quarta-feira, 22 de maio de 2013

O CICLO

O menino ficava toda tarde olhando o pai martelar pregos, serrar madeiras e soprar serragens. Não perguntava coisa alguma. Mal conseguia respirar ante o pó, mas ficava ali, de olhos vidrados, assimilando todos os movimentos que pudesse assimilar. E foi assim por dias, e foi assim por meses.

Certa manhã, o pai escutou martelos, pregos e serrotes. Correu até a marcenaria e se deparou com o menino, repetindo os mesmos movimentos do pai.  A mesma rotina, até a respiração era igual. Foi a vez de o pai sentar e observar. Talvez a criança não o tenha percebido, até acabar o trabalho e perguntar:

- Ficou bom assim, pai?

Sorrindo, ele se aproximou, examinou os cantos, os encaixes e sentou, comprovando que era uma cadeira perfeita, confortável, pronta. Ele poderia ter elogiado e dito que foi um dos melhores móveis que já viu. Mas preferiu o silêncio. Apenas passou a mão na cabeça dele e começou a lixá-la para envernizá-la depois.

A criança não entendeu. Voltou a sentar porque teve a certeza que algo passou-lhe desapercebido. Viu os movimentos do pai, que, ao acabar, deixou a cadeira à mostra. O menino levantou, agachou-se e passou o dedo minuciosamente no trabalho do professor. Calou-se. Talvez tenha percebido algo, talvez teve a certeza de que nada havia a acrescentar.

Naquela mesma manhã, a cadeira foi vendida. O senhor elogiava a elegância e o conforto, que nunca na vida tinha sentado numa daquelas. Mesmo que o marceneiro tenha enfatizado o verniz, pouco seria ao comprador. Atento a tudo, o pai olhou-o com um certo inconformismo. O menino sorriu, mas não teve o mesmo olhar de volta.

No dia seguinte, ele estava sentado, mas o pai não era mais natural. Olhava a criança a todo instante. O martelo caía, os pregos caíam, a serra não serrava, o pó impregnava. E o menino chorou. Todos os sonhos que circundaram aquele homem estavam no chão. Todas as esperanças com que a criança se proveu esvaíam-se. O ídolo era de farrapo.

Ele se levantou e viu o pai debruçado na própria inércia. Foi até ele, devolveu o martelo, recolheu os pregos e saiu. Duro não foi saber que os super-heróis muitas vezes são humanos, duro foi ter de reconhecer que o seu ídolo era menor que o 1,10 que o fã possuía. E pior, duro foi ver o avô comprar a cadeira e ter a certeza de que o pai também era filho e também precisava da aprovação paterna.

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