quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

UMA TARTARUGA, UMA RODOVIA E UM SONHO

Uma tartaruga. Desesperada para saber o que havia do outro lado da rodovia. Nascia para algo maior. Mesmo que não soubesse o que encontraria, mas sabia que ao menos aquele apito que vinha de longe poderia ser algo chamativo.

O que se ouvia apenas, além dos carros que rapidamente cruzavam os olhos semicerrados do réptil, era o nada. Ah, aquele apito, o que traria aquele apito? Não conhecia Graciliano, muito menos o Mutum, mas sabia que havia algo melhor longe dali.

Havia algo a romper tanto quanto a própria morbidez, aquela rodovia, aqueles veículos. Carros, caminhões, motos. Se Deus havia dado a ela a paciência nos movimentos, tinha de colocar os neurônios a se prevalecerem disso. Sim. Um tai chi chuan ao cérebro. Tinha tempo pra isso.

Ficava olhando o vaivém frenético dos carros. Nem se atrevia a tentar acompanhar com olhos, porque sempre aparecia outro. Não cabe aqui precisar quantas semanas se passaram, cabe ressaltar que o exercício poderia dar resultado. E aquele apito, o apito daquele trem.

E sabe-se lá qual foi o exato momento que a luz atingiu sua lenta e comedida inteligência. Isso: havia um espaço entre um veículo e outro. E, dias depois, percebeu que com o sol alto, o tráfego era maior e que lua trazia bem menos barulhos. Decidiu não pensar como pegar o apito, porque seria algo mais ousado, preferiu se concentrar em como atravessar sem ser pega.

Algumas semanas depois, teve a certeza de que à noite o intervalo entre um carro e outro era de 10 minutos. Informação interessante, porque conferiu esse tempo por semanas. Tentava se concentrar em não se desconcentrar a cada assovio metálico daquele trem. Caberia agora saber quanto demoraria para cruzar a pista. Isso. Medir seus passos, ainda que tivesse que ganhar mais dias para tal.

Na noite anterior, ela ensaiou. Viu que em dez minutos poderia cruzar tranquilamente a rodovia. Sentiu a delícia do novo. Sabia que todos os caminhos a levariam àquele apito. E se tartaruga sorrisse, ela sorria naquela noite.

Tomou ar e decidiu que o próximo carro apareceria em um minuto e seria o abre-alas para ir a campo. E o veículo passou. Apertou seus olhos e foi em frente, lenta e corajosamente, ela seguiu triunfante, gloriosa, colossal. E em menos de dez minutos cruzara seu caminho e sentira o bafo rente de um imenso caminhão a esquentar suas pegadas.

E se tartaruga pudesse gargalhar, ela o faria agora. Conseguiu. Orgulhosa de si mesmo. O apito mais próximo, uma nova etapa mais próxima. Não havia outra coisa a se fazer, seguir em frente. E o fez. Grandiosa, imensa, entretanto bem menor que o caminhão que a acertara, pista dupla tem dessas coisas.        

 

2 comentários:

  1. Coitadinha da tartaruga, Dri! Morreu feliz, mas morreu... :(

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    1. Pois é, Lu, pelo menos morreu tentando! Há pessoas que morrem rezando para algo as tentar!

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