
Duas voltas no quarteirão e nada de vaga, e o
nervosismo falando alto. Até que um espaço apareceu e, na ânsia de pegá-lo, o
que acabou pegando foi o retrovisor dela no de outro carro.
Pronto, o espelho dela espatifou-se, já o do
cara, além do espelho, todo o retrovisor veio ao chão. O nervosismo deu lugar
ao pânico e ao desespero. Como explicar ao pai intransigente que a falta de atenção,
porque só ela é a causadora de tudo, disse presente e espalhou cacos de vidro
por todo o banco do carona.
A sorte, o pai voltaria de viagem apenas na
manhã seguinte. O azar, o que sobrou disso. Mal discutiu com o dono do carro.
Abriu a carteira, deu cem reais a ele e o número do celular:
- Se ficar mais caro, me avise, tenho consulta e estou atrasada!
Entrou tremendo no consultório, saiu tremendo
dele e cancelou todas as coisas para arrumar o espelho. Na primeira loja
especializada, não encontrou o que desejava. Na segunda, havia apenas um modelo
similar.
Na terceira, encontrou tudo, mas os 500 reais
que ofereceram serviu apenas para comprovar que o preconceito a ele era imenso.
A tarde avançava e nada acontecia. Ligou para a fábrica e conseguiria um
idêntico, mas para três dias.
Implorou à atendente, que nada pôde fazer,
apenas prometeu tentar algo e, se conseguisse, entraria em contato. O modelo
2000 era o xodó do pai, que tinha no carro mais do que carinho, tinha sua
própria vida.
Conseguiu com um amigo, um endereço no
extremo leste da capital, duas horas até chegar. Chegou e viu que era nada
parecido, mas muito igual, as coisas não se parecem quando sabemos a verdade e
as coisas são iguais quando não notamos.
E assim, com uma diferença absurda, ainda
assim, com um espelho nada similar, ainda assim, ela voltou exausta e
resignada. Esperaria pelo pai e contaria tudo pela manhã, assim que ele
chegasse. Não jantou, dormiu e não percebeu quando a porta se abriu. Só percebeu
quando a porta se fechou, deu um salto da cama e quase se apavorou quando viu
que as chaves do carro não estavam lá.
Não era justo. A intenção foi a de falar
antes. Não poderia explicar que falaria antes. Seria um sermão e seria naquele
momento, quando percebeu, meia hora depois, que o elevador estava de volta e o apito avisava que
algo passara pela porta. Era o pai, desolado. Cabisbaixo, ele se sentou no
sofá...
- Pai, precisamos conversar, eu...
- Filha... Cheguei antes e iria ao trabalho, mas
pela maldita desatenção, eu não me perdoo por isso, estourei o retrovisor do carona
na pilastra do estacionamento. Tudo foi pro chão, tudo, não sobrou nada... Ai,
que mau agouro. Ficamos eu e o seu Genézio recolhendo do chão os destroços,
tudo pro lixo. O mais engraçado foi não termos achado o espelho... Mas diga,
filhota, o que você tem pra me dizer...
- Nada não, pai, nada não...
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