terça-feira, 30 de julho de 2013

MEMÓRIAS DE UMA FILA

Daquelas coisas que ocorrem uma vez na vida. Ele, fanático pela banda. Ela fanática pelo vocalista da banda. Um show, talvez a única chance de vê-los no Brasil. Ele, 18 anos, ela, 19. Não se sabe falar se a empatia foi imediata. Fila para compra de ingressos é algo muito solidário. Não se tem outra alternativa senão usar do interpessoal.

Ela sorriu, talvez ele tenha sorrido também. Garoto de poucos sorrisos e muita leitura. Ela, garota de muita leitura, muitos sorrisos e poucos amigos. E nessa sintonia um olhou ao outro e assim ficaram. 

Não cabe aqui falar quem puxou papo, cabe sim realçar que a troca foi imediata. E começou com a banda, como clichê e coerência numa espera pelo show dela e descambou para política, literatura e filmes.

E olha que eram mais de duas três de espera já, para os introspectivos poder-se-ia dizer que foi recorde. A quem nunca conversa, a quem nunca interage, digamos que ambos tinham dado um passo interessantíssimo, colocado seus mundos reclusos à mostra. Porém à pessoa certa, sem medo e de modo certeiro.

Ela se queixava de como os pais não entendiam e de como o curso de sociologia poderia servir de base a tantas coisas. Ele endossou o inconformismo dela e emendou que cansou de explicar que processamento de dados seria uma porta ao futuro.

Sorriram quando descobriram que odiavam a mesma verdura e começaram a deixar de se espantar quando viram que tinham um mesmo país para fugirem em caso de fracasso no Brasil. Houve até quem disse que fugiriam juntos, houve até quem concordasse com isso.

Lógico que estavam sós, naquele mar de fanáticos pela banda inglesa talvez fossem os únicos solitários. Anoiteceu e esfriou. As bilheterias abririam apenas às 9h do dia seguinte. Ele tinha sanduíches e ela também, os mesmos pães com muçarela e mortadela, o mesmo café na garrafa térmica.

Ele com um livro de Camus, ela com um do Gabriel. Ela já tinha lido o dele, ele já tinha lido o dela. Ela trouxera uma barraca, ele apenas um cobertor. E quando a meia-noite avançava, ela o chamou para dentro, e lá ficaram a dividir pedaços de sanduíches, comparar os cafés, ler trechos dos livros.

Houve um momento de silêncio, ela o olhou profundamente, ele também. Mas nada fizeram. O sono chegou. Ele deitou, ela também. Ele a abraçou pelas costas, ela segurou sua mão pela própria cintura. Sonharam juntos. Ele estava excitado, ela mais ainda, porém se tocaram apenas em pensamento. Nada aconteceu.

No dia seguinte, compraram seus ingressos. Tão íntimos que eram, não trocaram ao menos números de telefones. Sabiam que voltariam a se encontrar. Porém isso não aconteceu. Cada qual foi ao show em um setor e em dias diferentes.

Nunca mais se viram. 15 anos se passaram. Não souberam nada mais a respeito um do outro. Até tentariam nas redes sociais, mas, pelo jeito deles, nenhum teria um perfil aberto. Mas quis as coincidências mágicas dessa vida que se reencontrassem casualmente no campus da universidade, no país para onde fugiriam em caso de fracasso. 

Cada qual com seus propósitos, cada qual com sua família, filhos e carreiras. Eles se olharam e viram que eram os mesmos de anos atrás. Não havia outra coisa a se fazer. Sorriram. Acharam um banheiro, o mais próximo, e se amaram lá mesmo. Numa fúria contida, num sonho retido, num ideal forjado. Em 20 minutos, cada qual voltava à sua realidade. 

Trocaram nada mais que beijos, carícias e tudo que se permitiram. Não trocaram uma palavra sequer, porque tudo o que havia de ser dito ficou naquela noite. As palavras naquele momento eram completamente inúteis. Daquelas coisas que ocorrem uma vez na vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário