terça-feira, 31 de dezembro de 2013

OS MORANGOS DE NOTRE DAME

Sempre julguei complicada a tarefa de rever um ano todo e classificá-lo como bom, regular ou ruim. A vida, com seus dias contínuos, colocou caprichosamente as benditas folhinhas de calendário para demarcarmos momentos bons ou nem tanto, pontuarmos mudanças ou apenas quando o caminhão de gás voltará com sua música peculiar.

Não escrevo o último texto de 2013 com a chata e batida pretensão de mostrar como foram os dias de minha vida nos últimos 12 meses. Fato é que existem dias que gostaríamos que voltassem outros que tentamos esquecer, mas não conseguimos justamente por tentar isso ou aqueles que realmente voaram de nossa mente e pararam em um meio-fio qualquer.

Uma curiosidade que não deveria deixar passar veio da última frase do último texto do meu blog em 2012: “... e que te levem a qualquer esquina de Paris”. Foi isso que desejei ao mundo e a mim mesmo.

E há 15 dias, cada vez que cruzava uma esquina por lá, era essa frase que ressoava em minha mente. E foi dentro de uma brasserie, numa esquina qualquer, não de uma capital qualquer, que provava o melhor morango do mundo.

Sim, quando mordi aquela torta, pensei que o sabor da fruta me era de domínio há décadas. Não. Não era. E foi nessa esquina que fechei os olhos e senti o mais doce dos sabores que já senti em toda minha vida. Paciente e deliciosamente, saboreei os exatos 8 morangos – sim, eu contei – daquele doce, de olhos fechados.

E cada vez que eu os engolia, eu abria minha visão pra ver aquele lugar colorido e aquele frio negativo que batia na catedral de Notre Dame e voltava à movimentada rua ao lado.

Atordoado com a cidade e com o sabor, intriguei-me em pensar que só deveria ser naquele doce. Sim, uma espécie de açúcar refinado ou algo assim que só o velho mundo deveria ter. Na volta de um dos passeios, perto do apartamento em que fiquei, havia uma frutaria. Entrei e comprei uma caixa de morangos.

Lavei-os delicadamente e os provaria. Confesso que não sabia se torcia para terem o mesmo sabor, a mesma doçura que o da brasserie, ou se não os provava para decididamente não apagar aquele sabor, com aquela visão e com a alegria que cantou em meu peito.

“Pros diabos”, pensei – que seja o que é. E era, e é. A mesma doçura estava em minhas mãos e dentre os demais daquela caixa. Não sei por quanto tempo fiquei em pé, na cozinha, saboreando e vendo a mesma música e escutando as mesmas cores que tardes passadas. Único.

Ao voltar para o Brasil, dentre todo o clichê que é com o choque do primeiro com o terceiro mundo, temi ter a certeza de não pertencer ao lugar onde nasci.

Minha mãe havia preparado uma refeição e, em pleno dezembro, encontrado morangos para mim. Sorri ao ter a certeza de que aquela doçura ficou no velho mundo. Nem tinha me livrado das roupas de inverno aqui no calor tropical, fui direto a eles, peguei um e disse a ela: “O sabor disso aqui lá é algo sem igual”.

Mordi e percebi que o sabor era o mesmo. Sim. Por alguns momentos, eu estava em Paris mais uma vez. Algo mudou e hoje percebo que uma viagem não traz somente uma cultura diferente, uma experiência nova. Trouxe uma nova pessoa.

Não sei qual foi o exato momento dessa mudança, mas garanto que existem coisas definitivas em nossas vidas, tão doces e saborosas como os morangos de Notre Dame.      

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