quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A TINTA DO SOL

Valentina conhecera o mar aos 4 anos. Escutou atentamente as recomendações da mãe e aprendeu a respeitá-lo de longe como quem analisa uma nova amizade, uma nova situação.  Trouxe consigo sua caixa de brinquedos e bugigangas e preferiu se entreter na areia, em que construiria reinos e os destruiria minutos depois.

Estava ao lado do pai, que não se acanhou em deitar, ficou exposto ao sol e acabou dormindo. Num ímpeto de calor, o homem despertou e se virou de bruços. A parte da frente, entre o rosado e o vermelho, contrastava com a brancura traseira. Minutos depois, o sol acabou se escondendo e Valentina percebeu, pela lógica, que os mesmos tons adquiridos em sua metade não atingiriam o mesmo resultado.

Teve uma ideia, virou e revirou suas quinquilharias e encontrou seu guache rosado. Não teve qualquer acanhamento e passou a pincelar o pai, a fim de fazer o serviço incompleto do sol. As demãos duraram uns vinte minutos, o que, do seu jeito, conseguiu amenizar aquela arte. Logo após, o pai acordou e decidiu dar um mergulho.

Foi confiante até as ondas e se entregou às braçadas, à refrescante sensação. No entanto viu a garota que o itinerário que o pai fazia deixava atrás de si um legado vermelho. Sim. Sua obra, seu guache fora se agarrando ao mar, despregando-se do homem sem qualquer discrição.

Aquilo a intrigou e teve a certeza de que, se usasse a tinta que o sol usava, seus desenhos seriam mais vibrantes, mais eternos, à prova de água, à prova de tudo.  

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