terça-feira, 18 de junho de 2013

UM NOVO TEMPO

Quando Gilhermina começou a carreira de atriz recebeu duas incumbências, uma dela mesma e outra do avô materno, também conhecido como pai: ter um nome artístico e continuar com valores sãos.

Nas pequenas peças mambembes, em pontas de filmes para comerciais, em eventos em empresas. Um pouco aqui outro ali, até conseguir um papel de destaque no teatro. Sim. A personagem de assassina correu o Brasil inteiro e adquiriu status de milhões de curtidas em redes sociais.

O sucesso foi tamanho que o nome dela apareceu em forte numa produção cinematográfica, indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro e ganhador de inúmeros prêmios pela América Latina.

A leal amiga do senador que vai preso por desvios de verbas sensibilizou a mídia e a crítica, e o primeiro papel de destaque numa novela global chegava forte. O nome dela apontava como a maior promessa das atrizes nacionais, bem como uma personagem homossexual, com a ousadia de dar o primeiro beijo entre pessoas de mesmo sexo, em rede nacional.

Sinal de alerta à moça de 25 anos. Quando leu as ambiciosas linhas, sabia que havia dois caminhos a seguir, o de ratificação de seu talento e o de volta ao anonimato, guiado pelo avô, que, com certeza, apareceria forte com seus valores e tal.

Consultou a mãe, consultou os irmãos e até a avó, que disseram para que seguisse firme e que fariam de tudo para o avô não saber do fato. Tudo bem que o senhorzinho era apaixonado pela neta. E daí se ele tinha tudo, absolutamente tudo sobre ela. Recortes de entrevistas, todos os comerciais, nem todo fanático consegue ter tudo, não é?

Não, eles conseguem tudo, e o avô, de 89 anos, era louco pela garota que tomou para filha quando o filho morreu naquele acidente de carro.

Contrato de dois anos, mais de 50 mil mensais, publicidade iminente, lentes iminentes, ou seja, tudo o que uma atriz precisa para existir, ela simplesmente não poderia falar não. Ela simplesmente não poderia decepcionar quem mais o incentivou e quem mais odiou MONSTERS.

Fechou os olhos, ponderou e sabia que um amor não acabaria, que o apoio sempre poderia existir, e o contrato estava assinado.

Por provações da vida, a primeira cena que iria ao ar seria essa, uma proposta para atrair pessoas, por mídia e por levantar a bandeira da igualdade entre todos os seres com suas predileções distintas.

4 semanas depois da gravação, o primeiro capítulo foi ao ar. O esquema estava montado. Quando as manias existem, o poder alheio de atrapalhá-las fica mais aceso. Tudo armado. A família em peso para a estreia. E os óculos do avô sumiriam minutos antes. Foi o que aconteceu. Ele chamou pela esposa e pelas lentes, que não apareceram.

Aquele cinismo todo foi ultrajante, surpreendente. Mas não tão surpreendente quando o bom velhinho sacou do bolso novos pares de óculos e clareou a visão. Não havia mais nada a ser feito. Clima tenso. Pensaram em cortar a luz, pensaram em tudo, porém deixaram que o natural seguisse. Afinal de contas, a mentira e a manipulação também estariam fora dos valores sãos dos humanos.

E a cena veio, ainda que em poucos segundos. Entres as quase 20 pessoas na sala, parece que muitos tentaram tampar os olhos como se tampassem a visão do avô, que assistiu à cena quieto, sem dizer uma palavra sequer. No intervalo, ele saca do celular e liga para a neta, que atende inocentemente ao chamado e chora como criança, minutos depois:

- Filha? Finalmente um papel digno! Matar pessoas e ajudar corruptos não tem nada de amor! Estou orgulhoso de você!

E o silêncio se fez, porque nenhuma palavra mais caberia aqui...

 

    

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário