quarta-feira, 22 de novembro de 2017

A SUICIDA

Um suicida não nasce assassino, um suicida apenas revela uma parte de si. Assim como é capaz de odiar, de amar, ele também desenvolve tal habilidade. E a mulher tinha todos os motivos e características para isto. Traição conjugal, demissão e as dívidas com o agiota. Tudo se acumulou. Ora, se alguém tinha o direito de tirar a própria vida, que fosse ele mesmo. Mais digno, mais honrado.

Não tinha dúvidas de como fazê-lo. Subiu até o último andar do prédio e sabia que talvez os 75 metros de queda fossem suficientes para o serviço. Levou consigo sua melhor e última garrafa do uísque escocês 12 anos, o mesmo uísque que não quis vender ao amigo, que apenas lhe estendia a mão. 

Ela preferiu encolhê-la. Sentou na beirada da janela do salão de jogos, e deixou as pernas dançarem, como se pudesse sentir a queda antes, como quem mede a temperatura da água da piscina antes do mergulho. Deu dois longos goles no destilado. Não lacrimejou nem teve a queimação em seu peito. 

Faria uma oração, se soubesse. Dizem que nossa fé toda aparece no momento que antecede nossa morte, mas parece que a dela não vingaria. Teria somente a si na derradeira partida, só estava, porque só era e isso não mudaria. Nunca teve sorte na vida, talvez a morte fosse mais afortunada.

Olhou a garrafa, ainda havia alguns longos goles, e decidiu presentear-se com eles, pois não havia nada mais a dar a si. Minutos depois, a razão sumia dali e tudo girava e girou. Levantou-se, estava a um passo da morte, bastava um simples empurrãozinho, que não veio, a natureza fez seu trabalho, a moça girou duas vezes e foi, caiu no chão, espatifou a garrafa e desmaiou com o tombo e o álcool. E assim, se a vida sempre foi seu azar, não seria a morte seu primeiro sucesso.

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