quinta-feira, 10 de outubro de 2013

QUANDO A SORTE MUDA DE LADO...

Perrengue mesmo, a mais dura e nua realidade. Era esse o status do cara. Devendo para dois bancos, mais de 5 cheques devolvidos, com o salário comprometido já no segundo dia útil. Conseguia comer dos bicos que fazia após o expediente. Tentou pontuar quando isso aconteceu, o exato momento de ter assinado as dívidas.
 
Conseguiu pontuar o casamento, quando fez o primeiro empréstimo, gigante por sinal, que pagou a festa e a entrada do apartamento. Mas então as prestações do imóvel vieram e agora eram três boletos altos por mês. Teve de fazer o segundo empréstimo para pagar um dos boletos, e agora eram 4. O que sugeriu um terceiro e derradeiro empréstimo, que acumulou 5 prestações.
 
A mulher não conseguia emprego, comiam muitas vezes na casa da mãe dela ou na do irmão mais velho. Eram comuns as jantas por lá serem bem maiores, o que rendiam marmitas por duas ou três refeições. TV a cabo não mais, passeios só de ônibus, pois o carro era do pai e teve de devolver-lhe.
 
O fundo poço foi quando, no mercado, comprou 4 pães e 200 gramas de queijo, num total de 8 reais e teve de pagar com cartão de crédito, porque o de débito não debitava, e as notas estavam em qualquer lugar, menos na carteira. E, pelas contas dele, sabe-se lá agora se havia limite para mais um copo d'água.
 
A realidade estava bem feia.
 
Estava passando naquela começo de noite - depois de ter ficado quase uma hora na igreja, pedindo um milagre - em frente a uma concessionária e ficou babando pelo carro novo, a cor era a ideal, as formas eram as ideais, o couro tinha o cheiro perfeito. Ora, se sonhar amenizava as dores, era hora para isso.
 
O vendedor percebeu e convidou-o:
 
- Quer tentar?
 
- Tentar o quê?
 
- Entre, escolha uma chave, tente ligar o carro, se funcionar, o carro é seu!
 
Parece que o sonhador esboçou um sorriso, mas não pretendia cair nessa. Sabia que não ligaria e sabia que o vendedor começaria a enchê-lo, porque é esse o papel deles.
 
- Não, muito obrigado...
 
- Vamos lá, você não tem nada a perder?
 
A sedução e os sonhos fazem isso. Ele coçou a cabeça e realmente, se fosse apenas para sentar e sentir aquele cheiro de novo, ao menos, seria um alento, um sopro na ferida. Entrou, escolheu a chave. Um grupo de vendedores e clientes também cercaram o cara.
 
Sentou naquele banco confortável, mas não tentou de imediato. Fechou os olhos e se imaginou levando aquilo pra casa, imaginou-se, ainda que desejando o carro, vendê-lo e quitar mais da metade das dívidas, salvaria mais da metade do salário. Tentou um último pedido a Deus.
 
Posicionou a chave no contato. Respirou fundo. Coração acelerado. Olhos arregalados. Sorrisos esperançosos. Olhou a todos. Disse um "vamos lá?". Virou a chave, e o motor respondeu.
 
Sim, o motor respondeu!!! O carro era dele. Comoção geral. Ele não conseguia entender. Aplausos, aplausos, aplausos. Ele começou a raciocinar melhor, o carro era dele! Sim! Soltou um berro e se empolgou, colocou primeira e acelerou. Dois clientes caíram com o impacto, três carros foram atingidos nas lanternas, e o carro atravessou a vidraça e ficou penso na mureta, perto do estacionamento.
 
Outra dívida gigantesca, mas, com a venda do carro, a vidraça e as lanternas dos 3 foram consertadas, e ainda sobraram 500 reais, que rendeu uma bela compra no Carrefour.

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