segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

O FESTIVAL DA DESILUSÃO

Quando vi a entrevista que Woody Allen deu a Pedro Bial, em 2021, minhas expectativas referentes ao nada simpático e encantador roteirista e diretor se ratificaram de uma maneira triste. Vi um homem desiludido com tudo e todos - em tempos de pandemia. 

O olhar melancólico sobre o mundo, as piadas ressabiadas, com o humor desconfiado e tudo mais tinham de soar coerentes à visão que o americano sempre deu às situações diversas da vida.

Allen falou das saudades que sentia em ver a Nova Iorque que tão maravilhosamente sabe explorar em seus longas e isso foi, talvez, uma das distâncias que o forçaram a filmar na Espanha o seu último trabalho, além, claro, da beleza de San Sebastián, aliás uma ratificação do bom gosto de Woody para cidades. 

Reitero agora que toda a coerência monstruosa e sem metáforas descritas no parágrafo acima se repetiram com força em Mort, protagonista de "Rifikin"s Festival", o 50ª obra do diretor.

Woody Allen é como McDonald's, você sabe o que vai encontrar e é exatamente isso que você quer ver. A diferença é que nesse longa muitos outros filmes podem ser revistos aqui. Um professor de cinema insatisfeito com a sua carreira e com as novidades cinematográficas acompanha a esposa ao festival de cinema em San Sebastián. 

Com o casamento por um fio e desconfiado que ela o trai com um diretor francês, ele se deixa levar pelos atrativos da cidade e se apaixona, claro, por uma mulher mais nova.

Se você conhece bem o trabalho do diretor americano, certamente vai dizer: "Epa, mas eu já vi algo parecido em algum outro filme dele!". Sim, viu em MEIA-NOITE EM PARIS, em UM DIA DE CHUVA EM NOVA IORQUE, em TODOS DIZEM EU TE AMO, em TUDO PODE DAR CERTO e por aí vai - e tudo bem. 

Marcas registradas de roteiristas e/ou diretores são comuns. No entanto as semelhanças aqui ficam muito mais que evidentes, aparecem já sem força e provavelmente sem nenhum ardil em esconder as próprias fontes de criação.

Mas existe aqui uma confissão do diretor, o seu desânimo descarado com tudo. Os recentes cancelamentos que sofreu pelas especulações (ou não) de assédio e a batida história de seu casamento com a filha adotiva mais do que suscitam controvérsias e divergem opiniões. Ele passou a ser seu próprio holofote. E, quando se vê um protagonista desiludido com o cinema, não se pode negar que seu cansaço também está ali. 

De todos os personagens principais de seus filmes, nunca um foi tão longe de si mesmo. Seus alteregos apareciam sem nenhum esforço de esconder o diretor. Você não via os autores, você vi Woody ali, reclamando, ironizando e se lamentando. 

Neste último trabalho não. Talvez tenha chegado a hora de se desvencilhar de mas linhas, de suas palavras para tentar entender ou aceitar a sua dor ou se despedir da ficção com esse peso, com esse pesar. Me convém pensar que a escolha de Wallace Shawn reforça esse tom morno e pouco carismático que o diretor tem na vida real: uma confissão e tanto.

Então, leitor, você pode concluir que eu não indicaria o filme! Não, muito pelo contrário, indicadíssimo. Não quis falar mais sobre porque ele merece ser visto, porque tudo o que Woody Allen faz tem seu valor grandioso, para o bem do cinema, para o bem da arte e contra toda a mesmice que desfila por aí, porque existem desânimos bem talentosos neste mundo.



2 comentários:

  1. Quanta sensibilidade e riqueza!
    Quantos de nós estamos carentes de narrativas que realmente acrescentem valor histórico e contemporâneo, conduzindo-nos à reflexão e ao enxergar com as lentes alheias. Grata mero mortal.

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