terça-feira, 18 de novembro de 2014

MILAGRES

E a menina sentou-se na calçada, imitando pai, porque ele o fazia com frequência, logo após mexer nas motos. Sujo de graxa, com uma bandana na cabeça, ao som de Janis Joplin. Imitava o mesmo gesto dele, milimetricamente, porque ele era tudo.

Bebia seu refrigerante como ele bebia sua cerveja. Até o mesmo movimento de passar a mão no cabelo, simulando um dia quente e cansativo ela sabia fazer. Era pós-doutorada no velho e o tinha como deus.

Nas tarde de sábado, ele a colocava na garupa e punham-se a rodar pela estrada, sem destino, apenas o barulho do motor e o vento no rosto. Ela encostava a cabeça nas costas dele e se sentia única, protegida. Aquilo era melhor que o sorvete de creme no fim do passeio.

Talvez tenha sido na saída do bar. O pai caiu, de uma vez, junto com o sorvete, que estava pela metade. Ela berrou, e os velhos de dentro saíram para acudir.

Talvez tenha sido o cigarro, 3 maços por dia, talvez tenha sido a bebida, não importava, algo deveria ser feito. Ela não titubeou, mesmo pequena, subiu na moto gigantesca, sabia tudo dela – e seguiu para o hospital mais próximo.

Lembrou-se de todas as curvas, como deitar, a velocidade certa, o tempo certo de tudo. Ninguém conseguiria explicar, mas ela chegou ao hospital e conseguiu acionar uma ambulância.

Mais uma vez, subiu na moto, sob o espanto de todos e guiou-os até o local. Ele ainda estava lá, imóvel. A equipe foi rápida. Em minutos prestava os primeiros socorros. Senão fosse pelo milagre daquela garota, que, aos 6 anos, conseguiu pilotar uma moto, outro milagre não teria acontecido e o pai não estaria vivo.

Mas milagres não acontecem sempre, era isso que ela pensava, era isso que todos pensaram e foi isso que realmente foi comentado. E era Janis Joplin que tocava naquele dia, assim que a menina chegou em casa. Ela passou a tarde inteira sozinha, tentando subir na moto.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário