terça-feira, 11 de novembro de 2014

ESQUEÇA DE ESPERAR

Não se lembrava de quando foi a primeira vez que a ansiedade apareceu, mas lembrava-se, com certeza, da primeira vez que aprendeu a ter paciência. Certa vez o avô combinou de buscar o neto para uma temporada numa fazenda. Talvez tenha sido a mesma época em que escutou "janeiro" na vida.  

Quase não dormiu de alegria esperando aquele janeiro chegar, mesmo que 4 deles já houvessem passado. No dia seguinte, ligou para o avô e perguntou quando seria janeiro. Foi quando ouviu pela primeira vez do avô:

- Sempre que você esperar por algo, não espere, porque esse algo virá no momento certo. Esqueça de esperar.

Era difícil esquecer aquilo. Os dias passavam e janeiro nunca vinha. Houve mais duas ligações e o menino teve de ouvir, da última vez, repetiu sorrindo o que o avô dissera. E as brincadeiras vieram, outras horas apareceram e o menino esqueceu. Até que um dia, pela manhã, o avô estava na porta, estendendo a mão e dizendo: "Hora de se lembrar".

E o garoto sorriu o mais belo sorriso e percebeu que o tempo voara, que janeiros não demoravam tanto assim. Ao dizer isso ao avô, escutou que esquecer de esperar sempre adiantava o momento certo, sempre estreitava a felicidade e dava a ela mais sabor e alegria.

Anos depois, a primeira namorada decidiu fazer um intercâmbio na Europa e voltaria 8 meses depois. Sofreu como ninguém. Estava amuado no canto, quando o avô apareceu e soube da história. O rapaz, que olhava pela janela, como se a trouxesse de volta com os olhos, mal reparou na mão rugosa sobre seus ombros. Ele tentou devolver um sorriso bom, mas devolveu um sorriso amarelo. 

Ele sabia o que o avô diria, mas não escutou coisa alguma, porque o avô sabia que o conselho estava no coração do rapaz, e os dois permaneceram em silêncio. Não o mesmo silêncio de meses depois, quando viu o rapaz saltitante passar pela porta trazendo na mão a mulher de sua vida. Ele parou em frente ao avô e sorriu com o conselho nos lábios.

Não nos cabe aqui saber quanto tempo se passou. Cabe saber que o telefone tocou, e o homem agora o atendia com o coração na boca, porque sabia do que se tratava. Em minutos, ele estava no hospital, esperando para ver o avô na UTI. Os 92 anos já não eram encorajadores. Sabia que todas as lições haviam sido passadas e o neto foi até lá para se despedir.

Quando entrou, viu-o desacordado. Apenas aproximou-se dele e o beijou na testa. Antes de sair, chegou perto do ouvido do avô e disse que esperaria que ele ensinasse a todos no céu. Chorou um choro seco de som, engoliu o egoísmo e seguiu saudoso e orgulhoso do melhor professor que teve. Que decididamente já esperaria por isso.

Quase gelou quando o telefone soou no meio da madrugada. Olhou para a esposa, que trazia as lágrimas das saudades e do companheirismo. Ele não quis atender, mas sabia que devia, que era o momento certo. Por segundos, ficou orgulhoso, porque esqueceu de esperar pela morte do avô. Não teve tempo de falar, apenas escutou o que tinha pra escutar naquele momento: "Esqueça de esperar".

Chovia muito e o sono veio leve, porque havia alguém ainda de olhos abertos, porque algo sempre vem no momento certo.


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