sábado, 4 de maio de 2013

CORTANDO AMARRAS...

Estava sozinha há meses. Depois que o marido saiu de casa, nunca imaginou levar a vida assim, sozinha e bem, surpreendentemente bem. O medo de entrar em casa e ser recepcionada pelo vazio nunca apareceu. Percebeu que as boas-vindas sorriam ares de paz.

Namorava há umas duas semanas, mas não estava em seus planos encurtar tanto as distâncias. O trauma da separação muitas vezes, num canto da mente, latejava uma incômoda intromissão.

Não tinha irmã, não tinha irmão. Os pais estavam separados há anos. Ele, na Argentina, a mãe, no Sul. Viviam todos em perfeita harmonia e ratificavam que a distância se tornava conveniente a todos. Durante esses meses todos, falavam-se com mais frequência que o habitual.

A mãe sorriu quando soube que a filha começava outra tentativa, sorriu porque ouviu que nunca esteve tão feliz e que, pela primeira vez na vida, a filha realmente amava.  Sorriu tanto que numa noite...

- Mãe?!

... Num voo direto de Porto Alegre, trouxe mais que uma muda, decidiu voltar e ver de perto tudo isso.

- Passaremos um belo tempo juntas, como há muito não fazemos, filha!

Tudo bem que a menina contava 31 anos. Tudo bem que o fim do casamento não foi algo aterrador. Tudo bem que ela nunca reclamara de ter de morar sozinha e, nada bem, que a filha não convidara a mãe para isso. Se nem o namorado tinha subido lá, por que a mãe deveria morar lá?

De pronto, elas se abraçaram e saíram para jantar. A menina não sorriu naquela noite na cama, Uma ponta de preocupação se instalou, mas preferiu não fomentar o caos. Mandou e recebeu um sms do namorado e dormiu.

Pela manhã, o café estava pronto. Mesa posta, linda, pães, frutas e frios. Mesmo que ela só desse um gole no café e perto do trabalho, seria uma desfeita não comer com ela. E  assim o fez. Ficou sem almoçar naquele dia.

Emendou uma peça de teatro à noite com o namorado. Na saída, havia 15 ligações da mãe. “Não vem jantar?”. Não se lembrou que tinha de dar satisfação. Para compensar, teve de levar uma marmita ao trabalho com o jantar. A tia da faxina adorou o estrogonofe do Sul.

Os cafés se repetiram e os almoços não. Viu-se numa situação péssima, desabafando com o namorado. Seria maldade desejar a mãe longe? Seria a melhor e mais útil forma de amar?

No sábado, ela acordou a filha às 9h. Queria caminhar no parque Do Ibirapuera e almoçar no terraço Itália, mesmo que não tenham combinado, surpresa sempre é bom. E lá foram. A mãe percebeu o silêncio da menina, mas não se intimidou, havia assuntos diversos, enfadonhos, mas estavam lá.

Disse que estaria bem em casa sozinha, mas que não viesse tarde. As 20 ligações, entre meia-noite e duas da manhã fizeram a menina ligar, dizendo que só voltaria no fim da tarde do domingo: mais uma marmita à tia da faxina.

Visitas a amigas de infância, as poucas que ainda viviam. Idas às duas igrejas, a do casamento de décadas passada e à da primeira comunhão da filha. Visitas inesperadas ao trabalho. Bolo de fubá às amigas do escritório. Todos queriam aquela senhora para si, menos quem a teria por direito.

3 semanas e o inferno estava instaurado. Ela não queria mais. Começou a ficar deprimida e se aproximou ainda mais do namorado. Não dormiu em casa num dia, nem no outro. Não sabia quanto tempo mais conseguiria.

Quando completou um mês. Chamou a mãe, sentou-a no sofá e comunicou que poderia vender aquele apartamento, porque pertencia à família, pois estava se mudando para junto do novo amor. A mãe não chorou, sorriu.

E foi antes da última descida com as malas que a mãe lhe puxou pela mão, abraçou-a e disse:

- Se você tem certeza de que o amor apareceu, não perca seu tempo sozinha...

Duas semanas depois, a mãe voltou para Porto Alegre. O apartamento estava fechado, não foi vendido, não foi alugado. Estaria lá para se o infortúnio aparecesse ou para, caso necessário fosse, a mãe voltar e instigar a filha a ser feliz.


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