quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

TPM

Fato: a TPM é a esquizofrenia sem remédio. É digna de estudo, de discussões e também de constatações. Se estivesse numa TPM, Cleópatra morderia a cobra, Maria Antonieta decapitaria o algoz e a Lady Godiva atropelaria a plebe com o cavalo. Quem acredita que a menina de O EXORCISTA estava possuída se engana, pura crise extrema de TPM. E todos puderam ver o que a Uma Thurman fez em KILL BILL durante várias delas.

E as piores estão camufladas em anjos. O Piu-Piu, por exemplo, é um passarinho fêmeo do mal. E ela era linda, uma beleza angelical, quase puritana. Almoçavam todos os dias no mesmo restaurante natureba, e um dia se viram. Era perfeita. Eles se olharam, na seguinte, um cumprimento, na terceira, um sorriso, um cumprimento e uma refeição.

E naquela noite de sexta, eles saíram. Um beijo. No sábado, mais beijos e o motel no domingo à tarde. Passaram a semana não apenas almoçando, foram happy-hours deliciosos em cafés, pubs e um teatro na sexta à noite. Mede-se o compromisso com alguém pelos compromissos que se tem com o par. Cinema e teatro é namoro iminente. Ela não apareceu no almoço de sexta, mas a peça, uma comédia stand up badaladíssima e cara, porque ela valia a pena.

Ele a achou esquisita, meio seca, ao telefone. Mesmo achando que seria um problema no trabalho, decidiu não arriscar. Achou mais estranho ainda quando sugeriu cancelar o passeio: “Desnecessário, né?!” – disse ela.

Preferiu não pensar, mas teve quase a certeza que ela poderia ter começado a dar defeito. Antes a certeza tivesse sido levada a sério. Naquela noite, ele chegou no horário combinado, ela entrou e não o beijou, entrou xingando o mundo, chefe, companheiros de trabalho etc. Ele sugeriu mudar o programa.

“Já disse que é desnecessário, você é surdo ou o quê? Além do mais, essa peça é cara e tenho que fazer inveja às meninas do trabalho. Ninguém conseguiu comprar. Se não fosse por mim...

Silêncio. Ele havia sugerido, ele havia comprado. Mas sempre a primeira briga, anote, sempre a primeira briga um se cala. Se esse um se cala pra sempre, pronto, a equitação diz “presente”. E a caluda situação se deu até a chegada do teatro. Ele tentou duas conversas, pôs a mão na perna dela, todos os indícios para que o pedido de desculpas aparecesse. Mas nada.

“Tudo lotado, que inferno! Para aqui, eu vou descendo e você estaciona o carro e veja se não demora, não quero ficar sozinha aqui esperando”

Fato, Deus mostra o caminho, sim, Ele mostra, mas o nosso GPS é falho demais. O desconforto, a decepção e o gosto de ingratidão são mais amargos que uma rúcula podre – pleonasmo aqui.  Em 10 minutos estava de volta. “Que demora! Lerdeza!”.

Entraram e havia duas senhoras na primeira fileira ocupando o lugar deles. Ele tentou se adiantar, entretanto... “As senhoras estão cegas ou o quê? Inferno! Devem ser surdas também para pegar a primeira fileira, não escutam?! Esses são os nossos lugares!”. O rapaz educadamente pediu apenas que elas pulassem duas cadeiras ao lado e pronto.

Elas se levantaram com dificuldade, sob olhares furiosos de quem presenciou a cena. E quem acompanha um mal-educado é como uma contaminação, você torna parte dele.

Para muitos, o espetáculo já havia começado. Ele engoliu seco, quis mandá-la à merda, porém preferiu a educação. Mesmo que os olhares de pena e de indignação o encorajassem a isso, ela era linda demais para uma atitude premeditada.

E já se passavam mais de quinze minutos de espetáculo, e todas as piadas não foram de seu agrado. A cada uma, ela se virava ao rapaz e comentava que era ridículo da parte dele rir de algo tão inútil. E tinha virado honra, ele ria de tudo, propositadamente. Ela bufava.

E o armagedon foi quando a piada foi sobre mulheres. Campo minado. E pioraria, quando ele desceu do palco e pediu luz para conversar com algumas da plateia. E se Deus existisse, ele deveria desviar o comediante deles. E ele rezou, e ele se aproximando, e ele rezou, e ele se aproximando.

“Você, bela moça! Mas que cara mais sisuda, luz aqui pra mim, por favor! Nome?”-“Marília...”. “Nome lindo, nome da minha avó e...” – “Nem tudo é perfeito, não é?”- “Marília, sei que atrás dessa cara sisuda deve ter um motivo, uma unha quebrada, uma meia-calça desfiada, um...”

“Um idiota tentando fazer papel de adivinho!” – plateia em silêncio, e o rapaz se escondendo no colo das velhinhas: “Mas por que tanta agressão?”

“Tente fazer uma piada inteligente ao menos! – alguns vaiaram, mas o rapaz era ótimo. “Piada inteligente?” – “Sim, piada inteligente, imbecil!” – “Pra quê, se você não vai entender!” – o público veio abaixo, o rapaz segurou o riso, as velhinhas principalmente, que não viram de onde o tapa veio. Sim, ela o esbofeteou e berrou ao rapaz: “ Vamos agora!!!”

E saiu. Sob vaias e aplausos. O rapaz ficou sentado, enquanto os seguranças a pegavam pelo braço. A luz nele, o comediante ainda com a mão no rosto disse: “Se você for com ela, juro que eu esmurro você!”.

E o rapaz se sentou e continuou só, rindo o restante do espetáculo, até descobriu que as velhinhas estavam na rede social, e amou ver as fotos com elas sob a legenda: O DIA QUE O LOBO TROCOU A CHAPEUZINHO VERMELHO MÁ PELAS VOVÓS.

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