundo viera em seguida.
Nunca saberemos quem o tirou debaixo da escada.
Porém quem teve tempo de ver tudo, jurou que Caronte, depois da agressão, seguiu
em frente assobiando, mas só depois de colocar-lhe duas moedas em cada olho,
uma para a superstição e outra para a mania. E uma lição foi aprendida naquele
dia: o pior cego são aqueles que não usam bengalas.
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